Exclusivo Marina Gonçalves sai do Governo com casas por entregar no Arrendar para Subarrendar
Vencedores do Arrendar para Subarrendar estão há mais de quatro meses sem receber qualquer contacto do IHRU e sem conseguir sequer visitar o imóvel que lhes foi atribuído. Meta das 320 casas falhou.
A ainda ministra da Habitação vai deixar as funções governativas sem ter entregue todas as casas atribuídas no programa de arrendamento acessível Arrendar para Subarrendar. Este programa era, aliás, uma das medidas bandeira, desenhada e anunciada por Marina Gonçalves, para dar rápida resposta no combate à crise no acesso à habitação. Fica ainda por cumprir a meta, traçada pelo Governo em julho do ano passado, de ter 320 casas disponíveis para este programa, não ultrapassando os 104 imóveis nos dois concursos.
Multiplicam-se os casos, que chegaram ao ECO, de vencedores do único concurso do Arrendar para Subarrendar que até à data atribuiu casas e que há mais de quatro meses estão à espera de conseguir mudar-se ou de sequer visitar as habitações que lhes foram atribuídas em sorteio pelo IHRU a 10 de novembro de 2023. Ou seja, muitas das casas prometidas neste programa pela ministra estão por entregar às famílias.
E enquanto as casas estão vazias à espera de acolher os novos inquilinos, o Estado está a pagar a renda aos proprietários.
No início de fevereiro, o ECO tinha avançado com vários casos de famílias a quem tinha sido atribuída uma habitação em várias zonas de Lisboa e que, até então, não tinham conseguido qualquer resposta ou contacto do IHRU, o instituto público que gere a habitação do Estado e os programas de apoio às rendas, tutelado pelo Ministério da Habitação.
Passado mais de um mês, nada mudou e chegaram ao ECO mais casos de famílias na mesma situação. Tratam-se de agregados nas mais diversas situações: acima de 60 anos, monoparentais ou casais com filhos menores.
Todos dizem estar “desesperados” com a vida em suspenso, sem “previsões” para fazer a mudança ou sem poder “fazer planos”, tendo em conta que ainda nem conseguiram visitar as casas, desconhecendo o espaço e o real estado do imóvel. São famílias que estão em casas arrendadas com um contrato que define prazos para rescindir. “Estamos a viver numa casa e precisamos de tempo para dar aviso prévio para denunciar o contrato. Sem sabermos quando nos podemos mudar, não podemos dar aviso”, vincam as famílias.
Sentem-se ainda “ignorados” e “mal tratados” pelo IHRU que não responde aos emails e os poucos que conseguiram contactar o instituto público via telefone acabam com o “chamada desligada na cara” sem qualquer resposta.
Os vencedores do concurso que falaram com o ECO asseguram ainda ter entregue, dentro do prazo de cinco dias, os comprovativos exigidos pelo IHRU. Depois disso, o único contacto que alguns receberam do IHRU foi a 6 de dezembro de 2023, a pedir novamente os documentos complementares à candidatura por terem sofrido “uma anomalia informática”. Documentos que, garantem ao ECO, foram enviados no próprio dia. Outros vencedores contam que, desde que submeteram a documentação na plataforma, não receberam qualquer contacto do instituto público.
Com a entrada em vigor do Mais Habitação, o IHRU lançou o primeiro concurso do Arrendar para Subarrendar com 82 casas, das quais 11 ficam localizadas em concelhos da região do Porto a que se somam outras 71 na região sul, na esmagadora maioria em Lisboa. As candidaturas arrancaram a 6 de outubro e encerraram a 7 de novembro. O sorteio decorreu a 10 de novembro de 2023 e contou com 1.054 candidatos.
“Está a decorrer o processo”
O ECO confrontou o Ministério da Habitação e o IHRU com estas situações e questionou sobre a previsão para a entrega das casas às famílias. O Ministério da Habitação responde que neste “momento está a decorrer o processo de atribuição, já existindo habitações entregues”. No entanto, a tutela não revela quantas habitações já foram entregues e nem avança com qualquer previsão para a entrega das restantes, dizendo apenas que será feito “um balanço de vários programas” de arrendamento acessível “em breve”, estando, “neste momento, a ser feito o tratamento dos dados”. Já em fevereiro, o IHRU tinha dito ao ECO que “neste momento está a decorrer o processo de atribuição das habitações”.
A tutela diz ainda ao ECO que “é objetivo do IHRU entregar os fogos o mais depressa possível, de forma a dar habitações a quem delas precisa”, justificando o atraso na entrega com o processo. “Após o sorteio, é necessário verificar se cada um dos candidatos respeita os requisitos de elegibilidade, de acordo com a ordem constante da lista ordenada de candidatos sorteados, publicitada em cada concurso”. E o Ministério da Habitação afirma que “tendo havido candidatos, dos primeiros sorteados, que não reuniam as condições de elegibilidade para a atribuição das habitações, teve de se analisar as candidaturas suplentes, pela ordem do sorteio”.
A Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL) disse ter conhecimento destas situações informalmente e, apesar de não ter acesso a “informação detalhada sobre o assunto”, acredita que este é um problema com o Arrendar para Subarrendar “que não estará a acontecer exclusivamente em Lisboa”.
