Do salário ao vínculo laboral. Cinco indicadores que explicam os desafios do emprego jovem
O programa "Avançar" pretende promover mais emprego e mais qualificado entre os jovens. Entre os parceiros sociais, o programa foi bem recebido.
Atingir 25 mil jovens com contrato de trabalho sem termo e salários de, no mínimo, 1.330 euros, é o objetivo do programa de apoio à contratação jovem “Avançar” que acaba de arrancar. Entre os parceiros sociais, o programa “Avançar” foi bem recebido, mas deixam alertas para a “rigidez das leis laborais” e para a necessidade de acompanhar os montantes mobilizados e a empregabilidade gerada pela medida. Em maio, havia em Portugal mais de 70 mil jovens desempregados.
Desemprego, vínculo laboral e salários são alguns dos indicadores analisados no estudo “Retrato do Emprego Jovem em Portugal”, de Paulo Marques, professor do ISCTE-IUL, que ajudam a explicar a urgência de medidas concretas à integração dos jovens no mercado de trabalho, mas também emprego menos precários e com salários que acompanhem as qualificações.
Há quase 30% de pessoas com ensino superior com contratos a termo e a registar na última década perdas de rendimentos líquidos especialmente entre os jovens mais qualificados.
Taxa de desemprego
O desemprego jovem não tem dado tréguas, tendo registado um crescimento muito acelerado durante as crises financeiras e da dívida soberana (2010-2014), uma redução acelerada nos anos da recuperação económica (2015-2019), tendo voltado durante a pandemia da Covid-19 a registar um crescimento, que, só no caso dos jovens que completaram o Ensino Superior, é que inverteu totalmente, aponta o estudo “Retrato do Emprego Jovem em Portugal”.
Assim, o desemprego jovem é mais elevado entre os pouco qualificados: 25% dos desempregados entre os 25 e os 29 anos concluíram apenas o ensino básico.
Olhando apenas para a taxa de desemprego de jovens qualificados, com o ensino superior, a trajetória é mais animadora. Se, durante as crises financeira e da dívida soberana, se registava uma divergência com a União Europeia muito significativa, desde 2017 que Portugal tem vindo a convergir com a média dos Estados-membros da UE, embora continue com uma taxa superior.
Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) dão disso conta. Em maio, 338.600 pessoas estavam desempregadas no país, dos quais 70.500 jovens. A taxa de desemprego jovem era de 18,6%, mais do triplo da registada para os adultos (5,5%) e uma subida de 0,5 pontos percentuais face a abril e de 0,1 pontos percentuais relativamente ao período homólogo.
No mesmo mês, havia 2,696 milhões de jovens (com menos de 25 anos) desempregados na UE, dos quais 2,226 milhões na Zona Euro. A taxa de desemprego dos jovens era, contudo, inferior à nacional: 13,9% tanto na UE como na Zona, dão conta os dados do Eurostat.
Contratos temporários
Também a percentagem de jovens com contratos temporários tem vindo a diminuir, mas, neste caso, os valores nacionais continuam ainda longe da UE, onde a percentagem de jovens com contratos com termo é bem mais reduzida. E exatamente o mesmo acontece se analisarmos a representação desde tipo de contrato laboral entre os jovens com o ensino superior.
A percentagem de pessoas com ensino superior com contratos a termo reduziu 11% (40% em 2010 e 29% em 2022), embora ainda estejamos distantes da média da União Europeia, de 17%, elenca o estudo levado a cabo pelo ISCTE.
Um dos objetivos do programa “Avançar” é precisamente reduzir a precariedade, já que o apoio às empresas no âmbito deste programa pressupõe que o jovem tenha um contrato de trabalho sem termo. A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, foi ainda mais longe e anunciou que o principal objetivo é atingir 25 mil jovens com este tipo de vínculo laboral.
Salários líquidos reais
Já no que toca aos ordenados, “entre 2021 e 2022, os qualificados perdem bastante em termos salariais“, conclui o professor Paulo Marques. “Quanto aos restantes, a situação não se alterou significativamente.”
