O que esperar da Conferência dos Oceanos? Dos “compromissos concretos” ao “exemplo” de Portugal

A terceira Conferência dos Oceanos (UNOC3) tem o pontapé de partida oficial no dia 9 de junho. Saiba quais serão os destaques e em que consistirá a participação de Portugal.

Tratado do Alto Mar, Pacto para os Oceanos e Plano de Ação de Nice para os Oceanos. Estes são três dos acordos-chave que vão estar em cima da mesa da terceira Conferência dos Oceanos das Nações Unidas. Os participantes da parte de Portugal, desde o Governo às organizações ambientais, passando pelas empresas, esperam sobretudo compromissos concretos e que Portugal possa assumir-se como um exemplo a seguir.

A 3.ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC3) vai decorrer em Nice, de dia 9 a 13 de junho, e reúne representantes dos governos, setor privado, comunidade científica, comunidades costeiras e povos indígenas, para serem discutidos compromissos em torno do oceano. No final, espera-se a adoção do “Plano de Ação de Nice para o Oceano”, um documento político não vinculativo, adotado por consenso, que refletirá a posição dos Estados-membros sobre temas como biodiversidade, poluição, financiamento e governança.

Uma UNOC, que só acontece de três em três anos, traz uma energia tão grande à agenda dos oceanos que faz com que uma série de coisas se desbloqueiem”, acredita o presidente executivo (CEO) da Fundação Oceano Azul, Tiago Pitta e Cunha, que estará presente no evento.

Outro dos destaques do evento será a apresentação, por parte da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, do Pacto Europeu para o Oceano. O objetivo deste pacto, anunciado em janeiro – quando foram pedidos contributos das partes interessadas – é promover “uma economia azul competitiva e sustentável”, um oceano resiliente e produtivo, assim como criar uma agenda de inovação, investigação e investimento neste universo. A líder da Comissão discursa às 10h15 de Nice, na segunda-feira, e espera-se o lançamento formal do pacto, cujo conteúdo foi divulgado no final desta semana.

Sobre o tema da Economia Azul e Finanças vai existir ainda um evento paralelo, e em antecipação, ao longo dos dias 7 e 8 de junho, no qual vão ser discutidas soluções de investimento e financiamento. Nele vão estar presentes e discursar personalidades como Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, Emmanuel Macron, presidente francês, Pascal Lamy, coordenador do Instituto Jacques Delors e também o português José Soares dos Santos, fundador e presidente da Fundação Oceano Azul.

Em paralelo, ao longo da semana os holofotes vão incidir sobre o chamado “Tratado do Alto Mar”, que se apresenta também pela sigla BBNJ, referente a “Acordo sobre a Biodiversidade Marinha em Áreas Além da Jurisdição Nacional”. Portugal foi um dos signatários mais recentes entre os 29 países que já o ratificaram, e que incluem também França, o país anfitrião da conferência. São, contudo, necessárias 60 ratificações para a sua entrada em vigor. O tratado pretende que se possam criar Áreas Marinhas Protegidas nas zonas mais remotas, para lá das zonas económicas exclusivas dos países.

A associação ambientalista Zero espera ainda que a Conferência sirva de ocasião para rever as Contribuições Nacionalmente Determinadas, que são no fundo as ações climáticas a que os países se propõem no âmbito do Acordo de Paris. A ideia é que estas sejam adaptadas de forma a terem em conta o papel do oceano. “A iniciativa assume particular relevância no caminho para a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre o Clima), que terá lugar este ano no Brasil”, indica a Zero.

Sucesso mede-se por compromissos concretos

Para o Governo português, uma Conferência dos Oceanos bem-sucedida será aquela que reforça a ambição e acelera a ação coletiva, promovendo compromissos concretos em matéria de conservação marinha, financiamentos sustentáveis, proteção do alto-mar, governação integrada dos ecossistemas oceânicos e cooperação científica entre países”, indica o gabinete de Maria da Graça Carvalho.

Na mesma linha, Rúben Eiras, secretário-geral da entidade gestora do cluster da economia azul em Portugal, o Fórum Oceano, considera desejável “um foco na implementação de soluções práticas, viáveis, que resolvam problemas concretos (mesmo parcialmente), em vez de crónicas lamentações apocalípticas ou de centralização das atenções em soluções fundamentalistas que depois serão desmontadas num ciclo político diferente”.

O mesmo considera que faz falta uma aliança de países que acordem entre si corredores verdes para uma percentagem do transporte marítimo de mercadorias e contentores, ou seja, para navios de carga que usem soluções energéticas de baixo carbono. No que diz respeito ao financiamento, afirma que é tempo de revisitar as metas e definir objetivos realistas faseados para o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14, que pretende “conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, os mares e os recursos marinhos”.

