Exclusivo PGR recusa pedir perícia médica independente para confirmar Alzheimer de Salgado

Única perícia médica a Salgado foi feita pelo médico do ex-banqueiro e apresentada pelos advogados de defesa. Frente Cívica tinha pedido uma avaliação independente, mas PGR recusou.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recusa-se a pedir uma perícia médica independente que comprove a doença de Alzheimer de Ricardo Salgado. Esta é a terceira recusa da Justiça portuguesa, depois de, no ano passado, o Ministério Público (MP) no âmbito da Operação Marquês, ter decidido no mesmo sentido, tal como o juiz do mesmo processo em que Salgado acabou condenado a seis anos de pena de prisão efetiva.

A 18 de dezembro, a associação Frente Cívica pediu aos procuradores responsáveis pelos vários processos em que o ex-banqueiro Ricardo Salgado é arguido que solicitem aos tribunais uma perícia médico-legal que determine o seu “real estado de saúde”. Já que a única perícia médica existente – e que foi junta aos vários processos – a diagnosticar a doença de Alzheimer foi a realizada pelo neurologista de Ricardo Salgado e apresentada pelos seus advogados de defesa.

João Paulo Batalha, da Frente Cívica, confirma ao ECO a receção da resposta por parte do gabinete da PGR. Quase dois meses depois, “da qual resulta que não vão seguir a nossa recomendação para esclarecer o assunto. Não vão fazer nada”, diz o responsável. “O que para nós é uma desilusão. Mostra uma timidez da Procuradoria Geral da República no esclarecimento de uma alegação que está a ser levantada nos vários processos de Ricardo Salgado, e para a qual a PGR parece não querer uma resposta definitiva”, acrescenta.

“Esclarece-se que, conforme foi oportunamente transmitido à Frente Cívica, a decisão de determinar (ou de promover) a submissão de um arguido a uma perícia médico-legal e forense é da exclusiva competência do magistrado do Ministério Público em cada processo criminal, em obediência aos princípios da legalidade, da adequação e da necessidade. No caso em referência, é do domínio público que a questão da necessidade da determinação de perícia médico-legal e forense se encontra em apreciação, por via de recurso, no Tribunal da Relação de Lisboa”, explica fonte do gabinete de Lucília Gago. .

Numa carta enviada em meados de dezembro à Procuradoria-Geral da República, a associação referia que os advogados do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) têm alegado que Ricardo Salgado sofre de Alzheimer, como justificação para impedir que vá a julgamento ou seja condenado nos vários processos em que é arguido.

A associação – que defende a prevenção e repressão do crime de corrupção e outros crimes económicos relacionados —lembrou ainda que na sequência do despacho de acusação deduzido pelo Ministério Público no denominado “caso EDP” aos arguidos Ricardo Salgado, Manuel Pinho e Alexandra Pinho — em finais de dezembro — os advogados de Ricardo Salgado requereram o arquivamento das acusações, alegando que o seu cliente sofre de doença neurológica, o que o impede de se defender em tribunal.

A Frente Cívica sublinhou igualmente que a “mesma alegação tem sido feita e reiterada nos diferentes processos em que Ricardo Salgado é arguido (e, num dos processos, até já condenado em primeira instância)”. Mas como tal alegação nunca foi demonstrada por um perito independente, “sendo usada, por um lado, para impedir a responsabilização penal de um cidadão envolvido em inúmeros casos de corrupção”, na carta enviada a Lucília Gago, a Frente Cívica salientava que a perícia devia esclarecer se Ricardo Salgado sofre ou não de Alzheimer e, se sim, qual o estado de progressão da doença e se a sua evolução o impede de prestar declarações em juízo.

Dias antes desta carta enviada à PGR pela Frente Cívica, a defesa de Ricardo Salgado pediu o arquivamento do processo EDP no que diz respeito ao antigo presidente do BES, que justificou com o diagnóstico de doença de Alzheimer atribuído ao ex-banqueiro e com o seu “estado demencial”.

“O quadro clínico de defeito cognitivo que apresenta atualmente, nomeadamente o defeito de memória, limita a sua capacidade para prestar declarações em pleno uso das suas faculdades cognitivas”, pode ler-se no requerimento, que acrescenta: “A situação clínica do arguido impõe o arquivamento do presente processo. A causa de arquivamento deste inquérito quanto ao arguido impõe-se num plano prévio de inviabilidade de exercício pleno do direito de defesa”.