De 2021 para 2022, apenas os jovens mais qualificados registaram uma perda nos seus rendimentos líquidos, passando dos 1.128 euros para os 1.061 euros (uma diminuição de 67 euros). Já os jovens com ensino secundário e os jovens com o ensino básico registaram aumentos salariais líquidos de 13 e dez euros, respetivamente.
O estudo “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal”, realizado anualmente pela Fundação José Neves (FJN) mostrou há pouco mais de duas semanas que o ganho salarial associado a uma formação de ensino superior está em “mínimos históricos”. Apesar do aumento do salário nominal em 3,6%, a subida da inflação acabou por resultar numa quebra do poder de compra dos portugueses.
O salário real caiu 4% entre 2021 e 2022 tendo esse impacto sido sentido de forma muito pronunciada entre os jovens qualificados: tiveram uma queda de 6% no seu salário real. O diferencial entre os ordenados dos jovens portugueses com ensino superior e dos jovens com ensino secundário atingiu, assim, mínimos históricos, diminuindo de cerca de 50%, em 2011, para 27%, em 2022, revelou a edição de 2023 deste relatório.
Carlos Oliveira, presidente da FJN, considera que “é muito positivo que o país reconheça e o Governo tome medidas para colmatar o problema de precariedade no emprego dos jovens, e que é determinante tomar medidas para reverter esta situação”.
Além do Governo, o papel das empresas é fundamental para dar um novo impulso à valorização do emprego dos jovens, que lhes permita encontrar em Portugal as condições para poderem progredir profissionalmente, com remunerações adequadas e competitivas, e condições de trabalho atrativas.
“O programa ‘Avançar’ é uma medida importante, e que está em linha com dois eixos do ‘Pacto para Mais e Melhores Empregos para os Jovens’: atrair e reter os jovens, e garantir emprego de qualidade aos jovens. É uma obrigação nacional fazer o que for necessário para mudar o estado das coisas”. “Além do Governo, o papel das empresas é fundamental para dar um novo impulso à valorização do emprego dos jovens, que lhes permita encontrar em Portugal as condições para poderem progredir profissionalmente, com remunerações adequadas e competitivas, e condições de trabalho atrativas”, conclui.
Na próxima segunda-feira, as empresas signatárias e parceiras do Pacto –– na primeira fase houve 50 empresas a aderir a este compromisso — vão reunir e dar novos passos para contribuir para a melhoria do emprego jovem no nosso país, adianta ainda o líder da FJN ao Trabalho by ECO.
Saída de emigrantes portugueses
Outro dos temas analisados no estudo realizado pelo ISCTE incide sobre a emigração e a saída do talento do mercado nacional. Entre 2010 e 2013 verificou-se um aumento muito rápido da emigração, em linha com a subida do desemprego. Posteriormente, a trajetória tem vindo a ser decrescente, especialmente durante a pandemia — em que, devido às restrições de mobilidade, as saídas de emigrantes portugueses registaram o valor mais baixo desde, pelo menos, 2010 (45.000 saídas). Corrigindo essa diminuição “forçada”, em 2021, 60.000 portugueses emigraram.
“Prevê-se que, nos próximos anos, a emigração estabilize em torno das 70 mil saídas anuais, próximo do valor verificado em 2010″, lê-se no documento a que o Trabalho by ECO teve acesso.
Saída de talento que agrava o problema de escassez que país está a atravessar — há falta de pessoas para setores fundamentais da economia como turismo ou construção — e que há que contrariar com medidas de fixação.
O país está “numa competição muito feroz entre organizações e entre países pelo talento”, lembrou Ana Mendes Godinho, no início do ano, durante a apresentação do “Pacto Mais e Melhores Empregos para os Jovens”.
“Os jovens são o nosso bem mais valioso para o nosso destino coletivo”, afirmou, considerando “crítico fixar o talento em Portugal”, tanto o nacional como atraindo para o mercado nacional talento internacional como os nómadas digitais, lembrou a ministra do Trabalho.
Emprego no setor dos serviços
“Em 2010 Portugal tinha uma percentagem muito reduzida de emprego nos serviços intensivos em conhecimento. No entanto, verificou-se uma tendência positiva nos últimos anos, em linha com o aumento do nível de escolaridade da população portuguesa”, analisa o docente do ISCTE.
