Estas são as penas de prisão dos crimes a que Salgado está sujeito no caso BES

A Ricardo Salgado foram imputados 65 crimes, nomeadamente associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento de capitais.

Na passada segunda-feira o juiz de instrução do processo BES/GES decidiu que Ricardo Salgado ia a julgamento. Uma decisão que surgiu nove anos depois da queda do banco que Salgado liderou durante décadas e que terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.

Mas não vai sozinho, todos os arguidos foram pronunciados, ou seja, vão a julgamentos nos exatos termos da acusação, à exceção de cinco. No caso de Ricardo Salgado, são lhe imputados 65 crimes, nomeadamente associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada, branqueamento, infidelidade e manipulação de mercado.

Um dos crimes é o de associação criminosa. Este é um crime público e punido com uma pena de prisão de um a cinco anos.Destina-se a quem “promova ou funde o grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes”.

Segundo o número 3 do artigo 299.º do Código Penal, “quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações (…) é punido com uma pena de prisão de dois a oito anos”.

Salgado está também acusado de 12 crimes de corrupção ativa no setor privado. Este crime é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Segundo o artigo 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, destina-se a “quem por si ou, mediante o seu consentimento ou ratificação, por interposta pessoa der ou prometer a pessoa prevista no artigo anterior [trabalhador do setor privado], ou a terceiro com conhecimento daquela, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida, para prosseguir o fim aí indicado”.

Mas se o comportamento criminal tiver como objetivo prejudicar a concorrência ou um prejuízo patrimonial para terceiros, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.

Já o crime de burla qualificada (artigo 218.º do Código Penal (CP)) recai sobre quem, por meio de erro ou engano sobre factos provocados, com “intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo”, determinar outro a praticar atos que causem, a ele ou a outra pessoa, prejuízo patrimonial de valor elevado. O ex-banqueiro está acusado de 29 crimes de burla qualificada.

Neste crime público — que não depende de queixa — o agente é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias. Ainda assim, a pena de prisão pode aumentar para dois a oito anos caso o “prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado“, caso o agente “fizer da burla modo de vida” ou “se aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença”, ou até em caso de “a pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica”.

Ricardo Salgado está também acusado de sete crimes de branqueamento de capitais. Este crime é um processo que tem por objetivo a ocultação de bens, capitais ou produtos com a finalidade de lhes dar uma aparência final de legitimidade, procurando, assim, dissimular a origem criminosa de capitais, bens ou produtos. O agente que incorra neste crime é punido com pena de prisão de dois a doze anos, segundo o artigo 368.º-A/ do Código Penal (CP).

Ainda assim, a lei refere que quando houver reparação integral do dano causado ao ofendido, sem dano ilegítimo a um terceiro, a pena é especialmente atenuada.

Enquanto crime público, a falsificação ou contrafação de documentos (artigo 256.º do CP) pune o agente com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Salgado está acusado de nove crimes de falsificação de documentos.

Neste crime está em causa a intenção do agente de “causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado”, de “obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”, ou de “preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime” através de várias formas, entre elas a de “fabricar ou elaborar documento falso” ou “abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento”.

Caso a falsificação recaia sobre documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale de correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outra documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito, a pena de prisão vai de seis meses a cinco anos e a pena de multa de 60 a 600 dias. Mas caso seja funcionário e o crime decorra no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Na acusação lê-se ainda que a Ricardo Salgado estão também seis crimes de infidelidade, um crime semipúblico. “Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por ato jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”, lê-se no artigo 224.º do CP.

Agenda pessoal de Ricardo Salgado foi um dos documentos apreendidos pelo Ministério Público na investigação ao “Universo Espírito Santo”.

Por fim, o ex-banqueiro está acusado de um crime de manipulação de mercado que cinge-se a “quem divulgue informações falsas, incompletas, exageradas, tendenciosas ou enganosas, realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros”.

O agente é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa. Caso a conduta provoque ou contribua para uma alteração artificial do regular funcionamento do mercado, o agente é punido com pena de prisão até oito anos ou pena de multa até 600 dias.

Os titulares do órgão de administração e as pessoas responsáveis pela direção ou pela fiscalização de áreas de atividade de um intermediário financeiro que tenham conhecimento dos atos de manipulação e não coloquem termos a estes são punidos com pena de prisão até quatro anos ou pena de multa até 240 dias, se pena mais grave não lhes couber por força de outra disposição legal.

Juiz diz que condenação é o “mais provável” devido à “prova assoberbante”

Atendendo à “natureza e dimensão da prova” que sustenta a acusação do Ministério Público (MP), sendo esta “verdadeiramente assoberbante”, conclui-se existir uma “maior probabilidade de condenação dos arguidos do que a sua absolvição”. A conclusão é de Pedro Santos Correia, o juiz de instrução que decidiu a ida a julgamento de 20 dos 25 arguidos do caso BES. Porém, não será este o magistrado a julgar por uma condenação ou absolvição dos arguidos.

