Um ano de reestruturação na Farfetch. Foram-se os anéis, ficaram os dedos
Ao longo do último ano, a Farfetch transformou o negócio à imagem dos novos donos da Coupang, despediu centenas, vendeu algumas operações e reestruturou outras, rumo à rentabilidade.
15 de fevereiro de 2024. Cerca de duas semanas após a oficialização da compra da Farfetch pelos sul-coreanos da Coupang, cujo acordo foi selado em dezembro de 2023, chegava a notícia de que José Neves, fundador e até então CEO do primeiro unicórnio de capitais portugueses, iria sair do marktplace de roupa de luxo e com ele viriam a sair centenas de pessoas, com a empresa a colocar de imediato a correr um plano de despedimentos para reduzir entre 25% e 30% os seus colaboradores a nível global.
Um ano depois do anúncio deste doloroso programa de reestruturação, que levou à venda de negócios, estruturas mais pequenas e concentradas, a Farfetch prepara-se para apresentar os primeiros lucros.
A aquisição da Farfetch pela Coupang apareceu para a tecnológica portuguesa como uma tábua de salvação. E um ano bastou para os sul-coreanos começarem a ver o investimento de 500 milhões na companhia luso-britânica, que surgiu como uma oportunidade para a Coupang, a dar um contributo positivo para os lucros do grupo.
Depois de ter fechado o terceiro trimestre de 2024 com um prejuízo de apenas dois milhões, a Coupang previa, em novembro, que a Farfetch já chegasse ao final do ano com resultados positivos. Os números do ano ainda não são conhecidos, mas a receita para chegar aos lucros começou a ser cozinhada há um ano, com o anúncio da reestruturação.
Continua sem se conhecer o real dano causado pelos despedimentos nas equipas, especialmente em Portugal, uma vez que a empresa não confirmou ao ECO quantas pessoas abandonaram a companhia neste processo. Ainda assim, conforme o ECO avançou na altura, os despedimentos em Portugal poderiam abranger cerca de 1.000 trabalhadores, metade das pessoas dispensadas pela tecnológica portuguesa fundada em 2008 a nível global. Segundo apurou o ECO, a equipa mais afetada, tecnologicamente, foi a de FPS (Farfetch Platform Solutions).
![](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2023/12/bom-kim_farfetch.jpg)
O desinvestimento na FPS, que era uma das apostas de José Neves e que foi criada em 2015 para digitalizar o negócio das grandes marcas de luxo e prometia ser um dos grandes dinamizadores do negócio, marca a maior mudança estratégica na nova Farfetch, agora comandada por Bom Kim, com o sul-coreano a desfazer-se das marcas de luxo que foram adicionadas pelo português ao longo dos últimos anos. Logo na altura do anúncio da venda da Farfetch, a Richemont, fabricante das joias Cartier e dos relógios IWC, que tinha anunciado em agosto de 2022 a venda de uma posição de 47,5% na retalhista de artigos de luxo online YOOX Net-A-Porter à Farfetch, deixou cair o negócio.
Já em setembro do ano passado, a Farfetch vendeu a retalhista de luxo Violet Grey, que tinha comprado em 2022 por mais de 50 milhões de dólares, e no final do ano foi a vez da Wannaby, conhecida como Wanna, ser vendida à Perfect Corp.
O objetivo tem sido claro: transformar a Farfetch cada vez mais à imagem da sua dona, conhecida como a Amazon sul-coreana, com uma oferta “mais modesta” e focada em novos designers.
Além das mudanças no portefólio de marcas detidas pela Farfetch houve ainda mudanças em termos de distribuição das equipas, com a transferência de algumas equipas para Guimarães, onde a empresa concentra a maior parte da sua equipa. Já depois de a tecnológica ter encerrado o seu escritório em Braga, onde deixou de estar presente, e ter fechado o escritório que mantinha na Avenida da Boavista, no Porto, ainda em setembro de 2023, no ano passado nova mudança: o Centro de Creative Operations (CrOps), que a empresa mantinha em Leça do Balio, em Matosinhos, foi encerrado e as pessoas transferidas para a unidade de Guimarães, no Avepark, conforme avançou o ECO. Apesar do encerramento da unidade de operações em Matosinhos, a Farfetch manteve operações nesta localização – mas mais curtas.
Com a saída da CrOps, o escritório da Lionesa diminuiu a área utilizável para metade, “dado que não justifica a dimensão do mesmo pela quantidade de gente que o utiliza (visto que grande parte dos colaboradores está em full remote)”, conforme explicou ao ECO uma fonte próxima da empresa.
Com estas mudanças, grande parte das equipas portuguesas transitaram para os “principais” locais da Farfetch no país: Guimarães e a Lionesa. Em Lisboa mantêm-se os departamentos de programação/tecnologia e serviço ao cliente e operações.
Investidores ficaram a zero
Enquanto o negócio começa a entrar nos eixos, os investidores, que ficaram de mãos a abanar com a venda da empresa à Coupang, prosseguem a sua luta em tribunal para tentar rever alguns dos seus investimentos e apurar responsabilidades.
“Quando a venda estiver consumada, a Farfetch Limited estima que os detentores das ações ordinárias de classe A e B e as notas convertíveis não recuperarão qualquer valor do investimento na Farfetch”, adiantou a empresa em comunicado aquando do negócio com a Coupang, não deixando margem para dúvidas quanto ao que iria acontecer aos investimentos de quem apostou na tecnológica criada por José Neves.
São várias as ações que chegaram (e continuam a chegar) aos tribunais, na sequência deste acordo, que deixou de fora os investidores, com a empresas, e os seus gestores, a serem acusados de divulgar “afirmações falsas” e camuflarem informações sobre o negócio da companhia.
Já em janeiro de 2024, ainda antes da oficialização do negócio de venda da tecnológica, um grupo de investidores intitulado 2027 Ad Hoc Group, com mais de 50% das obrigações sénior convertíveis da Farfetch com maturidade em 2027, foram os primeiros a recorrer aos tribunais, numa tentativa de travar a venda, porém sem sucesso.
Estes investidores questionavam sobre como a Farfetch, que chegou à bolsa em setembro de 2018, “passou de líder de mercado no final do exercício financeiro de 2023, com uma liquidez superior a 800 milhões de dólares em agosto de 2023, para uma liquidação imediata quatro meses depois”.
“Na altura em que o negócio foi anunciado, o consenso dos analistas (incluindo o seu corretor interno JPMorgan) estimou o valor do negócio da Farfetch em mais de três mil milhões de dólares”, observa o 2027 Ad Hoc Group, expressando “profunda preocupação com a deterioração rápida e inexplicável da posição financeira da Farfetch entre agosto e dezembro de 2023”.
Mais recentemente, liquidatários da Farfetch solicitaram ao tribunal inglês ordem para obter informações de ex-gestores sobre possível má gestão antes da insolvência. Prova que este é um tema que está longe de estar fechado.
Depois do terramoto, a Farfetch já não é o colosso de outros tempos. Mas está a caminho da sustentabilidade financeira.
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