Ainda assim, o secretário-geral da AIL, António Machado, disse que não iria questionar o Ministério da Habitação sobre a situação, frisando que “estas situações de atraso na entrega de casas devidamente atribuídas”, segundo as regras do concurso público, “não têm qualquer justificação séria e fundamentada por parte dos organismos públicos responsáveis”.
Também a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) disse ao ECO ter conhecimento informal deste atraso do IHRU no Arrendar para Subarrendar, vincando que este é mais um exemplo que “o Governo falha nas promessas feitas no âmbito da Habitação” com “entropias inexplicáveis”.
Para os representantes dos proprietários “não há nenhuma justificação plausível para que não estejam agregados a viver nestas casas”, frisando que “nenhum senhorio privado ficaria três meses à espera de entregar um conjunto de chaves a um inquilino já selecionado, com todas as garantias dadas, submetida toda a papelada, garantidas todas as taxas de esforço”. É, por isso, “muito preocupante a ineficiência de todo este processo e a impunidade”, sobretudo quando “os impostos dos portugueses estão a pagar estas casas fechadas há largos meses”.
A direção da ALP revelou ainda ao ECO que, entre os seus associados, tem proprietários que arrendaram casas ao Estado para que fossem subarrendadas através do porgrama, e que estes senhorios “estão efetivamente a receber as rendas acordadas” com o IHRU e dizem ter conhecimento que “alguns proprietários receberam, à cabeça, de adiantamento, um ano de rendas do Estado”.
Governo falha meta de 320 casas
Em julho de 2023, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, anunciou o arranque do Arrendar para Subarrendar com “320 contratos de arrendamento de imóveis disponíveis no mercado para subarrendamento a preços acessíveis”. Deste universo, haveria 220 imóveis que são da propriedade do Instituto Financeiro da Segurança Social e da Santa Casa da Misericórdia. As restantes 100 seriam de proprietários privados que arrendaram as casas ao Estado em troca de benefícios fiscais, como isenção total de IRS ou IRC.
Mas, até à data, apenas foi fechado um concurso do Arrendar para Subarrendar, tendo sido sorteadas 82 casas, sendo que, em comunicado, o IHRU refere que iriam ficar disponíveis “106 habitações” com tipologias entre o T1 e o T5, “em 18 concelhos do país” – Albufeira, Almada, Amadora, Lisboa, Loures, Marinha Grande, Odivelas, Oeiras, Sintra, Torres Vedras, Praia da Vitória, Gondomar, Maia, Penacova, Porto, Vila Nova de Gaia, Vila Nova de Famalicão e Matosinhos.
Questionados sobre a diferença entre as 82 casas lançadas para o primeiro concurso e que constam da plataforma do IHRU, onde decorre o procedimento, e a informação oficial divulgada das 106 casas, nem o instituto público, nem o Ministério da Habitação responderam ao ECO até à hora da publicação deste texto.
No segundo concurso, cuja fase de candidaturas terminou na passada segunda-feira, foram lançadas apenas 22 habitações, das quais 13 na zona da Grande Lisboa e outras nove no Grande Porto. No total, o Arrendar para Subarrendar contou apenas com 104 casas, apenas cerca de um terço das 320 previstas.
Além disso, chegaram ao ECO relatos de famílias que tentaram submeter a candidatura no segundo concurso do Arrendar para Subarrendar e não conseguiram. Isto porque, o IHRU mudou as regras para as famílias monoparentais, tendo reduzido o patamar mínimo do valor da renda para os 287 euros mensais. Ou seja, podem apresentar-se a concurso as famílias monoparentais que suportem uma renda com um valor de 35% do valor do salário mínimo nacional.
Esta alteração nas regras estará a impedir as famílias, que cumprem com os critérios, de submeter a sua candidatura. “Tentei submeter a candidatura sete vezes e não consegui, porque apesar de ter certificado [código atribuído aos candidatos que cumprem com os critérios exigidos] quando tendo selecionar uma casa, a plataforma diz que não há nenhuma habitação disponível para os meus rendimentos”, diz ao ECO uma das pessoas que tentou concorrer.
Isto deverá acontecer, acredita a mesma pessoa, porque a plataforma terá em conta o patamar mínimo dos 287 euros mensais, apesar de o seu certificado permitir concorrer a casas com rendas de 330 euros.
O ECO também tentou contactar o IHRU sobre este assunto mas não teve qualquer resposta. Os contratos do Arrendar para Subarrendar têm a duração máxima de cinco anos (renováveis) e destinam-se a habitação permanente, sendo que os inquilinos pagam uma renda com taxa de esforço máxima de 35%.
São elegíveis os agregados com rendimentos anuais até ao 6.º escalão do IRS, sendo dada prioridade aos agregados com idade até aos 35 anos, famílias monoparentais ou com quebras de rendimento superiores a 20% face aos rendimentos dos três meses precedentes, ou do mesmo período homólogo.
De acordo com as regras em vigor, a renda paga pelo IHRU aos proprietários ultrapassa no máximo em 30% os limites gerais do preço de renda, por tipologia e concelho de localização do imóvel e os contratos celebrados não podem ter duração inferior a três anos.
No Orçamento de Estado para 2024, o Arrendar para Subarrendar tem uma dotação prevista de cinco milhões de euros. Mas até 2030, estão orçamentados 28,8 milhões de euros para este programa.
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