Numa breve leitura da decisão instrutória, sem sequer enumerar os crimes em causa, o juiz validou quase na íntegra os crimes pelos quais os 25 arguidos vinham acusados. Introduziu apenas pequenas alterações, deixando cair alguns crimes de infidelidade em relação a três arguidos, por prescrição e lapso da acusação, e deixou de fora o arguido José Manuel Espírito Santo, que morreu entretanto.

“Ante a natureza e a dimensão da prova que sustenta a acusação (verdadeiramente assoberbante), conclui-se que a mesma se mostra, em si mesma, suficientemente indiciadora para, se reproduzida e sustentada em julgamento, se concluir pela maior probabilidade de condenação dos arguidos do que pela sua absolvição, critério que norteia a pronúncia ou não pronúncia dos arguidos”, escreve o magistrado, no seu despacho de pronúncia, a que o ECO/Advocatus teve acesso.

E acrescenta, explicando que, “do mesmo passo, os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos arguidos e a prova por si apresentada revelam-se incapazes de contrariar a conclusão que acima se tirou, quer porque não infirmam o juízo probabilístico a que se chegou, quer porque manifestamente procuram discutir matérias que são objeto da fase de julgamento, como acima se deixou dito, não cabendo no âmbito da instrução nem sendo, aliás, aptas a contrariar a suficiência dos indícios existentes”.

Pedro Correia dos Santos, no mesmo despacho, lembra que o MP, depois de uma investigação que durou seis anos, sustenta a acusação deduzida “em inúmeros, extensos e diversificados elementos probatórios, consubstanciados em prova documental proveniente de várias jurisdições, prova resultante de inquirições de testemunhas e arguidos, de buscas, de interceções telefónicas, de correio eletrónico apreendido, de registos fonográficos pré existentes (gravações de sala de mercado, do Conselho de Supervisão), de plataformas de conversação instantânea – bloomberg, CPS, Citrix e de pareceres técnicos elaborados por especialistas, entre eles do Núcleo de Assessoria Técnica da PGR, assessores do BdP e da CMVM”.

A 5 de setembro de 2022, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) transferiu o processo das mãos de Ivo Rosa para Pedro dos Santos Correia, juiz auxiliar com apenas dois anos de experiência e que tinha sido recentemente colocado no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em substituição do recém juiz presidente da comarca de Lisboa.

A saída de Ivo Rosa deveu-se assim ao movimento de juízes, embora Ivo Rosa não possa ainda ser colocado na Relação, já que tem um processo disciplinar contra si pendente. Contactado pelo ECO, na altura, o CSM explicou que “neste caso, o juiz Pedro Correia manifestou vontade de preencher esta vaga de auxiliar de substituição de titular, não tendo havido outros candidatos com classificação superior no que toca à antiguidade e ao mérito”, garantindo que “o presente movimento judicial ordinário dos magistrados judiciais foi realizado de acordo com os critérios legais constantes do disposto na Lei da Organização do Sistema Judiciário e do Estatuto dos Magistrados Judiciais”.

E foi precisamente este facto que levou o advogado de Amílcar Morais Pires, Raul Soares da Veiga, a dizer que a decisão de levar o seu cliente a julgamento “era expectável”, afirmando que o juiz foi colocado no processo para se atingir “um certo fim”.

“Era muito expectável. Pelo modo como correu a instrução, outra coisa não era de esperar, porque a instrução não foi verdadeiramente respeitadora dos direitos de defesa. Designadamente à mudança do juiz”, disse Raul Soares da Veiga, advogado de Morais Pires. Para Soares da Veiga, neste processo a justiça “esteve malíssima”, nomeadamente com a substituição de Ivo Rosa a meio da fase de instrução do processo, comentando que “nunca se viu isso”.

Ricardo Salgado e o advogado Francisco Proença de CarvalhoEPA/JOSE SENA GOULAO

Críticas que vieram também do lado da defesa de Salgado, liderada por Francisco Proença de Carvalho. O advogado defendeu que a substituição do juiz de instrução a meio do processo transformou a instrução num “mero cumprimento de calendário”, com o qual apenas se pretendia “tirar uma fotografia e fingir que está tudo bem com a Justiça”, o que tornou previsível a decisão.

“Devo confessar: quando para um advogado passa a ser tão previsível a decisão que se vai tomar, algo está muito mal na Justiça. Uma Justiça de sentido único é uma Justiça que não serve a ninguém porque se percebe que não está a fazer o seu papel de árbitro, de distanciamento e de capacidade de ter coragem para precisamente enfrentar, enfim, as ondas de opinião pública, de alguma que é natural que se sinta enfim perturbada com determinado tipo de casos, mas a Justiça e a democracia serve para isso”, disse.

Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas.

É composto por 767 volumes, entre autos principais, arrestos, incidentes de oposição e apensos bancários e 186 volumes de autos principais, processados até à data da distribuição em 687.398 folhas. Mais todos os apensos bancários, de buscas e diversos (mais de duas centenas) e equipamentos informáticos apreendidos. A acusação conta com 3.552 folhas, assinadas por sete procuradores.

A realização do debate instrutório ocorreu um ano após o arranque da fase de instrução no Tribunal Central de Instrução Criminal, no dia 26 de abril de 2022, então ainda nas mãos do juiz Ivo Rosa e quase três anos depois de ser conhecida a acusação.

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