O que é que Manuel Pinho já confessou no julgamento do caso EDP?

O julgamento do processo EDP já vai na sétima sessão de julgamento. Mas tudo o que foi dito por Manuel Pinho, em três dessas sessões, pode ter passado despercebido. Recorde aqui.

O processo EDP – que junta Ricardo Salgado e Manuel Pinho em julgamento – já conta com sete sessões. Dessas, Manuel Pinho falou em mais de metade. Logo na primeira sessão, em que o ex-ministro da Economia falou mais de cinco horas, admitiu que “ou eu aceitava a má prática generalizada do BES ou recebia menos dinheiro do que a concorrência nos outros bancos” ou ainda que “a criação da Fundação Tartaruga foi para ocultar património antes da ida para o Governo e negou que fosse para esconder subornos do Grupo Espírito Santo (GES)”. Leia aqui tudo o que foi dito, até agora, pelo arguido.

Este processo EDP – que acabou separado do que envolvia António Mexia, Manso Neto e o próprio Pinho no que toca aos CMEC – o arguido está em prisão domiciliária desde dezembro de 2021 e é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal. A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal – em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento.

“A criação da Fundação Tartaruga foi para ocultar património antes da ida para o Governo e não para esconder subornos do Grupo Espírito Santo”

Na primeira sessão, ao longo de quase cinco horas de intervenção no Juízo Central Criminal de Lisboa, o antigo governante começou por descrever factos da acusação como “uma trapalhada”, mas foi avisado pela juíza para não usar essa palavra. A partir daí, Pinho repetiu por diversas vezes que não ia usar “a palavra T”, mas criticou e refutou a acusação do Ministério Público, nomeadamente a ideia de que estaria “ao serviço” do GES ou de Ricardo Salgado.

“Em quatro anos e meio reunimos três vezes. Reuni mais com qualquer industrial do calçado de terceira categoria do que com ele”, afirmou o ex-ministro da Economia, que integrou o governo liderado por José Sócrates entre 2005 e 2009.

E nem depois de ter deixado o Governo considerou que tivesse uma boa relação com o ex-banqueiro, apesar de ter voltado para o GES para trabalhar no BES África em 2010, justificando que tal aconteceu porque Ricardo Salgado não cumpriu o que tinha sido acordado no contrato que definiu as condições da sua saída, em 2004.

A criação da Fundação Tartaruga foi para “ocultar património antes da ida para o Governo e negou que fosse para esconder subornos do Grupo Espírito Santo (GES)”.

“O GES tinha um mau hábito de pagar prémios e complementos de salário no estrangeiro”

Pinho alegou ainda que os pagamentos do GES que recebeu no estrangeiro durante o período em que exerceu funções como ministro da Economia foram “uma imposição” do BES.

“Ou eu aceitava a má prática generalizada do BES ou recebia menos dinheiro do que a concorrência nos outros bancos”, disse.

“O GES, de acordo com a minha experiência, não pagava mais do que os bancos concorrentes, simplesmente tinha um mau hábito de pagar prémios e complementos de salário no estrangeiro. Para quem estava nessa situação era pegar ou largar… ou recebiam menos ou aceitavam a situação”, explicou o ex-ministro da Economia no governo liderado pelo primeiro-ministro José Sócrates.

Questionado pela juíza Ana Paula Rosa se os pagamentos recebidos numa conta no estrangeiro e não declarados fiscalmente em tempo devido tinham sido uma imposição do BES, Manuel Pinho confirmou a situação: “É a justificação pela qual eu e todos os quadros do GES na mesma circunstância não declarámos. Não foi uma decisão pessoal. Os pagamentos, no meu caso, estão justificados contratualmente“, frisou.

Por outro lado, o ex-governante invocou o contrato assinado em 2004 pelo antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, e pelo administrador e membro do Conselho Superior Mário Mosqueira Amaral, no qual ficaram fixadas as condições da sua saída, defendendo que o acordo foi feito antes de saber que viria a exercer funções governativas e que essa circunstância refuta a tese do pacto corruptivo alegada pelo MP.

“Tomando em consideração o contrato, tudo o que são pagamentos indevidos na ótica do MP passam a pagamento de dívidas justificadas contratualmente. Existe um contrato assinado não por duas pessoas, mas também por um terceiro que era administrador e membro do conselho superior. De forma alguma se trata de um negócio bilateral com Ricardo Salgado”, vincou.

Manuel Pinho salientou ainda que o designado pacto corruptivo era “falso e sem nexo”, ao considerar que se trata de um “equívoco” do MP.

“Não existe a mínima prova de que ele tenha existido. E não tem nexo, porque, pegando nesse pacto criminal e fazendo as contas, o que resulta é que, se tivesse aceitado, eu tinha tido um prejuízo colossal em vez de um benefício. Ninguém faz um pacto para se prejudicar”, observou, considerando ainda que os favores ao BES que lhe foram imputados “são patéticos”.

“Não posso estar grato a Salgado e ao GES por passarem de 16 milhões de euros de reforma para sete milhões”

O antigo ministro da Economia contou que Ricardo Salgado, o aconselhou a não ir para a política e reiterou que o ex-banqueiro o “prejudicou brutalmente”.

O ex-governante procurou fazer uma cronologia da sua relação com o BES e Ricardo Salgado, a passagem pelo Governo e o regresso à atividade no BES África.

“Em 2005 tiveram lugar as eleições, recebi o convite para ir para o Governo e aceitei. Foi o maior erro da minha vida, porque deu origem a estes problemas e fez-me perder uma fortuna colossal”, disse, explicando que o ex-banqueiro lhe disse para se manter afastado da política: “Não encorajava membros do banco a terem atividade política. Ele disse-me ‘não se meta nisso, é uma palermice’”.

