Lítio, hidrogénio e dados. Os negócios na mira da justiça

O Ministério Público lançou uma investigação sobre vários projetos da área da energia, do lítio ao hidrogénio, passando por um centro de dados em Sines. Revisite os negócios em causa.

Dois projetos de lítio, um de hidrogénio e outro de um centro de dados estão debaixo de holofotes na sequência de uma investigação do Ministério Público, que ditou várias buscas na manhã desta terça-feira e culminou na demissão do primeiro-ministro português, António Costa. Foram alvo de buscas a residência oficial do primeiro-ministro e os Ministérios do Ambiente e Infraestruturas, entre outras entidades. O Eco/Capital Verde recorda os negócios que estão em causa.

Os factos investigados factos estão relacionados com “as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas)”, “um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines – apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI)” – e “o projeto de construção de “data center” desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade “Start Campus”.

“Em causa poderão estar, designadamente, factos suscetíveis de constituir crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência”, lê-se no mesmo comunicado. Mas que negócios são estes? Começando pelo primeiro ponto, das concessões de exploração de lítio.

Um dos projetos em causa é da autoria da empresa Lusorecursos, que se propõe a explorar a mina do Romano, em Montalegre, da qual pretende extrair lítio, mas não só. O projeto mais alargado, que a empresa diz querer manter (submetendo a avaliações ambientais autónomas), prevê a construção de uma refinaria de lítio no local e de uma fábrica de reciclagem de baterias, a qual poderia extrair lítio usado e voltar a refiná-lo. Além disso, sendo que a extração de lítio implica também a extrações de outros materiais usados na indústria cerâmica, a Lusorecursos vê espaço para a criação de uma fábrica de cerâmica.

Com o lítio avaliado em 30.000 dólares por tonelada (uma estimativa que a Lusorecursos considera conservadora), o projeto da empresa deverá atingir os 510 milhões de dólares de volume de negócio ao longo dos 10 anos previstos para a exploração, o que se traduz em cerca de 200 milhões de dólares de lucro (o equivalente a 182 milhões de euros), indicou a empresa ao ECO/Capital Verde, num artigo no qual pode conhecer o projeto (e os prós e contras) mais a fundo.

A empresa é liderada por Ricardo Pinheiro e fechou um contrato de concessão de exploração com o Estado em 2019. É na assinatura deste contrato de concessão que reside a polémica. João Matos Fernandes e João Galamba, que ocupavam, respetivamente, os cargos de ministro do Ambiente e secretário de Estado da Energia em 2019, defenderam que, apesar da contestação das populações e de polémica na estrutura acionista da empresa (que foi criada três dias antes da assinatura deste contrato), a decisão do Governo limitou-se a cumprir a lei.

Nós fomos obrigados a dar a concessão [da exploração de lítio em Montalegre à Lusorecursos]“, afirmou Galamba no programa Prós e Contras, emitido pela RTP em novembro de 2019. O então secretário de Estado remeteu para o Decreto-lei 88/90, que determina que “a empresa detentora de prospeção e pesquisa tem o direito de requerer a exploração”, seguindo-se a avaliação ambiental.

João Matos Fernandes defendeu que, no que diz respeito a Montalegre, “tudo aquilo que foi feito foi cristalino”. “Começou por ser atribuída uma licença para a prospeção [em 2012], a prospeção foi feita, foi feita de acordo com a lei que o Governo da direita fez, que diz que a seguir à prospeção há direito à exploração”, referiu Matos Fernandes, citado em novembro de 2019 pela Lusa.

A população tem vindo a contestar o projeto, alegando que não só põe em causa o bem-estar, tendo em conta o ruído e a possível contaminação das águas, como também a paisagem e portanto os projetos turísticos na região. Ambientalmente, a maior preocupação tem sido o lobo ibérico, uma espécie protegida que tem o espaço da mina como habitat.

