Portugal tem de “pedalar” mais de 3.000 quilómetros para concretizar estratégia das ciclovias
Ainda existe um longo caminho a percorrer até que as principais metas do ENMAC 2030 sejam alcançadas. A nível de ciclovias, Portugal não sai do mesmo quilómetro há cinco anos.
Em 2019, o Conselho de Ministros acordou em acelerar o recurso à mobilidade ciclável, tendo aprovado uma estratégia composta por 51 medidas, entre elas, o objetivo de construir 10.000 quilómetros de vias cicláveis até 2030. Até 2025, a meta a concretizar seria metade desse valor. Mas a um ano do fim do prazo, o Executivo admite ter apenas “cerca” de 1.800 quilómetros construídos, estando muito longe do objetivo pretendido.
Na verdade, os quilómetros construídos parecem estar estanques uma vez que, quando a estratégia foi anunciada há cinco anos, o Ministério do Ambiente já estimava que existissem cerca de dois mil quilómetros de ciclovias a nível nacional. De acordo com os dados da Federação de Ciclistas Europeia, atualizados em setembro último, existiam naquela altura 1.024,9 quilómetros de ciclovias. Mas além destas, existem 707,3 quilómetros de pistas destinadas às deslocações por bicicletas que são partilhadas com peões e outros 92 quilómetros de faixas cicláveis. Ao todo, existem 1.824,20 quilómetros de vias cicláveis em Portugal.
Até ao final do ano, as metas para 2025 das ciclovias da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável (ENMAC) exigem que sejam construídos mais 3.200 quilómetros (mais 8.200 quilómetros até 2030), mas do lado do Ministério do Ambiente e da Ação Climática é atirada essa responsabilidade para os municípios.
Ao ECO/Capital Verde, o gabinete liderado por Duarte Cordeiro admite que a estratégia está aquém do previsto, mas salienta que “a este respeito, a construção de ciclovias é competência dos municípios“, argumentando terem sido alocados verbas de fundos europeus para esse propósito. Segundo fonte oficial do MAAC, do Portugal 2020 foram canalizados cerca de 200 milhões de euros e do Portugal 2030 está em curso a reserva de 240 milhões de euros, isto além dos 300 milhões previstos no Portugal Ciclável, financiando pelo Fundo Ambiental.
A Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB), que tem assento no conselho consultivo da ENMAC, partilha da mesma opinião, acusando a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) “de não dar resposta à parte que lhe compete” tornando-se, desta forma, numa “entrave ao desenvolvimento da estratégia”.
“A ANMP tem-se recusado a dar avanço a algumas das ações que ficaram incumbidas de serem eles a fazer por alegarem falta de capacidade técnica”, explica o vice-presidente da associação ao ECO/Capital Verde, Mário Meireles. “Embora a estratégia seja nacional, têm que ser os municípios a construir as ciclovias”, frisa.
O ECO/Capital Verde questionou a ANMP sobre o assunto mas até à publicação deste artigo não foi possível obter uma resposta.
Meireles aponta que autarquias como a de Lisboa e Aveiro podiam ser fortes catalisadoras na promoção da mobilidade suave sustentável, salientando que a capital estava a dar “passos largos” na construção de ciclovias, “mas parou”. Por seu turno, diz, a norte do país, na Veneza de Portugal, por ser um território amplamente plano e por ser casa de uma das maiores fábricas de bicicletas elétricas do país, a Unibike, também podia ser uma cidade que “puxasse pelo país”. No entanto, tal não se verifica ainda que a câmara tenha reforçado a frota das Bugas, as bicicletas de uso partilhado do concelho, em 2023.
Faltam recursos nas entidades-chave da estratégia
Para a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBI) a culpa pelo atraso na execução da estratégia é, também, do Governo central, por se tratar de uma estratégia definida a nível nacional.
“As autarquias têm um papel fundamental na mobilidade urbana e de curta distância, sim, mas falta toda uma parte a montante que passa por formar técnicos e capacitar entidades, que nunca foi feito” critica o coordenador no Núcleo de Políticas Públicas da MUBi, Rui Igreja. Neste campo, acrescenta, o Governo tem falhado “largamente”. “Têm tentado fazer omeletes sem ovos”, atira.
Segundo o responsável, existe uma falta de recursos técnicos e financeiros para concretizar todas as 51 medidas previstas no ENMAC, que além da criação de infraestruturas, passa também por estratégias de comunicação, alteração de legislação e investigação científica. Em entidades como Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), a Direção-Geral de Ensino Superior (DGES) e o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), exemplifica o responsável da MUBI, “nunca foram contratadas pessoas”, “nem destinadas verbas”, tal como prevê a ENMAC.
“As verbas dos fundos europeus são apenas destinadas à construção de ciclovias — e muitas delas com erros graves de projeto e de construção”, alerta. E, quanto às verbas previstas no Orçamento do Estado para 2024 (cerca de um milhão de euros) estas aparentam ser insuficientes, diz. “Uma rotunda de trânsito em Aveiro custa o dobro. Na República da Irlanda, que tem metade da população de Portugal, investe-se um milhão de euros por dia na mobilidade ciclável”, refere o coordenador da MUBI. Para o responsável, o ideal seria alocar, pelo menos, 10% do orçamento destinado aos transportes para este tipo de deslocação.
Mas além das verbas, “trata-se de saber usar esse dinheiro”. Por seu turno, o vice-presidente da FPCUB defende que sejam criados instrumentos de financiamento diversificados para os municípios que permitam acelerar algumas das metas na estratégia sem que tenham de recorrer a orçamentos próprios para que isso aconteça. “Se houver financiamento do Governo, os municípios vão atrás”, garante.
Sinistralidade em contraciclo com metas
Outro dos objetivos previstos na estratégia prende-se com a redução em 25% da sinistralidade até 2025, e em 50% até 2030. Mas de acordo com a FPCUB encontra-se hoje em “níveis catastróficos”.
Segundo o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, que cita os dados da ANSR, “a sinistralidade rodoviária com ciclistas aumentou no período entre 2019 e 2022”. Quanto aos dados definitivos de 2023, estes ainda não estão disponíveis.
Relativamente à quota modal, isto é, o peso das deslocações em bicicletas no total das deslocações no meio urbano, o MAAC revela não ter dados que “permitam uma correta aferição das metas”, mas recorda que nos Censos de 2021, do Instituto Nacional de Estatística (INE), a quota modal das deslocações pendulares era de 0,6%. Até 2025, a ENMA prevê que esse valor seja de 4% e até 2030 a ambição é chegar aos 10%.
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