Lei do lóbi é “imprescindível” para a transparência, mas não impediria Operação Influencer

Apesar do veto de Marcelo em 2019 à lei do lóbi, os advogados consideram que é "imprescindível" e "absolutamente importante" existir um diploma em Portugal para regular esta atividade.

Sabe o que é o lobbying? De forma sucinta são as comunicações e contactos estabelecidos de forma a influenciar decisões públicas e políticas. Em Portugal já esteve perto de ser regulado, mas Marcelo Rebelo de Sousa acabou por vetar esse diploma em 2019. Uma coisa é certa, os casos de corrupção e tráfico de influências continuam a crescer no país e no “palco” da justiça.

Com uma crise política “instalada” no país, e com suspeitas de terem existido alegados favores e influências por parte do ex-chefe de gabinete de Costa junto do Governo, será que se a lei do lóbi estivesse em vigor a investigação em torno da Operação Influencer estaria em curso?

Não me parece que a regulamentação do lóbi impedisse esta investigação, pela simples circunstância de a ausência de regulamentação também não significar que a atividade lobista não é possível, ou que não é lícita. É evidente que é. Só não está regulada. E, por conseguinte, mesmo não sendo proibida, temos em curso a investigação que temos”, disse Rui Costa Pereira, associado coordenador da MFA Legal.

Mas o advogado não tem dúvidas sobre a importância e necessidade de Portugal regular o lóbi, considerando que é mais uma área em que Portugal está profundamente atrasado. “Já era assim em 2019 e continua a ser, na medida em que essa regulamentação potenciaria a transparência das relações estabelecidas entre lobistas e as entidades públicas“, disse.

Certamente que haveria hoje em dia mais transparência na interação com o setor público e uma definição bem clara sobre o que é, e não é, o lóbi.

Miguel Pereira Coutinho

Associado sénior da Cuatrecasas

Também Miguel Pereira Coutinho, associado sénior da Cuatrecasas, apesar de não conseguir afirmar se a investigação estaria em curso ou não com uma possível lei do lóbi, garante que pelo menos traria mais “transparência”. “Certamente que haveria hoje em dia mais transparência na interação com o setor público e uma definição bem clara sobre o que é, e não é, o lóbi”, referiu.

O advogado sublinhou ainda que, apesar do veto de Marcelo em 2019, o chefe de Estado fê-lo não por discordar, mas antes por ter identificado no diploma importantes lacunas. Entre elas, a ausência de obrigação de declaração dos rendimentos obtidos com a atividade exercida, bem como a sua origem, a ausência de identificação da estrutura acionista e beneficiários últimos no que diz respeito a pessoas coletivas e o facto de o diploma não se aplicar a interações com o Presidente da República ou os representantes da República nas Regiões Autónomas.

“Não entendo a razão pela qual, identificadas lacunas, não se voltou a abordar o tema, à semelhança do que sucedeu com outras matérias, como por exemplo a morte medicamente assistida”, disse Miguel Pereira Coutinho.

Lei do lóbi reforçaria confiança no poder político

Apesar do veto do Presidente da República em 2019, os advogados consideram que é “imprescindível” e “absolutamente importante” existir um diploma em Portugal para regular a atividade de lóbi, uma vez que aumentaria a transparência e já é regulamentado na maior parte dos países.

Alexandra Mota Gomes, sócia da Antas da Cunha Ecija, alertou que é necessária essa lei, até devido ao número crescente de casos de corrupção e de tráfico de influências que têm surgido. A advogada defende que a regulamentação da atividade de lóbi iria contribuir para a existência de uma “maior transparência nas decisões legislativas”.

“Acredito que esta atividade, se for devidamente regulamentada, poderá contribuir para uma maior igualdade de acesso ao poder legislativo, uma maior capacidade de informação no que toca aos representantes políticos e, principalmente, um aumento exponencial da confiança no poder político, porquanto qualquer cidadão poderia aceder livremente aos registos que determinaram todo o percurso efetuado até à tomada de decisões políticas e legislativas”, explicou.

Considerando a regulamentação do lóbi como “imprescindível”, Miguel Pereira Coutinho considera que na cultura de Portugal está muito “enraizada” a ideia de que o lóbi é pernicioso.

Apelidar alguém de lobista não é elogiá-lo, mas sim a associá-lo a clientelismo e compadrio. Convém, todavia, que se tenha presente que a representação de interesses junto de entidades públicas se encontra prevista, desde logo, no Tratado da União Europeia, além de que, nos Estados Unidos da América, se chega ao ponto de entender que possui assento constitucional, pelo que se queremos promover uma democracia madura e desempoeirada, convém que o Estado não passe a recusar toda e qualquer interação com representantes de interesses privados e que não se comece a gerar a ideia de que a participação destes últimos em processos decisórios constitui, automaticamente, um crime”, disse.

O associado sénior da Cuatrecasas garante que a partir do momento em que se definam regras claras para essa interação entre privados e o Estado, contribuir-se-á para uma “maior transparência” e “responsabilidade de parte a parte”.

Acredito que esta atividade, se for devidamente regulamentada, poderá contribuir para uma maior igualdade de acesso ao poder legislativo.

Alexandra Mota Gomes

Sócia da Antas da Cunha Ecija

“Em vez de se fazer de conta que o lobismo não existe, o que importa é reconhecer que os comportamentos abusivos só se previnem e são combatidos mediante o estabelecimento de limites e obrigações, passando todos a conhecer as linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas”, acrescentou.

Registo e incompatibilidades. O que deve estar na lei

Desde o registo e do regime das incompatibilidades até à implementação de mecanismos de prevenção de riscos de corrupção e combate ao branqueamento de capitais, são vários os “pilares bases” apontados pelos advogados que a lei do lóbi deveria acautelar.

