Fim aos fósseis, financiamento e menos emissões. O que está em cima da mesa da COP 28?
Principal cimeira do clima arranca esta quinta-feira com objetivos ambiciosos, mas com obstáculos que prometem dificultar as negociações. Estes são os temas que vão marcar a agenda.
A 28ª cimeira do clima das Nações Unidas (COP 28) arranca esta quinta-feira no Dubai. Na Expo City, antecipam-se mais de 70 mil pessoas, entre elas delegações que representarão mais de 150 países.
Até 12 de dezembro, decorrerão negociações sobre temas que se arrastam há várias cimeiras: um compromisso para o fim gradual dos combustíveis fósseis; a definição de regras e financiamento para fundos climáticos e um acordo para uma redução global do nível de emissões. Tudo isto para que o objetivo de limitar o aquecimento global em 1,5º graus Celsius até 2050, face à era pré-industrial, ainda seja possível.
Antecipam-se – uma vez mais – negociações difíceis entre as delegações internacionais, à medida que o contexto no qual a cimeira decorre também se agrava: este ano foi marcado por sucessivas temperaturas recorde na Europa.
Mas o próprio país que se voluntariou para receber a cimeira deste ano também deverá ser um obstáculo nas negociações. De acordo com a BBC, os Emirados Árabes Unidos (EAU) estarão a planear usar o seu papel de anfitrião como uma oportunidade para fechar negócios ligados ao petróleo e ao gás com pelo menos 15 países, embora o país tenha negado tal intenção ao jornal britânico.
Numa investigação conduzida pela BBC, em colaboração com jornalistas independentes do Centre for Climate Reporting, estará em cima da mesa a intenção de serem abordadas oportunidades entre a ADNOC, companhia petrolífera nacional dos EAU, com a China, Colômbia, Alemanha e Egito, e oportunidades ligadas à exploração de gás natural liquefeito em Moçambique, no Canadá e na Austrália.
“Não estou francamente otimista face àquilo que era preciso e àquilo que provavelmente vai sair”, comentou Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, em entrevista ao Capital Verde. “Vai ser complicado. E, realmente, que o presidente da conferência [Sultan Ahmed Al Jaber], seja também o responsável pela [ADNOC] não ajuda. O presidente não manda, mas o presidente conduz as negociações. Não vai ser uma conferência fácil”, apontou.
Mas afinal o que vai ser discutido?
Fim dos fósseis à vista?
Calendarizar a eliminação progressiva do consumo e produção de combustíveis fósseis até 2050, acompanhado de uma rápida expansão das energias renováveis, continua a ser o principal objetivo a alcançar nas COP. Depois de em Glasgow, os líderes mundiais se terem aproximado de um compromisso para um fim gradual do carvão – bloqueado nos momentos finais pela Índia, que defendia uma diminuição do uso do combustível ao invés do seu fim – no Egito, o tema voltou a marcar a agenda (visando o petróleo e o gás natural também) mas sem o desfecho pretendido.
“Aquilo que seria o compromisso desejável e que se tem feito um esforço muito grande para que que se tornasse numa decisão da COP, é a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Mas isso não se consegue. E as decisões só avançam quando são tomadas por consenso”, apontou Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS), em entrevista ao Capital Verde.
A União Europeia (UE) e os Estados Unidos deverão manter a sua posição em relação ao tema, urgindo que seja consensual entre as delegações. Para os 27 Estados-membros, isto significa que o carvão deve ser eliminado o mais tardar até 2030, o gás fóssil o mais tardar até 2035 e o petróleo o mais tardar até 2040. Mas o facto de o G20 não ter sido capaz de chegar a um acordo sobre o assunto na última reunião do grupo em Nova Deli deverá dificultar as negociações nesta matéria, logo à partida.
O presidente da COP já afirmou que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é “inevitável”, mas perante as revelações da BBC, e o próprio historial do país no setor do petróleo, fica a dúvida sobre se os Emirados Árabes Unidos estarão comprometidos em pressionar outras nações ricas a apoiar o fim progressivos dos fósseis na COP 28.
Maior redução de emissões
O nível de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) a nível global não está alinhado com o objetivo de limitar o aquecimento do planeta em 1,5º graus Celsius até 2050, face à era pré-industrial. O caminho parecia promissor quando em 2020, por causa da pandemia, assistiu-se a uma quebra significativa da libertação destes gases, mas, com o desconfinamento, a trajetória inverteu caminho e atualmente encontra-se em níveis mais elevados do que em 2019. Cortar as emissões é portanto fundamental, mas pede por uma ação concertada e abrangente.
