Corte da Fed deve criar onda transatlântica positiva para BCE, Alemanha e Portugal
Depreciação do dólar com corte dos juros pela Fed dará confiança ao BCE, dizem analistas. Além do alívio nos créditos, força da economia americana traz efeito positivo para uma Europa em apuros.
Não deverá ser tão cedo quanto Mário Centeno deseja, mas um dos efeitos positivos do ‘mega’ corte das taxas de juro pela Reserva Federal (Fed) deverá ser uma maior confiança do Banco Central Europeu (BCE) em cortar o custo do dinheiro nas próximas reuniões.
Horas depois do chair Jerome Powell ter anunciado um corte de 50 pontos base nas Federal Funds Rates, uma das primeiras vozes a reagir deste lado do Atlântico, foi, sem grande surpresa, portuguesa.
Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP) e membro do conselho de governadores do BCE é, como a Reuters o descreveu num artigo esta quarta-feira, a ‘pomba’ mais vocal do bloco da moeda única e apressou-se a sugerir que o banco central da Zona Euro pode também acelerar as descidas das taxas de juro, quiçá já em outubro.
A ânsia de Centeno não é partilhada pelos ‘falcões’ do BCE, que preferem descidas mais cautelosas, nem pelos investidores, nem pelos analistas contactados pelo ECO. Nos mercados, segundo dados da Reuters, os preços indicavam na quinta-feira que os investidores atribuem agora 35% de hipóteses de um corte de 25 pontos base na taxa de depósito em outubro, contra 30% na quarta-feira. Mas o cenário base é que o próximo corte deverá acontecer apenas na reunião de dezembro, algo que a presidente do BCE sinalizou a 12 de setembro, dizendo que o tempo até à reunião de outubro é curto.
“Está bem traçado o que o BCE vai fazer. Em outubro vai ser uma pausa e depois em dezembro vai cortar mais 25 pontos base, a menos que, entretanto, surja alguma coisa que não se espera”, disse ao ECO, Ricardo Evangelista, CEO da corretora ActivTrades Europe.
Apesar da discordância em relação ao calendário, Evangelista concorda com o racional de Centeno. “O pior cenário que pode emergir do BCE ser demasiado lento é mais danoso do que o pior cenário que pode emergir do BCE agir demasiado rápido”, sublinhou, fazendo eco das declarações do governador do BdP sobre a fragilidade da economia europeia.
O corte significativo da Fed fragiliza o dólar, permitindo ao BCE cortes mais arrojados nas próximas reuniões, um suporte às famílias e empresas endividadas e impulso adicional à economia.
O efeito da decisão da Fed não deverá ser imediato na política monetária da Zona Euro, mas irá chegar, na forma de maior confiança.
“O corte significativo da Fed fragiliza o dólar, permitindo ao BCE cortes mais arrojados nas próximas reuniões, um suporte às famílias e empresas endividadas e impulso adicional à economia”, referiu Paulo Rosa economista sénior do Banco Carregosa, no Porto.
Ricardo Evangelista acrescenta que se a Fed não tivesse baixado os juros agora, o dólar estaria mais forte em relação ao euro. “E se depois o BCE viesse a baixar, por exemplo, em dezembro, isso poderia causar ainda mais desvalorização do euro e acabaria por ser contraproducente na luta contra a inflação”.
“Portanto com a Fed a cortar agora de uma forma substancial, esse equilíbrio na correlação entre as moedas está mais ajustado, ou seja, o BCE já não tem que temer uma desvalorização desmesurada do euro face ao dólar que poderia depois ter repercussões a nível da importação da inflação, sobretudo ao nível dos preços da energia, mas também das matérias-primas, alimentares e outras”, vincou.
O corte da Fed é positivo, em especial para aqueles que têm crédito à taxa variável. “Com esta dinâmica dos cortes de juros, é natural que as taxas Euribor também comecem a refletir, já em antecipação, que o BCE vai fazer baixar os juros no futuro e fazê-lo com mais confiança, o que poderá ser bom na descida das prestações de crédito à habitação e outros créditos a taxa variável“.
“Mesmo para o próprio investimento poderá ser positivo porque as empresas poderão conseguir financiamentos ligeiramente mais baratos do que de outra forma”, salientou Evangelista.
Evitar recessão, tolerar inflação
À parte de um efeito positivo de contágio na política monetária do BCE, a descida dos juros na maior economia do mundo deverá ter impactos positivos nas restantes economias globais, incluindo a europeia e a portuguesa, segundo os analistas.
Paulo Rosa, do Banco Carregosa, salientou que “o arrojado corte da Fed em 50 pontos base evidencia uma postura preventiva do banco central dos EUA, priorizando o crescimento económico e o pleno emprego, procurando evitar a todo o custo uma recessão, tolerando na prossecução desse objetivo um nível de inflação mais elevado”.
“No curto prazo, é uma decisão muito positiva“, adiantou. “É um suporte à economia norte-americana, uma referência global, influenciando todas as restantes economias, oferecendo um auxílio suplementar à já frágil economia europeia, sobretudo penalizada pela recessiva economia alemã”.
Uma economia dos EUA em recessão em 2025 “prejudicaria fortemente a já muito fragilizada economia germânica“, sublinhou Rosa. “Um suporte à economia europeia, maior parceiro comercial de Portugal, é também um respaldo à economia portuguesa”.
Para Ricardo Evangelista, a decisão da Fed “aumenta o apetite pelo risco, melhora as perspetivas para a atividade económica global e para Portugal em geral e isso é bom porque Portugal tem uma economia muito aberta”.
A longo prazo, cortes menos “enérgicos”
Nenhum dos cenários está isento de risco, no entanto, Evangelista alerta sobre o de recessão na Europa. “O maior risco que existe [de o BCE se atrasar nos cortes dos juros] é o de provocar uma recessão um pouco mais séria na Europa, especialmente se considerarmos que a conjuntura sócio-política da Europa neste momento é muito complicada, com a extrema-direita cada vez ganhar mais tração”.
Para o BCE é um pouco parecido com a Fed, ou seja, agora que a guerra contra a inflação já está mais ou menos ganha, vamos evitar ‘deitar o bebé fora com a água do banho’, como dizem os ingleses, acabar com a força da economia, para nos certificarmos mesmo que não há uma inflação acima dos 2%.
“Portanto, para o BCE é um pouco parecido com a Fed, ou seja, agora que a guerra contra a inflação já está mais ou menos ganha, vamos evitar ‘deitar o bebé fora com a água do banho’, como dizem os ingleses, acabar com a força da economia, para nos certificarmos mesmo que não há uma inflação acima dos 2%”, acrescentou. “Agora há uma certa tolerância com inflação um bocadinho acima de 2%, perceber que o foco está em evitar cenários mais catastróficos“.
Segundo Paulo Rosa, essa maior tolerância da inflação no EUA acarreta riscos para a Zona Euro num horizonte mais alargado.
“No longo prazo, uma inflação mais elevada da economia americana, tolerada pela Fed, poderá estender-se a mais regiões e economias avançadas, tais como a Zona Euro, impedindo cortes das taxas de juro mais enérgicos pelo BCE nos próximos anos”, conclui.
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