Para Rui Costa Pereira, os aspetos relativos ao registo das entidades dedicadas ao lóbi ou o respetivo regime de impedimentos e incompatibilidades são decisivos, tais como os aspetos sublinhados por Marcelo Rebelo de Sousa quando vetou a lei.

“Tudo, portanto, a bem da transparência do exercício de atividades que, ao fim e ao cabo, são todas elas de prossecução do interesse público, mesmo quando este convirja com interesses privados. É perfeitamente possível, diria até desejável, que o interesse público e privado estejam a par”, garantiu.

Para além do registo público para o exercício da atividade, onde estão indicados todos os interesses representados e eventuais situações ou ligações que poderão gerar conflitos de interesse, Miguel Pereira Coutinho apontou ainda a “obrigatoriedade de divulgação das remunerações recebidas, situação patrimonial e estrutura acionista, com identificação dos beneficiários últimos”. Bem como a “criação de um código de conduta que obrigue os representantes de interesses ao cumprimento de um conjunto de deveres éticos, obrigando-se os mesmos a alargar esse cumprimento, também, a quem com eles colabore”.

O advogado defende que a lei deverá ainda acautelar a obrigatoriedade de implementação de mecanismos de prevenção de riscos de corrupção e combate ao branqueamento de capitais; a sujeição a auditorias por parte de autoridades públicas, permitindo-se que, detetada alguma irregularidades, se possa escrutinar a atividade do representante de interesses e sujeitá-los a sanções; a obrigatoriedade de divulgação pública, para arquivo futuro, de todas as reuniões e interações realizadas, para que se possa saber quem e em que momento interveio nos processos decisórios, e que documentos foram apresentados; e a definição de prazos mínimos “para que alguém, depois de sair do Governo, por exemplo, possa passar a agir como representante de interesses”.

Ainda há muito a fazer no combate à corrupção

Face a esta investigação em curso e aos alegados crimes em questão, os advogados acreditam que ainda é cedo para fazer um balanço da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção.

Rui Costa Pereira relembrou que até há pouco tempo o Mecanismos Nacional Anticorrupção (MENAC) só tinha recebido sete denúncias em 2023 e que só em junho é que foi instalado. Este mecanismo tem como função fiscalizar e criar mecanismos para evitar a corrupção e conta com uma dotação orçamental de 2,1 milhões de euros.

O MENAC substituiu o Conselho de Prevenção da Corrupção, que funcionava junto do Tribunal de Contas, e faz parte do pacote anticorrupção aprovado em 2021, ainda era Francisca Van Dunem a ministra da Justiça. A ideia é que apoie a criação e desenvolvimento de políticas anticorrupção e que reúna e trate de informação fiável sobre a corrupção.

É uma entidade da maior relevância, sobretudo para atuar a montante da investigação criminal, de maneira a que esta seja ‘poupada’. Seria sinal de eficácia da estratégia, parece-me. Ao mesmo tempo, poderá ter também uma importante vertente pedagógica, congregando toda a informação relevante sobre o combate à corrupção, incluindo estatística”, referiu o associado coordenador da MFA Legal.

Apesar de considerar a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção um documento “apelativo” e “bem estruturado”, Miguel Pereira Coutinho acredita que se o objetivo era desenvolver e implementar todas as medidas aí previstas até ao final 2024, há muito a trabalhar nos próximos 12 meses.

É uma entidade da maior relevância [MENAC], sobretudo para atuar a montante da investigação criminal, de maneira a que esta seja “poupada”. Seria sinal de eficácia da Estratégia, parece-me.

Rui Costa Pereira

Associado coordenador da MFA Legal

Já Alexandra Mota Gomes afirma que a estratégia ainda está numa fase “embrionária” e que o regime sancionatório do Regime Geral da Prevenção da Corrupção ainda só é aplicável às entidades públicas e às grandes empresas, e muitas ainda não iniciaram a sua implementação.

“As regras definidas neste regime são importantes no combate a este tipo de criminalidade, porém, muito irá depender da efetiva implementação pelas entidades públicas e privadas das respetivas regras e do próprio controlo do cumprimento, seja pelos órgãos internos daquelas, seja pela autoridade competente para a respetiva fiscalização, o MENAC”, explicou a advogada.

Para a sócia da Antas da Cunha Ecija, relativamente à criminalidade que possa surgir no seio de pequenas empresas ou de entidades públicas com menos de 50 trabalhadores, este regime sancionatório é “irrelevante”, uma vez que não lhes é aplicável. “No entanto, o RGPC prevê que as entidades públicas que não sejam consideradas entidades abrangidas devem adotar instrumentos de prevenção de riscos de corrupção adequados à sua dimensão e natureza“, acrescentou.

A luta contra a corrupção tem ocupado um lugar de destaque na lista de compromissos assumidos no programa do Governo, mas já vinha do anterior Executivo. Uma das medidas é justamente a obrigatoriedade das empresas com mais de 50 colaboradores terem canais de denúncia para reportarem comportamentos suspeitos dos colegas de trabalho.

Assim, torna-se vinculativo a adoção por aquelas entidades públicas e privadas de um programa de compliance, que inclua “a elaboração de um plano de prevenção da corrupção, a aprovação de um código de conduta, a disponibilização de um canal de denúncia, a realização de um programa de formação, a designação de um responsável independente pelo cumprimento normativo e a aplicação de sanções para o respetivo incumprimento”.

Para fiscalizar esta e outras medidas foi criado o MENAC, assumido como “uma prioridade” por Catarina Sarmento e Castro, ministra da Justiça, que reiterou o compromisso do Governo no combate à criminalidade económico-financeira com a criação desta “entidade independente que será dotada dos meios necessários para exercer as funções de iniciativa, controlo e sanção”.

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