Na COP 27, a UE defendia que se desse esse passo, definindo-se, simultaneamente, um pico de emissões globais já para 2025, mas foi fortemente contestada pelas partes presentes. A expectativa da ONU deste ano é que os países se comprometam em reduzir drasticamente as emissões globais em 45% até 2030, face aos níveis de 2019.
Ademais, será feito pela primeira vez no Dubai um “balanço global” das reduções de emissões de GEE. Conhecido como Global Stockstake, este é um processo que decorre há cinco anos e que permite aos países e às partes interessadas verificar em que medida estão a fazer progressos coletivos para cumprir os objetivos do Acordo de Paris – e em que medida não estão. O seu principal objetivo é facilitar a avaliação do progresso contínuo e impulsionar compromissos mais ambiciosos.
Fundos para países mais pobres aguardam por regras do jogo
Considerado um marco “histórico” da COP 27, os líderes mundiais chegaram a acordo para a criação do fundo de Perdas e Danos — que aguardava por uma “luz verde ” há 30 anos. Este mecanismo, financiado pelos países mais ricos, tem como propósito ajudar os países mais vulneráveis a enfrentar os efeitos das alterações climáticas.
O fundo, que resultou de longas horas de negociação pela noite dentro em Sharm El-Sheik, no Egito, determina a nomeação de uma comissão que terá como objetivo identificar os países que poderão beneficiar desta ajuda. Na proposta, os países menos desenvolvidos em África e na Ásia, e pequenos Estados insulares em desenvolvimento, deverão ser os primeiros receber estas ajudas, mas o acordo não exclui a inclusão de outras nações na lista.
Na altura, ficou acordado que as economias mais desenvolvidas seriam chamadas a contribuir – e países como a Dinamarca, Bélgica e Finlândia mostraram-se logo disponíveis – tendo o Banco Mundial, entretanto, disponibilizado para apoiar a gerir o fundo.
Ao longo dos últimos 11 meses, os governos têm lutado para chegar a um consenso sobre os detalhes mais concretos: quem irá pagar e com base em que critérios; qual o teto mínimo deste fundo; a que mecanismos os países mais ricos podem recorrer para recolher as verbas; se o contributo será obrigatório ou voluntário, e que prazos serão definidos. Certo, é que o objetivo é que as verbas comecem a ser distribuídas já no próximo ano.
Além do fundo de Perdas e Danos, será fundamental regularizar o fundo destinado à mitigação e adaptação. Em 2009, os países mais ricos, e que beneficiam financeiramente do investimento nos combustíveis fósseis que contribuíram para a crise climática, comprometeram-se a alocar 100 mil milhões de dólares por ano para ajudar os países mais vulneráveis a adaptar e mitigar os riscos das alterações climáticas, e a investir na transição energética e na redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). Mas esse valor nunca foi atingido. Em 2020, os países mais ricos conseguiram reunir 83,3 mil milhões de dólares.
A Zero prevê que a UE lidere o tema pelo exemplo, fornecendo financiamento novo e adicional, com foco no aumento de subvenções para adaptação, para colmatar as lacunas existentes e fortalecer a ação climática global. Mas também, antecipa que o bloco europeu lidere as negociações em torno deste tema.
Conversas à margem também pesam
À semelhança das cimeiras anteriores, fora das negociações oficiais das Nações Unidas, os governos a título individual e empresas também farão os seus próprios anúncios.
Os Emirados Árabes Unidos – além das alegadas conversas à margem para fechar negócios ligados aos fósseis – tencionam lançar um compromisso voluntário de redução das emissões por parte das empresas petrolíferas e de gás, numa tentativa de trazer a indústria dos combustíveis fósseis para o centro da luta contra as alterações climáticas. Ademais, revela a Reuters, serão anunciadas outras iniciativas à margem da COP 28, entre elas, compromissos para reduzir as emissões de metano e limitar o financiamento privado das centrais de carvão.
Antecipam-se iniciativas semelhantes vindas de outros países. Por exemplo, Portugal, que terá pela primeira vez um pavilhão numa COP, tem na agenda um conjunto de compromissos. Entre eles, a formalização de um acordo entre o Governo e o Green Climate Fund. Este fundo, criado no seio da ONU, apresenta-se como “o maior fundo para o clima a nível global”, com a missão de apoiar os países em desenvolvimento a concretizar as respetivas ambições de descarbonização.
Paralelamente, está previsto a oficialização de que a dívida de Cabo Verde será reconvertida num fundo de investimento em ambiente, na energia, na água, na reciclagem, de forma a acelerarmos esta transição, como parte de uma estratégia que deverá ser aplicada aos restantes países da CPLP.
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