Depois do ataque da ministra da Justiça, deve a PGR demitir-se?

O advogado penalista Paulo Saragoça da Matta considera "óbvio que a senhora PGR e sua equipa são uma 'liability' para a instituição Ministério Público e que não deixarão saudades".

A ministra da Justiça Rita Júdice falou e reiterou. Em entrevista ao Observador, a titular da pasta da Justiça admitiu que quer que o próximo procurador-geral da República tenha um perfil de liderança, que seja comunicativo e que “ponha ordem na casa”. Disse ainda que deve ajudar a pôr fim a uma “certa descredibilização” do Ministério Público (MP), sublinhando que o Governo quer iniciar “uma nova era”. Horas depois, na rede social X, insistiu: “o novo PGR terá de ser alguém que reúna as condições técnicas necessárias, mas sobretudo com boa capacidade de liderança, de organização, de gestão de equipas e de comunicação. Deve ser alguém que tenha a capacidade de inaugurar uma nova era na relação com os cidadãos”.

O ECO/Advocatus tentou obter uma reação do gabinete de Lucília Gago até ao final do dia de quinta-feira, mas sem sucesso.

Lucília Gago, que em seis anos nunca concedeu uma única entrevista a um órgão de comunicação social, tem-se escudado em comunicados pontuais através do seu gabinete de imprensa, mesmo estando no olho do furacão por ter escrito o famoso parágrafo que levou à demissão do ex-PM António Costa. na sequência da Operação Influencer.

Mais ainda quando, quase oito meses depois, o ex-líder socialista não foi constituído arguido, o juiz de instrução já veio dizer que não vê relevância criminal nesta investigação e o país tem vindo a assistir à divulgação constantes de escutas telefónicas com conversas de Costa, numa clara violação do segredo de Justiça. Essas mesmas escutas – que chegaram a gravar uma conversa com António Costa a falar sobre a demissão da presidente da TAP passaram por pelo menos 16 juízes – não foram sequer destruídas, segundo explicou a revista Visão. Além disso, durante mais de três anos, o telemóvel do ex-ministro João Galamba esteve a ser escutado e foram ouvidas conversas com Presidentes da Assembleia da República, ministros e autarcas.

Não veio ajudar o Manifesto dos 50, divulgado em abril. O Manifesto dos 50 foi conhecido em finais de abril, com um grupo de 50 personalidades a assinarem o documento em defesa de um “sobressalto cívico” que acabe com a “preocupante inércia” dos agentes políticos relativamente à reforma da Justiça, num apelo ao Presidente da República, Governo e parlamento.

Uma “verdadeira reforma da Justiça”, com a recondução do Ministério Público (MP) a uma estrutura hierárquica para evitar o que chamam de atual “poder sem controlo” do mesmo, um escrutínio externo e avaliação independente aos tribunais e magistrados. Estas são algumas das ideias e conclusões do manifesto assinado por 50 nomes sonantes da sociedade civil.

Lucília GagoLusa

Desde então, quer partidos quer a sociedade civil tem alertado para a necessidade da PGR ir dar explicações aos deputados, não só pela violação do segredo de Justiça com a divulgação das escutas como para explicar a falta de resultados, até agora, na investigação que teve consequências políticas relevantes para o país.

E agora? Deve Lucília Gago pedir a demissão?

O advogado penalista Paulo Saragoça da Matta considera “óbvio que a senhora PGR e sua equipa são uma liability para a instituição Ministério Público e que não deixarão saudades”. Acrescentando que o óbvio “seria que já há muito se tivesse demitido – em rigor o lugar esta vacante há demasiado tempo”. Esperando que “o novo PGR seja uma personalidade carismática, com pulso firme, sem medos dos corporativismos e sindicalismos internos – não é possível que a mais importante instituição de law enforcement acabe por ser governada não por quem deve mandar, mas por grupos de interesses internos. Essa personalidade, se dentro da corporação não se encontrar ninguém independente e firme, imporá que se repense o sistema de governo, para garantir que quem tem o poder e dever de mandar, efetivamente mande”.

Para o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Paulo Lona, “não cabe ao SMMP dizer se a PGR se deve demitir ou não, até porque quem tem poder de exonerar e nomear a PGR não são os magistrados e sim o poder político, cabendo a estes fazer a respetiva avaliação. O que o SMMP tem entendido é que é necessário melhorar a comunicação interna e externa com os cidadãos e com a sociedade, até para evitar mal entendidos e teorias da conspiração sobre a atuação do Ministério Público.”, explicou Paulo Lona, em declarações ao ECO.