Sobre a relação com o antigo presidente do BES, Manuel Pinho sublinhou os “altos e baixos” numa “relação longa” com Salgado, que descreveu como “muito centralizador” e indicou duas discussões públicas com o ex-banqueiro, que apontou como possível causa para o seu afastamento do banco, tendo depois recordado o não cumprimento do acordo que tinha sido feito para a sua reforma aos 55 anos e com 100% do salário pensionável.

“Às tantas tivemos duas discussões em público e eu tenho o meu feitio… não sei se terá sido isso que terá influenciado depois a minha substituição”, observou, continuando: “Não posso estar grato a Ricardo Salgado e ao GES por passarem de 16 milhões de euros [previstos no acordo para a reforma] para sete milhões de euros… Tenho do Dr. Ricardo Salgado a recordação de alguém que me prejudicou brutalmente”.

Numa conta bancária, o património era meu. Na Mandalay também era meu. Portanto, precisava de criar alguma coisa diferente em que o património não era meu. Legalmente, o património não era meu. O que me aconselharam foi uma fundação privada… . Criei essa estrutura chamada Fundação Tartaruga, uma fundação de direito privado. Não tem nada a ver com criar qualquer coisa adicional para esconder”.

“Decidi tirar parte do dinheiro dessa conta, indo ao Deutsche Bank, onde criei uma sociedade offshore”

Manuel Pinho disse que a origem daquela entidade offshore era para poder receber os 15 mil euros mensais do GES (durante a sua passagem pelo primeiro governo liderado por José Sócrates), apesar de explicar que o motivo foi para se dissociar do seu património, com vista a não ter de declarar ao Tribunal Constitucional antes de entrar no executivo.

“Numa conta bancária, o património era meu. Na Mandalay também era meu. Portanto, precisava de criar alguma coisa diferente em que o património não era meu. Legalmente, o património não era meu”, referiu Manuel Pinho, continuando: “O que me aconselharam foi uma fundação privada… . Criei essa estrutura chamada Fundação Tartaruga, uma fundação de direito privado. Não tem nada a ver com criar qualquer coisa adicional para esconder”.

Segundo o ex-ministro, o património estava inicialmente acumulado numa conta do BES na Suíça (Banque Privée). Com o afastamento de funções no BES, em 2004, confessou-se “agastado” e decidiu tirar “parte do dinheiro dessa conta”, indo ao Deutsche Bank, onde criou uma sociedade offshore, mas, como nessa estrutura, o património pessoal continuava associado ao seu nome, entendeu avançar com a terceira estrutura: a Fundação Tartaruga.

No entanto, defendeu que essa decisão não teve por base esconder recebimentos provenientes do Grupo Espírito Santo, uma vez que a conta na Suíça, devido ao sigilo bancário “inultrapassável” naquele país até 2012, até seria a melhor opção.

O antigo ministro da Economia e arguido no julgamento do processo EDP, Manuel Pinho (C), à saída do tribunal depois de ter sido adiado o início do processo no Campus de Justiça, em Lisboa, a 6 de outubro de 2023. TIAGO PETINGA/LUSATIAGO PETINGA/LUSA

“Se eu tinha uma conta numerada e uma offshore, não há nenhuma razão para criar uma terceira. Será que esta estrutura da fundação permite esconder? O que mais pode esconder é a Masete, a conta bancária na Suíça”, observou, continuando: “Eu tinha a solução na Masete. Não ia criar outra coisa para esconder. Tudo o que se diz em relação à Fundação Tartaruga está errado, a Fundação Tartaruga não era para esconder dinheiro nenhum”.

Manuel Pinho disse ainda que a “questão fiscal não tem nada a ver com a Fundação Tartaruga” e que não cometeu “nenhum delito fiscal”, após aderir ao Regime Excecional de Regularização Tributária (RERT): “A partir do momento que foi feito o RERT, o crime fiscal acabou”.

“Os supostos favores não existiram. A acusação diz que continuava ligado ao BES e que tudo o que fizesse que envolvia remotamente o BES, por definição, estava infetado. Assim, acusar é fácil… Favoreci em zero o BES”, referiu.

Em 2005 tiveram lugar as eleições, recebi o convite para ir para o Governo e aceitei. Foi o maior erro da minha vida, porque deu origem a estes problemas e fez-me perder uma fortuna colossal”

 

“Trabalhava muito e por isso dei instruções à minha mulher”

O antigo ministro da Economia Manuel Pinho justificou em tribunal ter dado instruções à sua mulher para movimentar a conta da sociedade ‘offshore’ Tartaruga Foundation enquanto esteve no Governo com a falta de tempo e o trabalho.

“Trabalhava muito”, disse o ex-governante em resposta às perguntas do Ministério Público (MP), após Alexandra Pinho ter declarado que era o marido que lhe dava as instruções para movimentar a conta para a qual eram transferidos cerca de 15 mil euros mensais provenientes do Grupo Espírito Santo (GES), sublinhando: “Dormia uma hora e meia, acordava bem-disposto, mas não tinha cabeça para tudo. A minha vida de ministro foi um pesadelo”.

Durante a primeira parte da sessão de segunda-feira do julgamento, Alexandra Pinho disse ao tribunal que nunca foi beneficiária das sociedades ‘offshore’, limitando-se a movimentar a conta enquanto Manuel Pinho estava no Governo por instrução do marido.

“Era a única relação que tinha com essa conta. Era o poder movimentar, por ser necessário ao meu marido que eu fizesse os movimentos. Ele é que dava as instruções, que eu transmitia telefonicamente [ao gestor de conta]”, referiu, preferindo então que fosse depois Manuel Pinho a explicar por que razão não movimentava diretamente a conta da Tartaruga Foundation.

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