Segundo o requerimento, os advogados juntam vários documentos clínicos e o parecer do neurologista Joaquim Ferreira, que atestou “um diagnóstico final e definitivo”, confirmando que o antigo líder do Grupo Espírito Santo (GES) tem Doença de Alzheimer, “apresentando um agravamento progressivo das limitações cognitivas e motoras”.

Ricardo Salgado, que foi acusado, em dezembro, pelo Ministério Público (MP) no caso EDP de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, outro de corrupção ativa e um de branqueamento, tinha sido notificado para esclarecer se queria prestar declarações relativamente a factos descritos no despacho do juiz de instrução Carlos Alexandre que colocou (em dezembro de 2021) Manuel Pinho em prisão domiciliária.

Enfatizando o “contexto de stress emocional ou ansiedade” associado a um interrogatório e o potencial agravamento da situação clínica, a defesa do ex-banqueiro, de 78 anos, referiu que este “tem a sua memória cada vez mais irremediavelmente afetada e prejudicada, de forma progressiva e irreversível”, e que nem está em condições de dar instruções aos advogados.

“Em suma, o ora arguido não tem capacidade para se autodefender por si”, sublinharam os mandatários do ex-presidente do BES, que defenderam que seja feita uma perícia médica do foro neurológico a Ricardo Salgado num serviço oficial de saúde, sugerindo o Laboratório de Estudos da Linguagem, da Clínica Universitária de Neurologia, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Alzheimer comprovado já na Operação Marquês

Os advogados de Ricardo Salgado já argumentaram com a situação clínica do ex-banqueiro no processo conexo da “Operação Marquês”, no qual acabou por ser condenado em primeira instância a uma pena de seis anos de prisão.

No decorrer do julgamento do ex-líder do BES relativo aos três crimes de abuso de confiança no âmbito da Operação Marquês — o presidente do coletivo recusou a realização de uma perícia independente que, segundo a lei, teria de ser feita pelo Instituto Nacional de Medicina Legal. Na altura, o juiz Francisco Henriques considerou que o relatório apresentado pela defesa, assinado por um neurologista, era suficiente. O coletivo acabou a condenar Salgado a seis anos de prisão efetiva mas deu como provada a doença de Alzheimer. Por um lado, admitiu que a doença existia mas, por outro, não ponderou esse fator para a aplicação da pena. Esse facto parece também ter sido ignorado pelo MP.

Tal como o Departamento Central de Investigação e Ação Penal do MP, que à data, recusou aceitar o requerimento em que os próprios advogados do ex-banqueiro pediam essa mesma perícia independente. “O MP entende que, neste momento processual, afigura-se desnecessária a realização de perícia psiquiátrica”, indicaram os procuradores Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto, que assinaram o despacho de acusação deste processo.

“À data da prática dos factos que lhe são imputados, ou seja, ao tempo em que incorreu na conduta com natureza criminal, não detinha a capacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação ou, pelo menos, tendo tal capacidade sensivelmente diminuída”, concluíram.

Nos termos da lei, cabe ao Instituto de Medicina Legal fazer essa perícia, com recurso a médicos inscritos no Colégio de Especialidade de Neurologia da Ordem dos Médicos, com experiência no diagnóstico diferenciado de doenças de declínio cognitivo ou demência, em particular, Alzheimer. Caso o Instituto de Medicina Legal não tenha médicos com essas competências, deve ser pedida à Ordem dos Médicos a indicação de um perito qualificado, recorda a Frente Cívica.

Após a decisão de seis anos de prisão efetiva a que Salgado foi condenado, pela Operação Marquês, o MP pediu este agravamento de pena de prisão efetiva, de seis para dez anos, mesmo tendo o tribunal em primeira instância dado como provada a doença de Alzheimer de que sofre Salgado. Um dos pontos que mais curiosidade suscitava neste processo em concreto era o de saber até que ponto a doença de Alzheimer de Salgado seria ponderada para a aplicação da pena. No acórdão da primeira instância, de março do ano passado, o juiz Francisco Henriques considerou que ficou provado que o ex-banqueiro sofre desta doença neurológica mas não referiu esse mesmo estado de saúde ao aplicar a pena de prisão efetiva de seis anos. Por um lado, admitiu que existia mas, por outro não ponderou esse fator para a aplicação da pena. Esse facto parece também ter sido ignorado pelo MP.

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