Trabalhadores em lay-off triplicam, mas economistas não estão preocupados para já
Depois de ter estado vários meses a cair, o número de trabalhadores abrangidos pelo regime de lay-off mais do que triplicou em julho. O abrandamento económico explica trajetória, segundo economistas.
O número de trabalhadores em lay-off mais do que triplicou em julho, mas os economistas ouvidos pelo ECO não veem (pelo menos, para já) motivos para alarme. Frisam mesmo que o mercado de trabalho português continua a dar sinais de resiliência, apesar dos desafios que tem pela frente.
Comecemos pelos números. De acordo com o boletim divulgado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho, em julho 12.927 trabalhadores estiveram abrangidos pelo de lay-off, ou seja, viram o seu contrato de trabalho suspenso ou o seu horário reduzido, com consequentes cortes salariais.
Em causa está um regime que está disponível para as empresas em crise, que passam a receber um apoio da Segurança Social para o pagamento dos salários.
Um dos exemplos mais mediáticos tem sido o da Autoeuropa, que aplicou o regime oito dias em junho e 13 dias em julho por “motivos tecnológicos”, isto é, no âmbito de um processo de descarbonização e alterações tecnológicas de infraestruturas da fábrica.
Ora, se compararmos o total de trabalhadores abrangidos pelo lay-off em Portugal em julho com o número registado no mês anterior, é possível perceber que houve um aumento de 79,6%. Já face a julho de 2023, o disparo foi de 222,1%, o que significa que há agora quase mais nove mil trabalhadores em lay-off do que há um ano.
Por outras palavras, julho foi sinónimo de agravamentos quer em cadeia, quer em termos homólogos dos trabalhadores abrangidos por este regime, sendo que um dos motivos por detrás deste disparo do lay-off foi o abrandamento da própria economia, apontam os especialistas.
Em geral, os indicadores apontam para um abrandamento da economia no início do terceiro trimestre, o que ajuda a explicar este fenómeno.
“Em geral, os indicadores apontam para um abrandamento da economia no início do terceiro trimestre, o que ajuda a explicar este fenómeno“, afirma o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, Pedro Braz Teixeira.
E o professor João Cerejeira concorda. “O abrandamento do crescimento do PIB (1,5% em 2024) face a 2023 (2,3%) pode ser uma explicação possível”, diz o economista, que se confessa “surpreendida” por esta trajetória do lay-off até porque o mercado de trabalho tem demonstrado “robusteza”.
Ainda assim, os economistas não mostram, para já, preocupação. Pedro Braz Teixeira, por exemplo, reconhece que a adoção desse regime traz “dificuldades pessoais” aos trabalhadores abrangidos, mas garante não estar preocupado, do ponto de vista macroeconómico, embora esta seja “uma realidade que deverá ser monitorizada nos próximos meses”, ressalva.
Também Pedro Martins, professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) e antigo secretário de Estado do Emprego, não se mostra receoso, quando confrontado com estes números do lay-off. E realça que o número de trabalhadores afetados é “ainda pequeno quando comparado com a totalidade do mercado de trabalho“.
Lembra, além disso, que no final do ano passado (em concreto, em novembro), o número de trabalhadores abrangidos chegou a ser maior, conforme mostra o gráfico acima.
“Nos anos anteriores, os números mais expressivos foram observados no último trimestre do ano. A preocupação é se no último trimestre de 2024 estes números vão ainda aumentar mais ou se houve algum tipo de antecipação face aos anos anteriores”, atira, por sua vez, João Cerejeira. Receios à parte, o professor explica que o mercado tem dados “sinais de resiliência”.
Na mesma linha, Pedro Martins frisa que os demais sinais do mercado de trabalho português são positivos: o total de emprego está a aumentar (mais 50 mil empregados no segundo trimestre do que nos três meses anteriores), o desemprego está estável em cadeia e a diminuir em termos homólogos e as remunerações reais estão a aumentar, recuperando do “grande rombo em 2022”, enumera Pedro Martins.
“Num contexto de relativa estabilidade política e macroeconómica, as empresas e os trabalhadores estão a melhorar as suas práticas de gestão e a aumentar a sua produtividade, levando ao aumento do emprego e das remunerações”, defende o professor universitário.
As empresas e os trabalhadores estão a melhorar as suas práticas de gestão e a aumentar a sua produtividade, levando ao aumento do emprego e das remunerações.
Também Pedro Braz Teixeira destaca esses dados positivos do mercado de trabalho nacional, realçando que a já referida quebra da taxa de desemprego pode ser vista até como “melhor do que a esperada”. “Dado o caráter desfasado deste indicador, deve ser explicado pelo bom andamento da economia nos trimestres precedentes“, explica o economista.
“Será difícil manter bons resultados do emprego”
Sim, os últimos trimestres têm sido positivos ao nível do emprego e desemprego em Portugal, mas o abrandamento da economia poderá vir a ter reflexos também a esse nível (e não apenas no lay-off).
“A economia abrandou no segundo trimestre e terá começado fraca no terceiro trimestre, pelo que será difícil manter os bons resultados recentes do emprego“, projeta o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade.
Ainda assim, não é o momento para fazer soar os alarmes de emergência: é provável, diz o mesmo especialista, que uma “eventual subida da taxa de desemprego seja limitada”, se a economia mantiver um crescimento semelhante ao que tem vindo a ser registado.
“Valerá a pena salientar que a economia portuguesa tem tido uma razoável capacidade de gerar emprego. O desafio muito maior é aumentar a produtividade e o concomitante aumento dos salários em termos reais, onde os resultados têm sido muito menos satisfatórios”, atira Pedro Braz Teixeira.
Já, de olhos no futuro, o professor Pedro Martins elege as políticas públicas como o grande desafio que está colocado ao mercado de trabalho nacional. “Os serviços públicos sofrem de vários anos consecutivos de níveis de investimento muito baixos e de envelhecimento e desmotivação dos seus recursos humanos“, diagnostica o ex-secretário de Estado.
No caso específico do trabalho, há “reformas importantes” por fazer, como o apoio e formação aos desempregados, a modernização do ensino profissional e a representatividade dos parceiros sociais, enumera Pedro Martins. “No entanto, o contexto político não é propício a reformas estruturais“, reconhece.
Por sua vez, João Cerejeira identifica o desemprego jovem, as baixas qualificações e os baixos salários como os principais desafios.
A propósito, o Governo, pela voz da ministra do Trabalho, tem destacado o bom desempenho do mercado de trabalho nacional, ainda que admita haver “algumas entorses”. É o caso do desemprego jovem, na visão de Maria do Rosário Palma Ramalho, daí que tenha anunciado um conjunto de medidas para estimular os postos de trabalho entre essa faixa etária, nomeadamente um reforço dos apoios aos estágios e do programa de conversão dos contratos em vínculos permanentes.
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