Exclusivo Supremo decide. Estado obrigado a pagar 218 milhões à EDP por causa do Fridão

Em julho de 2022, o tribunal arbitral determinou que a EDP tinha direito ao reembolso dos 218 milhões investidos em 2009 pelo direito a explorar a barragem, mas o Governo recorreu.

O Estado está mesmo obrigado a pagar 218 milhões à EDP por causa da barragem do Fridão, depois de ter perdido o recurso no Supremo Tribunal Administrativo (STA), numa decisão proferida a 7 de dezembro, apurou o ECO junto de duas fontes conhecedoras do processo. Agora, está pendente uma execução para o Estado devolver esse valor que já deveria ter sido pago logo após a decisão. Até dezembro, o processo esteve parado precisamente devido a este recurso. Questionada pelo ECO, a EDP diz que não comenta esta decisão.

A decisão do Supremo chega precisamente um mês depois da demissão do primeiro-ministro António Costa, a 7 de novembro, na sequência da operação Influencer, e está a ser mantida em segredo precisamente por causa da crise política e das legislativas, marcadas entretanto para 10 de março. É um desfecho que causa desconforto político ao PS, especialmente por causa da pressão dos partidos à esquerda, BE e PCP, que voltaram a admitir a possibilidade de uma geringonça com o novo líder socialista, Pedro Nuno Santos. E que se soma à discussão política sobre o não pagamento de IMI relativo à venda de 160 barragens. O imposto relativo a 2019 já caducou e, já este ano, um requerimento do BE levou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, ao Parlamento para dar explicações sobre a atuação da Autoridade Tributária.

Quando, em 2019, terminou o prazo de suspensão da obra, o então ministro do Ambiente, Matos Fernandes, fez saber que o Governo considerava não ter de devolver qualquer verba, porque a EDP também já não tinha, ela própria, interesse em avançar com a barragem, mas o presidente executivo da companhia, António Mexia, rejeitou qualquer possibilidade de a EDP abdicar desse montante. A solução foi o recurso para um tribunal arbitral Antes, em 2018, organizações como a GEOTA contestaram a construção daquela barragem e os riscos associados para Amarante.

Em julho de 2022, o tribunal arbitral determinou que a EDP tinha direito ao reembolso dos 218 milhões de euros investidos em 2009 pelo direito a explorar a central nunca construída. Uma decisão que fez com que o Ministério das Finanças recorresse junto do STA, acreditando que “não é a EDPP [EDP Produção], mas o Estado, que tem direito a ver resolvido o Contrato de Implementação”. O Ministério do Ambiente e da Ação Climática esperava também que o STA reconhecesse ao Estado o direito a uma “indemnização em montante equivalente ao valor da contrapartida”, ou seja, cerca de 218 milhões de euros (ou, subsidiariamente, no montante de 150 milhões).

No total, o valor pedido pela EDP no processo arbitral rondava os 350 milhões de euros. O valor incluía não só o cheque pago ao antigo Governo de Sócrates (que criou o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico), mas também a compensação por outros encargos associados à barragem que nunca chegou a ganhar forma. “Mas a decisão acabou por ser suportada na caducidade do contrato, como se lê no acórdão a que o ECO teve acesso (já depois da publicação desta notícia). “Acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão arbitral de condenação do Estado a restituir à A… a quantia de €217.798.000,00 mas com fundamento em caducidade do contrato de implementação“.

A cronologia de uma barragem

A barragem do Fridão, no rio Tâmega, cancelada pelo Governo em abril, é o mais recente jogo de xadrez entre a EDP e o Executivo, mais de dez anos depois de ter sido adjudicada à elétrica por 218 milhões de euros.

O aproveitamento hidroelétrico do Fridão, que abrangia cinco concelhos — Amarante, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Mondim de Basto e Ribeira de Pena –, teria uma potência de 242 Megawatts (MW) e uma produtibilidade média anual de 290 Gigawatts/hora (GWh). Agora, contudo, a sua “produtibilidade” poderá ser a devolução de 218 milhões de euros à EDP, além de uma indemnização de “várias dezenas de milhões de euros” à conta dos lucros cessantes e danos emergentes pelo não avanço do projeto.