Desde a assinatura do contrato de concessão, o projeto tem sido alvo de avaliações ambientais, e recebeu, no passado mês de setembro, uma Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada, que permite à mina ir para a frente se cumpridas as condições determinadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Este foi o segundo projeto a ter luz verde da APA em Portugal. O primeiro é promovido pela Savannah Resources, que se propõe a explorar a mina em Boticas e também está sob investigação. A 31 de maio deste ano, este projeto obteve uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável da parte da APA, também condicionada ao cumprimento de determinadas condições.

O projeto baseia-se num contrato de concessão mineiro de 30 anos (concedido em 2006), e pretende extrair lítio suficiente para suportar a produção de meio milhão de baterias para veículos elétricos por ano.

Numa entrevista recente ao ECO/Capital Verde, Diogo da Silveira, administrador não executivo da Savannah, indicou que o projeto prevê um investimento de 110 milhões na construção de infraestruturas e a criação de 215 empregos diretos e 2000 indiretos. Além disso, revelou que a empresa abriu um processo para avaliar possíveis parcerias (para a compra e exploração do lítio) que já conta com 60 candidaturas.

Suspeitas antigas sobre hidrogénio

O hidrogénio verde entrou em grande na agenda mediática e económica em 2020, ano em que foi anunciado um megainvestimento de 1,5 mil milhões de euros nesta área, no âmbito do projeto H2Sines. O objetivo era “implementar um cluster industrial de produção de hidrogénio verde, com base em Sines” e “vocação exportadora”, escrevia na altura a EDP, em comunicado, no qual anunciava avançar em parceria com a Galp, a Martifer, a REN, a Vestas e diversos parceiros europeus.

Este foi um dos projetos selecionados pelo Governo para candidatar ao estatuto de IPCEI (’Important Project of Common European Interest’, ou Projeto Importante de Interesse Comum Europeu), tal como avançou na altura o Expresso.

Foi ainda em novembro desse ano que a revista Sábado noticiou que o projeto H2Sines estaria sob “forte escrutínio” do Ministério Público, e que as autoridades estariam a debruçar-se sobre “as relações entre membros do Governo e elementos de grandes empresas privadas do consórcio integrado pela EDP, Galp, REN, Martifer e Vestas”.

No mesmo artigo, apontava-se que estaria a ser investigado o então ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, e o secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba. “Ambos os governantes estão sob apertada vigilância das autoridades judiciais e policiais porque fazem parte do grupo de alvos principais num inquérito-crime que averigua indícios de tráfico de influência e de corrupção, entre outros crimes económico-financeiros“. Ambos os governantes rejeitaram as acusações.

Em junho de 2021, a EDP e a Galp decidiram abandonar o consórcio H2Sines, que ficou reduzido às empresas REN, Martifer, Vestas e Engie. Na altura, a EDP afirmou que, apesar de cortar laços com o consórcio, se manteria ativa na área do hidrogénio verde, mantendo “20 projetos sob análise”. A petrolífera justificou a decisão dizendo que queria “ir mais rápido” e, numa primeira fase, produzir hidrogénio para consumo próprio, e não para vender aos holandeses, como era desígnio do Governo.

Meses depois, em novembro de 2021, surge um projeto renovado: o GreenH2Atlantic, apoiado com 30 milhões de euros no âmbito do Horizonte 2020. Na ex-central termoelétrica de Sines da EDP Produção, a EDP, Galp, Engie, Bondalti, Martifer, Vestas, McPhy e Efacec são algumas das entidades que sustentam este projeto, um dos maiores em Sines. Terá uma capacidade de 100 megawatts (MW), um investimento superior a 150 milhões de euros e tem entrada prevista em operação no final de 2025. Não havendo registo de qualquer candidatura ao estatuto de IPCEI, este novo projeto não deverá estar sob a mira do Ministério Público.

Também em Sines nasceu o muito badalado centro de dados Start Campus, igualmente contemplado nas investigações que agora decorrem. Um complexo de nove edifícios, apoiado em 495 megawatts (MW) de potência, num investimento global de cerca de 5,7 mil milhões de euros. Uma das últimas comunicações presentes no site da empresa, dá conta que o primeiro edifício da Start Campus deveria começa a “operar parcialmente” em outubro, estando a decorrer o licenciamento para a segunda fase do projeto.

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