António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, fala num “ataque” a “uma instituição fundamental na consolidação da democracia em Portugal” que é “muito grave”. O sindicalista teme que se esteja a contribuir para a descredibilização das instituições democráticas. “Sem um Ministério Público forte, que seja respeitado e mereça a confiança dos cidadãos, nós não temos um verdadeiro Estado de Direito Democrático”, afirmou António Marçal.

“Há aqui uma tentativa de controle do MP por parte do poder político. Podemos estar a dar ideia que vai ser escolhida uma personalidade que procure exercer o controle político do MP. Esta avaliação feita pelo Governo, do PGR não estar a dar entrevistas, não vejo sequer como essencial”, criticou também o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão.

“Os tempos modernos já não se compatibilizam com a ideia de que podemos estar fechados nos nossos gabinetes e não comunicarmos com os cidadãos nas sedes próprias”, defendeu ainda Rita Júdice, reconhecendo a necessidade do sucessor de Lucília Gago — cujo processo de escolha será liderado pelo primeiro-ministro — “restituir” a confiança no Ministério Público, que tem tido “períodos muitos duros” e que “criaram algum descontentamento” na opinião pública.

Rita Alarcão Júdice mostra-se disponível, por outro lado, para uma alteração legislativa que torne clara a “magistratura hierarquizada” do Ministério Público: “Tem de existir hierarquia no Ministério Público. Não é um corpo que anda à solta”. Já o Conselho Superior da instituição deve cumprir as suas competências de escrutínio, atuando “se existir alguma suspeita de que determinada investigação, determinado procurador, foi para além do exercício dos seus direitos”.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, acompanhado pela a ministra da Justiça, Rita Júdice, à chegada para participarem na conferência de imprensa no final da reunião do Conselho de Ministros, na residência oficial, no Palácio de São Bento, Lisboa, 20 de junho de 2024. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

Também o secretário-geral socialista, Pedro Nuno Santos insistiu que reformar Ministério Público é uma matéria de regime que tem de ser acordada com o PSD. “Não vi a entrevista da senhora ministra em particular, não a queria comentar, mas há uma coisa que para mim é óbvia. O ambiente de suspeita, o clima de desconfiança face ao Ministério Público, só favorece quem é verdadeiramente corrupto“, disse Pedro Nuno Santos, à entrada para uma reunião do Partido Socialista Europeu (PES), em Bruxelas. “Isso pode implicar mudanças, desde logo mudanças legislativas e o PS está disponível, sempre no respeito pela independência do poder judicial. Não é isso que está em causa”, completou, pedindo um “debate sério e adulto sobre o Ministério Público”.

O novo PGR terá de ser alguém que reúna as condições técnicas necessárias, mas sobretudo com boa capacidade de liderança, de organização, de gestão de equipas e de comunicação. Deve ser alguém que tenha a capacidade de inaugurar uma nova era na relação com os cidadãos”.

Rita Alarcão Júdice, ministra da Justiça

O Chega e a reação do gabinete da ministra

“Não existe, na afirmação em causa, como aliás se depreende do contexto geral da entrevista, qualquer referência ou até intenção de interferir com a autonomia do Ministério Público ou com a independência do poder judicial. A afirmação tem um sentido prospetivo, visando apenas o futuro”, lê-se num esclarecimento do gabinete da ministra Rita Alarcão Júdice enviado à Lusa.

Em causa o facto do Chega já ter avisado que quer ouvir a ministra da Justiça no parlamento depois de esta ter dito que o “novo procurador-geral tem que pôr ordem na casa”.

“É uma expressão que não se coaduna com o sistema democrático em que vivemos, é uma expressão que não se coaduna com o sistema de separação de poderes em que vivemos, mas que tem um efeito ainda pior e mais nocivo, é uma expressão que talvez denote de forma involuntária as verdadeiras intenções do Governo e, infelizmente, do Partido Socialista em matéria de justiça”, afirmou o líder do Chega, André Ventura, em declarações aos jornalistas no parlamento.

A nota do gabinete da ministra argumenta que “quando se diz ‘arrumar a casa’ sinaliza-se que em breve se vai iniciar um novo ciclo que contribua para a dignificação da Justiça, eliminando o ambiente de crispação e de tensão causado pelas polémicas e controvérsias em torno das instituições judiciárias, mesmo que, por vezes, sem fundamento. Qualquer outra interpretação é uma deturpação do sentido da entrevista, cuja versão integral está publicamente disponível”.

O gabinete de Rita Alarcão Júdice refere ainda que, independentemente de o pedido de audição ser ou não formalizado pelo Chega, já está prevista uma audição regimental na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias em 17 de julho, o que impede qualquer outro agendamento nos 15 dias anteriores.

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