2024 traz mais ‘S’ de ESG e cor às finanças sustentáveis
Maior foco nos fatores sociais, novas regras e dívida mais "colorida" deverão ser algumas das principais novidades nas finanças sustentáveis no ano de 2024.
As finanças sustentáveis sofreram um abrandamento em 2022 e 2023, tendo em conta o contexto económico menos favorável e as consequências negativas que este tem para o dinamismo nos mercados de capital. No entanto, as entidades financeiras contactadas pelo ECO/Capital Verde acreditam que 2024 vai ser um ano com algumas novidades neste campo, desde novos produtos até novas regras. Conheça algumas das tendências e o que vai dar forma às finanças sustentáveis no novo ano.
“A progressão destes instrumentos [de finanças sustentáveis] em 2024 dependerá, naturalmente, da estabilização/redução das taxas de juro e também do contexto económico das empresas e das economias. É importante, contudo, realçar que a consciencialização geral que continua a aprofundar-se para os desafios da sustentabilidade está a traduzir-se num interesse crescente dos investidores e dos cidadãos, pelo impacto e pelos riscos ESG dos seus investimentos”, resume a CEO da Euronext Portugal, Isabel Ucha. Reconhece que este movimento poderá ser “mais lento” do que seria expectável, “mas é uma tendência estrutural que nos vai acompanhar e que se vai acentuando”.
“2024 será o ano em que veremos as empresas começarem a levar a sério o ESG [fatores ambientais, sociais e de governança]”, acrescenta Paulo Rosa. O economista sénior do Banco Carregosa, espera que, mais do que para “um exercício de conformidade e gestão de riscos”, o ESG sirva cada vez mais para “redesenhar os modelos de negócio”.
Uma força que parece estar a empurrar a realidade nessa direção são os “maiores danos físicos, devido às temperaturas mais elevadas”, assinala a Schroders. Numa análise do diretor global de Investimento Sustentável e de Impacto da Allianz GI, Matt Christensen, salienta que “é provável que o clima deixe de ser um conceito distante, relativo a 2050, e passe a ser uma prioridade de curto prazo”.
A dívida pode ser cada vez mais “colorida”
A emissão global de obrigações ESG poderá ter ultrapassado os 900 mil milhões de dólares em 2023, representando cerca de 15% do total do mercado de obrigações, apesar de, como a maioria das classes de ativos, ter sofrido de algumas pressões desde 2022. Estas vão desde a inflação e consequente subida das taxas de juro até um contexto político e económico mais desafiante, indica a Euronext.
Ainda assim, a dívida verde “continua a ser o mais preponderante tipo de instrumento no mercado de dívida sustentável”, apesar de ter vindo a financiar “um grupo limitado de atividades”, assinala a Fitch. No universo de greenbonds que é acompanhado por esta agência de rating, cerca de dois terços dos investimentos estão a ser direcionados para projetos relacionados com energias renováveis, eficiência energética e transporte limpo, em particular na área dos carros elétricos.
No entanto, algumas outras categorias começam a captar mais atenção, como a agricultura, sendo este um setor responsável por uma grande parte das emissões com efeito de estufa a nível global mas também essencial ao bem-estar das populações. Também o tema da “adaptação” face às alterações climáticas tem ganho destaque, assinala a agência, a par da área da saúde.
Para o ano que se avizinha, estamos à espera de um impulso adicional em outro tipo de instrumentos [além da dívida verde]
Os esforços de descarbonização que estão a ser levados a cabo, e que requerem cada vez mais financiamento, deverão também promover o crescimento das chamadas “obrigações de transição”, que já têm evidenciado uma trajetória ascendente. “Acreditamos que as estratégias centradas na transição energética, tanto no espaço público, como nos mercados privados, estarão entre as mais bem-sucedidas nos portefólios dos investidores”, complementa a Schroders. A mesma entidade espera um maior investimento em tecnologias verdes e nas infraestruturas necessárias durante a próxima década.
