“Descontextualizado” ou “negacionista”? Presidente da COP volta a estar no centro da polémica na cimeira do clima

Combustíveis fósseis e al Jaber voltam a estar no centro da polémica na COP 28. Além de estar previsto um aumento de produção nos EAU, declarações "negacionistas" do líder árabe ameaçam compromissos.

O presidente da 28ª conferência das Nações Unidas (COP 28) pode ser a chave — ou um dos principais obstáculos — para um acordo que determina o fim gradual dos combustíveis fósseis. No Dubai, os líderes mundiais tentam fechar um compromisso que se arrasta há várias conferências, de definir o fim gradual dos combustíveis fósseis, à medida que as alterações climáticas se agravam e a ciência apela a mais esforços para se limitar o aquecimento global até 2050. Porém, as polémicas em torno do líder da cimeira Sultan al Jaber — que é simultaneamente CEO da petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos (Adnoc) –, assim como as suas convicções em relação ao papel dos combustíveis fósseis, podem ameaçar essa ambição.

Uma frase descontextualizada, mal interpretada, recebe a máxima cobertura. Mais uma vez, eu respeito os factos e os números. Respeito a ciência em tudo o que faço. Tenho dito repetidamente que é a ciência que tem guiado os meus princípios e a estratégia enquanto presidente da COP 28. Cada passo do caminho é construído com base na ciência, nos factos“, afirmou esta segunda-feira Sultan al Jaber, em conferência de imprensa, depois de um fim de semana em que foram reveladas declarações proferidas pelo próprio, consideradas por especialistas como “negacionistas” e “ameaçadoras” para o futuro da COP 28, e do planeta.

Sultan Ahmed Al Jaber, presidente da COP 28EPA/MARTIN DIVISEK

A polémica estalou no domingo, e esta segunda-feira foi dia de controlo de danos. Majid Al Suwaidi, diretor-geral da COP 28, saiu em defensa de al Jaber, garantindo que o líder árabe “está perfeitamente alinhado” com os objetivo da cimeira. “[al Jaber] referia-se, obviamente, à meta de zero emissões líquidas em 2050. Todos sabemos, e é muito claro em todos os relatórios científicos, que os combustíveis fósseis vão fazer parte dessa mistura, e [al Jaber] disse muito claramente que acha que a redução gradual dos combustíveis fósseis é inevitável“.

Por sua vez, um porta-voz da COP 28 reiterou: “Mais uma vez, isto faz claramente parte de um esforço contínuo para minar os compromissos tangíveis da presidência COP e uma deturpação da nossa posição e dos êxitos alcançados até à data”.

A polémica remete para o dia 21 de novembro. O The Guardian e os jornalistas independentes do Centre for Climate Reporting recordaram as declarações de al Jaber, proferidas durante um evento online, no qual o líder árabe foi perentório: “Não existe nenhuma ciência nem nenhum cenário que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai permitir atingir 1,5 graus Celsius [de aumento da temperatura média global]“.

O jornal britânico escreve que a resposta “mal humorada” do líder árabe ocorreu na sequência de um conjunto de questões colocadas por Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos. “Estamos numa crise absoluta que está a prejudicar as mulheres e as crianças mais do que ninguém, e isso deve-se ao facto de ainda não nos termos comprometido a eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Essa é a única decisão que a COP 28 pode tomar e, em muitos aspetos, por ser presidente da Adnoc [petrolífera estatal], pode tomá-la com mais credibilidade“, apelou a irlandesa na mesma conversa.

Al Jaber, que rapidamente mudou o tom da conversa, respondeu: “Aceitei vir a esta reunião para ter uma conversa sensata e madura. Não estou de forma alguma interessado em participar numa discussão alarmista. Não existe nenhuma ciência, nem nenhum cenário, que diga que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é o que vai permitir atingir 1,5°C”, vincou. E quando Robinson o pressionou sobre a questão, o líder árabe atirou: “Por favor, ajude-me, mostre-me o roteiro para uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis que permita um desenvolvimento socioeconómico sustentável, a menos que queira levar o mundo de volta às cavernas“, acusando Mary Robinson de “apontar dedos” ao invés de identificar soluções.

Não demorou muito até que a chuva de críticas chegasse: “A ciência é clara: limitar o aquecimento em 1,5 graus Celsius só é possível se deixarmos de queimar todos os combustíveis fósseis. Não reduzir, não diminuir. É preciso eliminar gradualmente, com um calendário claro“, defendeu o presidente das Nações Unidas, António Guterres, este domingo, fazendo referência a um acordo que tem estado em discussão entre os líderes mundiais há várias cimeiras.

A tese foi defendida por Al Gore. O ex vice-presidente dos Estados Unidos aproveitou o momento para voltar a criticar a escolha do presidente da Adnoc para liderar aquela que é a principal cimeira do clima do mundo, acusando Al Jaber de estar interessado em “proteger os lucros”, “em detrimento da sobrevivência da civilização humana”.

“Só há uma medida de sucesso para a COP 28: firmar-se um compromisso de eliminação progressiva dos combustíveis fósseis”, afirmou em declarações ao The Guardian. “Se conseguirmos esse compromisso, será um sucesso tremendo; se não, será um fracasso“.

