Caso EDP. Mais uma perícia independente confirma que Salgado sofre de Alzheimer

Médicos concluem que doença não impede que Salgado seja submetido a um interrogatório judicial mas, atendendo aos défices de memória, "não é possível garantir o rigor" das declarações.

Mais uma perícia independente – neste caso pedida pela juíza do caso EDP – confirma que Ricardo Salgado sofre de doença de Alzheimer. O relatório foi assinado por uma neurologista, um psiquiatra e uma consultora de psicologia do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) que confirmam a doença do ex-líder do BES. “A doença de Alzheimer é causa mais provável do quadro clínico do arguido”, diz a perícia médica de quase 50 páginas, a que o ECO/Advocatus teve acesso. “Este quadro clínico cumpre os critérios definidos pela Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial de Saúde para Demência devido a doença de Alzheimer”, acrescentam os três especialistas.

Assim, a perícia confirma o que, até agora, foi alegado pela defesa de Ricardo Salgado nos diversos processos pendentes – como a Operação Marquês, caso BES e o processo EDP. Porém, o mesmo relatório concluiu que “relativamente ao processo judicial, em conclusão, apesar dos défices cognitivos atrás referidos, o arguido mantém uma boa capacidade de interação pessoal, compreensão e expressão verbal, raciocínio e um estado emocional que, no nosso entender, não impedem que seja submetido a um interrogatório judicial na qualidade de arguido“. Mas ressalva que atendendo ao facto de Salgado apresentar défices de memória, “não é possível garantir o rigor dos conteúdos evocados”.

Na conclusão da psicóloga Renata Benavente, à data da avaliação, “apuram-se alterações significativas ao nível da orientação, atenção e memória – não orientado no tempo, incapaz de compreender algumas tarefas, atenção sustentada comprometida – e lentificação psicomotora”. A consultora defende que “a linguagem é empobrecida, embora normal e organizada. Como queixas subjetivas Ricardo Espírito Santo Silva Salgado identifica alterações de memória, com esquecimento relativo a informações recentes e passadas. Apura-se ainda,” através do exame indireto (entrevista à esposa), incapacidade para aprender nova informação, dificuldades de concentração, alterações psicomotoras (marcha lentificada) e incontinência urinária, com impacto significativo na funcionalidade (necessita de orientação para a execução de maior parte das atividades da vida diária, designadamente higiene, cuidado pessoal, toma de medicação)”.

Mas a consultora de psicologia – cuja carreira foi feita na área de avaliação de crianças e jovens e não em contextos de demência – assinala que, numa eventual tentativa de simulação do ex-banqueiro durante a perícia, “o examinando efetua relatos de sintomas neurológicos ilógicos ou muito atípicos e sintomas relacionados com distúrbios de memória que são inconsistentes com padrões de comprometimento produzidos por disfunção ou dano cerebral real, sugestivos da tentativa de exacerbar dificuldades”.

Uma conclusão que choca com a sustentada pelos três peritos – também do INMLCF – que em setembro apresentaram uma perícia de Ricardo Salgado, com o mesmo objetivo mas pedida por um juiz de um processo cível a correr no Tribunal de Cascais.

Nessa perícia, os peritos concluíram igualmente pelo diagnóstico de Alzheimer, “estando atualmente no segundo grau mais grave da doença, com “dependência de terceiros para algumas atividades básicas”. Depois desta fase, passará para a “dependência total”. E conclui que as declarações que Salgado possa fazer em tribunal estão comprometidas. A avaliação “neuropsicológica realizada no examinando é compatível e concorda com a que nos foi facultada e está enquanto prova documental junto aos autos”, dizem os peritos, referindo-se ao relatório feito pelo neurologista de Salgado, Joaquim Ferreira, pedido pela defesa e que foi junto aos vários processos do arguido.

E a que perguntas respondem os peritos do Instituto de Medicina Legal?

O arguido tem alguma patologia do foro ou natureza neurológica? Se sim, qual?

A neurologista Maria Isabel Jacinto Santana e o psiquiatra Joaquim Soares Cerejeira respondem que Salgado apresenta “défices cognitivos de início insidioso e evolução progressiva, cujas primeiras manifestações motivaram o início do seu seguimento médico em 2021, a realização de diversos exames complementares de diagnóstico e a sua participação, a partir de março de 2022, num ensaio clínico com um tratamento experimental para a doença de Alzheimer em fase inicial”.

Atualmente, o arguido tem “défices de memória, na velocidade de processamento e função executiva”. que representam “um declínio em relação ao seu desempenho cognitivo prévio e atualmente condicionam uma limitação na sua capacidade de realizar as atividades de vida diária mais complexas”. Concluindo que “a doença de Alzheimer é causa mais provável do quadro clínico do arguido”.

A capacidade cognitiva, incluindo a nível de memória e capacidade de resposta em cenários de stress (como um interrogatório em processo crime), está afetada?

De acordo com o relatório, o arguido manifesta “défices de memória, na velocidade de processamento e função executiva mantendo um desempenho normal no raciocínio abstrato/julgamento, raciocínio matemático, cálculo mental e compreensão numérica, conhecimento geral e capacidade de retenção de conhecimentos adquiridos ao longo da vida e memória a curto prazo, designadamente memória de trabalho”.

Os médicos dizem ainda que o o arguido evidenciou “uma boa capacidade de compreensão perante as perguntas que lhe eram colocadas, boa capacidade de expressão verbal e boa capacidade de leitura”. Relativamente ao processo judicial, em conclusão, “apesar dos défices cognitivos atrás referidos, o arguido mantém uma boa capacidade de interação pessoal, compreensão e expressão verbal, raciocínio e um estado emocional que, no nosso entender, não impedem que seja submetido a um interrogatório judicial na qualidade de arguido. Atendendo a que o arguido apresenta défices de memória, não é possível garantir o rigor dos conteúdos evocados”.

A defesa do banqueiro tem vindo a insistir que, nos últimos dois anos, ao longo dos vários processos que envolvem o seu cliente – BES/GES, Marquês e caso EDP – que fosse pedida uma perícia médica independente ao INML, de forma a que se confirmasse a doença que foi diagnosticada pelo neurologista do ex-banqueiro. Os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce já tinham juntado aos autos o parecer do neurologista Joaquim Ferreira, que atestou “um diagnóstico final e definitivo”, confirmando que o antigo líder do Grupo Espírito Santo (GES) tem Doença de Alzheimer apresentando “um agravamento progressivo das limitações cognitivas e motoras”.

Foi no dia 15 de dezembro de 2022 que o MP deduziu acusação contra Manuel Pinho, Salgado e Alexandra Pinho, mulher do antigo ministro da economia. Em causa estão os crimes de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais. O ex-ministro da economia, que está em prisão domiciliária, foi acusado de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, outro de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais e um crime de fraude fiscal.

Já Ricardo Salgado foi acusado em concurso efetivo e autoria material de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, um crime de corrupção ativa e outro de branqueamento de capitais. A mulher do ex-ministro, Alexandra Pinho, foi acusada em concurso efetivo e co-autoria material com Manuel Pinho de um crime de branqueamento de capitais e outro de fraude fiscal.

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