Constitucional sem “deadline” para decidir futuro da nova lei do trabalho

Provedora pediu ao TC que fiscalize duas normas da nova lei do trabalho, incluindo o polémico travão ao "outsourcing". Não há prazo para decisão dos juízes do Palácio Ratton. Pode demorar um ano.

Tivesse o Presidente da República pedido a fiscalização da nova lei laboral antes de lhe dar “luz verde” e o Tribunal Constitucional (TC) teria demorado apenas 25 dias a decidir. Mas, apesar dos alertas dos patrões, Marcelo Rebelo de Sousa não o fez. Já esta semana a Provedora de Justiça enviou para o Palácio Ratton duas das novas normas introduzidas recentemente no Código do Trabalho. Como a lei está em vigor, agora não há prazo para a decisão dos juízes, que podem mesmo levar um ano a perceber se, por exemplo, o travão ao outsourcing para empresas que façam despedimentos coletivos é ou não uma ameaça à Constituição portuguesa.

“O pedido de fiscalização feito pela Provedora de Justiça insere-se na chamada fiscalização sucessiva abstrata, ou seja, pede-se ao TC que fiscalize aquelas normas em abstrato, sem ser a propósito de um caso concreto, e numa altura em que já estão em vigor. Neste caso, não há prazo para o TC tomar a decisão“, afirma, em declarações ao ECO, Tiago Duarte, consultor sénior da PLMJ.

Essa explicação é confirmada por José Moreira da Silva, sócio da SRS Legal, que sublinha que a lei prevê prazos para o respetivo processo, mas estes devem ser considerados “meramente disciplinadores“. “Em situações normais, como esta será, a decisão pode demorar alguns meses“, avança o advogado. Já Tiago Duarte vai mais longe e alerta que os juízes do Palácio Ratton “normalmente” demoram um ano a decidir.

Ainda antes de a nova lei do trabalho ter sido promulgada, as confederações patronais escreveram ao Presidente da República a alertar que o diploma que tinha sido aprovada no Parlamento continha potenciais inconstitucionalidades.

Marcelo Rebelo de Sousa podia, nessa altura, ter pedido a fiscalização preventiva do diploma, caso em que o Tribunal Constitucional teria apenas 25 dias para decidir. “E estes prazos podem ser encurtados por motivo de urgência“, realça José Moreira da Silva.

O Chefe de Estado não pediu, contudo, essa fiscalização. Promulgou a lei que entrou em vigor a 1 de maio. Mas seis meses depois a Provedora de Justiça veio agora submeter ao Tribunal Constitucional um pedido de declaração de inconstitucionalidade de duas dessas normas.

Em concreto, estão em causa a norma que permite ao prestador de trabalho fazer substituir-se temporariamente por terceiros por si indicados e a que trava o recurso à terceirização de serviços para a satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.

Na visão da Provedora de Justiça, estas normas estabelecem “restrições ao direito fundamental de iniciativa económica privada que não observam a exigência de proporcionalidade”, argumento que também já tinha sido usado pelos próprios patrões.

Concordo inteiramente com a posição da Provedora de Justiça, também me parecendo que a restrição ao outsourcing viola o direito de livre iniciativa económica“, realça Luís Menezes Leitão, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, em respostas enviadas ao ECO.

Já José Moreira da Silva observa que em ambos os casos o que está em causa é a colisão de direitos constitucionais. “É matéria muito polémica e das mais difíceis em direito constitucional, pois em causa está encontrar a correta ponderação de direitos constitucionais igualmente protegidos. Não vai ser fácil a decisão do Tribunal Constitucional e é impossível prever o desfecho“.

Por exemplo, no que diz respeito ao polémico travão ao outsourcing, o advogado sublinha que “esta proibição absoluta é também vista pela Provedora como uma restrição total do direito à iniciativa económica privada, entendendo que podiam ser usadas outras vias menos proibitivas, como a correta fiscalização da utilização do despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho“.

Patrões contentes com decisão da Provedora

João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP).Luís Francisco Ribeiro

Em reação ao anúncio de que a Provedora de Justiça decidira enviar para o Palácio Ratton as duas normas referidas, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) considerou-a uma “decisão muito relevante, que vem em boa hora“, sublinhando que há normas na lei do trabalho que impedem o desenvolvimento económico.

“Estas normas vão ao arrepio das regras da boa gestão e colocam as empresas que estão em Portugal numa situação de desvantagem competitiva em relação à sua concorrência estrangeira”, realçou Armindo Monteiro, numa nota enviada às redações.

No mesmo sentido, mas em declarações ao ECO, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) e atual porta-voz do Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP), diz ver como “muito oportuna” a decisão da Provedora. “Vai ao encontro das posições que quer o Conselho Nacional das Confederação Patronais, quer a CCP têm assumido relativamente a várias das alterações laborais introduzidas recentemente”, salienta.

O responsável alerta, no entanto, que há várias outras normas das que foram introduzidas recentemente à lei do trabalho que podem estar a violar a Constituição. É o caso daquela que dita que os trabalhadores não podem abdicar dos créditos salariais, no momento de saída da empresa, salvo se em tribunal, e do alargamento do direito à atividade sindical na empresa na qual não existam trabalhadores filiados.

“Recorde-se que o CNCP procurou sensibilizar várias forças políticas para este tema, tendo nomeadamente reunido com os grupos parlamentares para que houvesse lugar a um pedido de fiscalização abstrata da constitucionalidade, iniciativa agora promovida pela Provedora de Justiça”, nota João Vieira Lopes.

E atira: “A CCP está convicta que várias das alterações introduzidas pela já referida Lei 13/2023 virão a ser declaradas inconstitucionais no futuro, através dos mecanismos previstos na Constituição, não podendo deixar de lamentar os impactos negativos que alterações desta natureza têm no desenvolvimento das atividades económicas“.

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