E, recordando que a Suécia é um dos destinos da emigração portuguesa qualificada, Paulo Marques destaca este país nórdico como “exemplo em matéria de emprego qualificado”. “A percentagem de emprego nos serviços intensivos em conhecimento é muito elevada, sendo que tal já sucedia em 2010.”
Como reter os jovens qualificados em Portugal?
Em jeito de síntese, o responsável pelo estudo menciona a “redução acelerada do desemprego jovem, especialmente entre os qualificados”, a “melhoria muito acelerada das qualificações dos jovens” e os “ganhos salariais verificados no período pré-crise inflacionista” como os aspetos mais positivos.
Já a “elevada emigração (ainda que inferior ao verificado durante as crises financeira e da dívida soberana)”, a “evolução negativa dos salários no período 2021-2022, nomeadamente para os jovens qualificados” e os “salários baixos, especialmente quando comparados com os observados nos principais destinos da emigração portuguesa” são os indicadores mais negativos, e onde constam os maiores desafios do emprego jovem em Portugal.
Agora que a taxa de desemprego entre os muito qualificadas é reduzida, podemos ser mais ambiciosos na estratégia de retenção dos muito qualificados.
Olhando especificamente para a percentagem de jovens com contratos temporários e para o peso do emprego nos serviços intensivos em conhecimento, Paulo Marques considera que se “verificam melhorias, mas persistem problemas”.
Para reter os jovens qualificados em Portugal, o docente e coordenador do Observatório do Emprego Jovem deixa ainda seis linhas de ação:
- “Expansão dos setores intensivos em conhecimento (articulação de políticas públicas é decisivo)”;
- “Alinhamento entre oferta formativa e procura no mercado de trabalho (ensino superior politécnico e universitário)”;
- “Promover o aumento dos salários (políticas de emprego e negociação coletiva)”;
- “Quebrar a armadilha do emprego precário (implementar as alterações feitas à legislação de proteção no emprego)”;
- “Outras dimensões da qualidade do emprego (conciliação entre trabalho e vida familiar; direito a teletrabalho; oportunidades de formação, entre outras)”;
- “Políticas de habitação (os jovens são os mais atingidos pelos elevados preços da habitação)”.
“Agora que a taxa de desemprego entre os muito qualificadas é reduzida, podemos ser mais ambiciosos na estratégia de retenção dos muito qualificados”, conclui.
Parceiros sociais aplaudem medida
Entre os parceiros sociais, o programa “Avançar” foi bem recebido. “A Confederação Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) considera que este tipo de medidas é positivo para a integração de jovens no mercado de trabalho”, começa por comentar o presidente da CCP, João Vieira Lopes, em declarações ao Trabalho by ECO.
Mas, ao mesmo tempo, deixa um alerta: “As questões da precariedade são mais complexas e prendem-se, nomeadamente, com a rigidez das leis laborais, mas num contexto de falta generalizada de trabalhadores e uma significativa mobilidade dos mesmos, nomeadamente dos jovens, faz menos sentido colocar as questões em termos de precariedade.”
As questões da precariedade são mais complexas e prendem-se, nomeadamente, com a rigidez das leis laborais, mas num contexto de falta generalizada de trabalhadores e uma significativa mobilidade dos mesmos, nomeadamente dos jovens, faz menos sentido colocar as questões em termos de precariedade.
A UGT, num parecer enviado ao Ministério do Trabalho sobre a portaria publicada esta segunda-feira em Diário da República sobre o programa “Avançar”, considera que o objetivo estratégico a que se propõem estas medidas é de “extrema importância”, uma vez que vem ao encontro de “uma das lacunas nacionais, que é o potencial na retenção de jovens e talento no nosso mercado de trabalho, lacuna essa muito resultante do nosso modelo económico de baixos salários”. Assim, “se bem monitorizada e divulgada”, a medida tem “um elevado potencial de sucesso”.
“Será também importante para a UGT que haja um acompanhamento dos montantes mobilizados e da empregabilidade que advier da implementação do presente programa, de modo a não frustrar as elevadas expectativas junto dos jovens trabalhadores”, acrescenta a organização sindical.
O Trabalho by ECO contactou igualmente a CGTP, mas até ao momento da publicação não obteve qualquer comentário.
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