Al Gore, antigo vice presidente dos Estados UnidosEPA/MARTIN DIVISEK

Os cientistas também foram rápidos a reagir. Ao The Guardian, Bill Hare, diretor executivo da organização não governamental Climate Analytics, afirmou: “Trata-se de uma troca de impressões extraordinária, reveladora, preocupante e beligerante. “Mandar-nos de volta às cavernas” é o mais antigo dos tropos da indústria dos combustíveis fósseis: está à beira do negacionismo climático“.

Esta não é a primeira polémica em torno do presidente da COP. Dias antes de a cimeira arrancar, rebentou outra a controvérsia. De acordo com a BBC, os Emirados Árabes Unidos estarão a planear usar o seu papel de anfitrião como uma oportunidade para fechar negócios ligados ao petróleo e ao gás com pelo menos 15 países, embora o país tenha negado tal intenção ao jornal britânico.

Numa investigação conduzida pela publicação, em colaboração com o Centre for Climate Reporting, estarão em cima da mesa “pontos de discussão” a serem abordados entre a ADNOC com partes da China, Colômbia, Alemanha e Egito, e oportunidades ligadas à exploração de gás natural liquefeito em Moçambique, no Canadá e na Austrália.

Apesar de al Jaber ter reiterado que o fim gradual dos combustíveis fósseis é “inevitável”, o país anfitrião da COP 28 não parece ser subscritor dessa tese. Este fim de semana, a BBC avançou que os EAU pretendem aumentar em 42% a produção petrolífera até 2030.

Ao jornal britânico, Bill Hare, cientista sénior da Climate Analytics, afirmou que o crescimento “impressionante” da produção projetada da Adnocé completamente contrário a tudo o que sabemos que é necessário fazer para limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius” e vai “contra o compromisso do próprio presidente da COP de fazer do 1,5 graus Celsius a estrela polar das negociações sobre o clima”.

Países continuam comprometidos com milhões para o ambiente

Por detrás da polémica em torno dos combustíveis fósseis e de Sultan al Jaber, houve, no entanto, mais avanços nas negociações em nome do clima.

A marcar presença no Dubai, esteve o primeiro-ministro António Costa, que anunciou que Portugal vai contribuir com cinco milhões de euros para o Fundo de Perdas e Danos, mecanismo que serve para apoiar os países mais pobres a recuperar de eventos catastróficos provocados pelas alterações climáticas. A ferramenta, que foi oficializada no primeiro dia da cimeira, já conta com a promessa de serem alocados 725 milhões de dólares. E, segundo o presidente da COP, a expectativa é que esse valor continue a crescer até ao final cimeira.

Num discurso no Dubai, António Costa adiantou ainda que 15,5 milhões de euros da dívida de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe serão convertidos em financiamento climático.

Por sua vez — e apesar das polémicas — também os Emirados Árabes Unidos estão a preparar um novo fundo de investimento de 30 mil milhões de dólares, centrado no clima, com o apoio de alguns dos maiores investidores mundiais, incluindo a BlackRock. De acordo com a Reuters, o fundo será supervisionado pela gestora de ativos árabe, Lunate Capital.

Segundo as contas de al Jaber, nos primeiros quatro dias da cimeira já foram mobilizados mais de 57 mil milhões de dólares em novos compromissos. Entre eles, conta-se a promessa do Banco Mundial de atribuir mais de 40 mil milhões de dólares por ano a projetos de combate às alterações climáticas, a partir de 2025.

Destaque ainda para o Fundo Verde para o Clima, principal instrumento de financiamento do clima ao abrigo do Acordo de Paris, que recebeu uma contribuição de três mil milhões de dólares de Portugal, Estónia, Itália, Suíça e dos Estados Unidos.

Fora das promessas em forma de dólares, 118 países comprometeram-se em triplicar a capacidade de produção de energias renováveis para 11.000 gigawatts em comparação com os cerca de 3.400 GW atuais. A lista fornecida pela presidência da COP 28 não inclui, no entanto, os maiores países produtores ou consumidores de combustíveis fósseis: Rússia, Arábia Saudita, China, Irão, Iraque, Venezuela, Kuwait ou Qatar.

Por sua vez, no seio das empresas, e a representar quase metade da produção mundial, 50 produtoras de combustíveis fósseis — entre elas, SaudiAramco, Petrobras, Sonagol, Shell, TotalEnergies e bp– comprometeram-se eliminar as emissões de metano nas suas operações até 2030, no âmbito do Acelerador Global de Descarbonização.

Os signatários do acelerador concordam impulsionar uma série de ações-chave, incluindo aumentar o investimento em energias renováveis, os combustíveis com baixo teor de carbono e as tecnologias de emissões negativas e aumentar a transparência do seu reporte ambiental.

Já o enviado especial para o clima dos Estados Unidos anunciou que o país, juntamente com a União Europeia e diversas doações filantrópicas reuniram mil milhões de dólares para reduzir as emissões de metano. O dinheiro será destinado, em particular, aos países com menores rendimentos. Por sua vez, a Equinor, a TotalEnergies, a bp, a Shell, a Eni e a Occidental Petroleum comprometeram-se, cada uma, a contribuir com 25 milhões de dólares para prestar assistência técnica.

 

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