Em paralelo, tem crescido o interesse pelas obrigações sociais, ligadas sobretudo à habitação acessível. “Para o ano que se avizinha, estamos à espera de um impulso adicional em outro tipo de instrumentos [além da dívida verde]”, acrescenta Jonathon Smith, diretor associado do departamento de Research da Sustainable Fitch, num webinar transmitido a 13 de dezembro. Como exemplos, apontou a dívida azul – relacionada com a economia do oceano – e a dívida laranja, que financia projetos ligados à igualdade de género. No primeiro caso, preocupações crescentes com a questão da biodiversidade servem de impulsionador. A Fitch vê a biodiversidade e natureza “a emergirem como grandes temas em 2023 e 2024”.
Há uma consciência e um compromisso cada vez maiores com a necessidade de mitigar e lidar com as alterações climáticas, mas também com os grandes desafios da equidade e do progresso social.
Todos estes “vão continuar a ser produtos de nicho” mas a Sustainable Fitch considera que “estão a ganhar espaço para um crescimento adicional” em 2024. “Há uma consciência e um compromisso cada vez maiores com a necessidade de mitigar e lidar com as alterações climáticas, mas também com os grandes desafios da equidade e do progresso social”, atesta Isabel Ucha. E o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa, corrobora: “o ESG de 2004 dará lugar a uma nova versão de ESG 2.0, com um foco cada vez maior no social, categoria que havia sido deixada para trás”.
Reporte mais “harmonioso”
“Pensamos que 2024 será um grande ano para padrões de reporte mais harmonizados”, vaticina a Sustainable Fitch.
Na voz da diretora do departamento de Research ESG Tamara Tisminetzky, o braço de sustentabilidade da Fitch sublinha que terá de existir um “equilíbrio delicado” entre as diferenças regionais e a criação de um “enquadramento global coerente”. Apesar de a União Europeia ter começado por se afirmar na linha da frente da regulação climática, estão a ser adotadas taxonomias adaptadas às necessidades específicas de várias geografias. Por exemplo, na América Latina tem-se dado especial atenção às questões sociais e da transição justa, tendo em conta a maior turbulência social que se vive nesta região, e a Ásia Pacífico tem olhado mais às finanças de transição, isto é, focadas na descarbonização.
Na União Europeia, a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) começa a ser aplicada em 2024, pois os dados recolhidos ao longo deste ano alimentarão o reporte a publicar em 2025. O economista sénior do Banco Carregosa espera um foco da parte das empresas no reporte de emissões indiretas (as emissões de âmbito 3, que se traduzem numa maior transparência na cadeia de abastecimentos), e um foco cada vez maior para evitar o greenwashing.
A Allianz deteta igualmente uma tendência de captura de dados de maior qualidade, que permitam uma “quantificação robusta” do impacto dos fatores ESG.
Eleições abanam políticas climáticas
2024 ficará marcado por um “muito, muito pesado” calendário eleitoral, alerta a Fitch. Este cria alguma incerteza sobre as políticas que vigorarão, logo, também sobre a política climática em particular. “Podem haver mudanças em qualquer direção”, tanto no sentido de uma aceleração como desaceleração, continua a agência de rating. A Allianz conta um total de 40 países que acolhem eleições em 2024, representando 42% do produto interno bruto global.
A agenda política arrisca-se a adiar o financiamento e implementação dos planos de transição.
E estes processos eleitorais ocorrem numa altura particularmente sensível. “A ressonância política do tópico do clima pode atingir um pico em 2024, à medida que as nações lidam se deparam com desafios económicos e de custo de vida”, analisa a Allianz GI. Neste sentido, a casa de investimento do grupo Allianz indica que “a agenda política arrisca-se a adiar o financiamento e implementação dos planos de transição”, o que pode resultar num aumento das quantias necessárias para a levar a cabo.
“Temos observado tensões significativamente palpáveis entre legisladores, em torno do custo da transição, do impacto em determinadas indústrias ou grupos, numa altura de subida de preços”, comenta a Sustainable Fitch, assinalando a pressão das crescentes taxas de juro sobre as finanças públicas. No caso europeu, “o consenso tem-se visivelmente deteriorado nos últimos meses” em relação às políticas de transição, deteta a mesma agência. Nos Estados Unidos, a mesma entidade espera que um dos tópicos em debate nas próximas eleições seja a adoção de mais tecnologias de baixo carbono.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
2024 traz mais ‘S’ de ESG e cor às finanças sustentáveis
{{ noCommentsLabel }}