Mas afinal, como é que se chegou a este ponto? Hora de revisitar os vários episódios desta novela com mais de dez anos:

2008
30 de abril

Lançamento do concurso público destinado à atribuição de concessões para os aproveitamentos hidroelétricos do Fridão, Alvito e Almourol (este último não recebeu propostas).

5 de setembro

A proposta apresentada pela EDP vence o concurso público, em que também participaram a Iberdrola, Endesa e Union Fenosa.

17 de dezembro

Celebração do contrato de adjudicação provisória à EDP.

2009
6 de janeiro

EDP paga 231,7 milhões de euros pelas concessões do Fridão e Alvito.

2013
22 de outubro

EDP solicita a suspensão da implementação da barragem do Fridão, por um período máximo de três anos, justificando o pedido com a deterioração das perspetivas de equilíbrio económico-financeiro, em que aponta a subida do custo de financiamento e dificuldade no acesso à dívida.

2014
6 de janeiro

EDP é notificada da conformidade do RECAPE, que corresponde à licença necessária à produção.

2 de maio

EDP é notificada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que os pedidos de suspensão não foram aceites com fundamento nos compromissos ambientais do país e na recuperação das condições económicas e financeiras.

2015
30 setembro

Data agendada para a assinatura do contrato de concessão do Fridão e do acordo de revogação do Alvito, que, segundo a EDP, acabou por ser desmarcada pelo Estado.

2016
18 de abril

No âmbito da revisão do Plano Nacional de Barragens, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, comunica a decisão de adiar a barragem do Fridão pelo período de três anos.

5 de dezembro

Assinatura do memorando de entendimento entre o Estado e a EDP que revoga a implementação do Alvito (pela qual a elétrica tinha pago cerca de 14 milhões de euros, de que abdica) e suspende o Fridão, pelo prazo máximo de três anos, iniciando-se a contagem em 18 de abril deste ano.

2017
11 de abril

Assinatura dos acordos de revogação do Alvito e da suspensão do Fridão, depois da APA ter prorrogado o RECAPE até ao final de 2020.

2018
13 de julho

EDP escreve ao Ministério do Ambiente a propor uma “análise conjunta de solução alternativas que melhor se adequassem ao contexto atual”, quando falta menos de um ano para o fim do prazo de suspensão da construção do Fridão.

11 de setembro

EDP diz que tinha agendada reunião para debater Fridão que foi desmarcada pelo Governo.

28 de setembro

EDP envia nova carta ao Governo a propor análise conjunta de alternativas, em que refere “a celebração de um acordo entre o Estado e o promotor para a não construção do Fridão, a análise conjunta de um projeto de menor impacto ambiental e social”.

2019
16 de abril

O ministro do Ambiente anuncia no parlamento que a barragem do Fridão, no rio Tâmega, não será construída e que não há razões para devolver contrapartidas pagas, alegando o desinteresse da EDP no projeto.

17 de abril

EDP envia carta ao Ministério do Ambiente a rejeitar o alegado desinteresse no projeto do Fridão e declarou estar em condições para avançar com a sua construção caso seja essa a decisão do Estado.

30 de abril
EDP envia carta a três ministérios — Ambiente, Finanças e Economia — reafirmando a disponibilidade para avançar com Fridão, interpelando o Estado para dar cumprimento aos contratos no prazo de 30 dias.

29 de maio

O ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, considera que os argumentos da EDP sobre a barragem do Fridão não convencem, afastando a hipótese de restituir as contrapartidas pagas pela elétrica por esta concessão.

5 de junho

O presidente da EDP, António Mexia, volta a afirmar, agora no parlamento, que a elétrica está disponível para avançar com a barragem do Fridão, que nunca considerou não construir sem ser ressarcida do valor pago, admitindo que em “algumas semanas” a questão chegue a Tribunal Arbitral.

2022
julho

O Tribunal Arbitral deu razão à EDP e decidiu que o Estado tem de devolver os 218 milhões de euros, mas a EDP rondava os 350 milhões de euros, valor que incluía também outros encargos e juros.

10 de novembro

O ministro Duarte Cordeiro anunciou que o Estado recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão de tribunal arbitral que obriga a devolver 218 milhões de euros à EDP por suspensão da barragem do Fridão. E garante que só paga após decisão.

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