Para a Project & Policy Officer da Zero, Joana Soares, uma conferência bem-sucedida seria “aquela capaz de impulsionar compromissos concretos e vinculativos, dando origem a um calendário claro de ações para proteger o oceano”. As decisões “estruturantes” que os Estados devem deixar de adiar, do ponto de vista da Zero, são o cumprimento das metas de proteção do oceano até 2030 – de ter pelo menos 10% sob proteção estrita, como ponto de partida – a par da criação de mecanismos para uma “governação mais coerente e eficaz do espaço marinho”.

Joana Soares conta ainda que se enfrentem os principais bloqueios, sendo eles o subfinanciamento crónico (ou o mau uso dos recursos disponíveis) a falta de articulação entre políticas e setores, e a exclusão de quem vive e trabalha com o oceano das mesas de negociação.

A diretora de Conservação e Políticas da WWF Portugal, Catarina Grilo, sublinha que “os verdadeiros avanços surgirão sob a forma de anúncios e compromissos voluntários, como novos financiamentos para implementação de compromissos, criação ou expansão de áreas marinhas protegidas, e colaborações entre setores”. E fala também da necessidade de concretude. Para a associação, será chave a adoção de um Plano de Ação de Nice com metas claras e prazos rigorosos, o compromisso de proteção de 30% do oceano até 2030, a eliminação de subsídios à pesca que incentivem práticas insustentáveis (redirecionando esses recursos para práticas de pesca justas e com baixo impacto), o apoio ao restauro de ecossistemas marinhos e, finalmente, garantir “financiamento substancial”, tanto público quanto privado, para a implementação destas metas e ações. Por fim, pede mecanismos de monitorização e prestação de contas, de forma a assegurar o cumprimento.

Nós temos esperança que esta Cimeira dos Oceanos seja aquilo que faça entrar em vigor o Tratado do Alto Mar”, acrescenta Tiago Pitta e Cunha. O mesmo conta que a cimeira dê o impulso necessário para que 60 nações necessárias para viabilizar o tratado o ratifiquem. Embora no espaço de uma semana seja difícil reunir as ratificações que faltam, uma vez que se trata de um processo muito burocrático, espera que sejam pelo menos feitos compromissos nesse sentido, que se concretizem até ao final deste ano. Já Rúben Eiras alerta para “um percurso muito difícil, devido ao deslaçamento dos EUA sobre o tema”.

Em oposição, uma derrota, para a Zero, será trazer-se “mais uma coleção de declarações bem-intencionadas, mas vazias de ação”. A WWF reitera: “Uma verdadeira derrota seria a continuidade de compromissos vazios”.

Portugal “confortável” mas há mais a fazer

Portugal levará a esta conferência a mensagem de que a proteção do oceano é uma prioridade estratégica, tanto do ponto de vista ambiental como económico“, afirma o ministério do Ambiente. O mesmo gabinete confirma que da parte do Governo, vão estar presentes o primeiro-ministro, Luís Montenegro, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, o ministro da Agricultura e Mar, José Manuel Ferreira Fernandes, e o secretário de Estado das Pescas e do Mar, Salvador Malheiro.

Portugal está neste momento numa posição extremamente confortável, porque o nosso país leva três grandes trunfos a esta conferência”, indica Tiago Pitta e Cunha, referindo-se à maior rede de áreas marinhas protegidas do Atlântico Norte e décima a nível mundial, a Blue Azores; a ratificação do Tratado do alto Mar e a lei que define uma moratória em relação à mineração submarina até 2050, de março deste ano.

O Governo destaca a preparação, já concluída, de uma proposta legislativa para a criação da área marinha protegida do Gorringe, uma área marinha com elevado valor ecológico que integra desde 2015 a Rede Natura 2000 como Zona Especial de Conservação. Esta nova classificação formal “aguarda apenas a formalização legislativa, o que poderá acontecer em breve”, indica o ministério.

Além disso, Portugal quer apresentar um novo regime legal para a criação e gestão de áreas marinhas protegidas oceânicas, que permita abranger zonas remotas, profundas e ricas em biodiversidade, como o próprio Gorringe e outras áreas da região Madeira-Tore. “Portugal reafirma, assim, a sua determinação em continuar a ser um exemplo de liderança responsável na proteção do oceano“, conclui o ministério.

A criação de uma nova área marinha protegida, na cadeia montanhosa submarina do Gorringe, é precisamente um dos pontos em que Tiago Pitta e Cunha esperava ver o Governo avançar. Contudo, espera que o país não fique por aqui.

O presidente da Fundação Oceano Azul espera ainda que Portugal possa promover uma coligação de Estados “que não fiquem à espera dos consensos das Nações Unidas”, e que possam avançar mais aceleradamente numa espécie de aliança de países para o futuro azul, puxando não só pela agenda multilateral mas também destacando-se pela ação a nível nacional.

Ao nível nacional, a Zero espera que o país não só convide outros a assumirem compromissos semelhantes aos que tem vindo a assumir – nomeadamente a ratificação do tratado BBNJ e a moratória à mineração em mar profundo –, mas também que continue a avançar com ações concretas “dentro de casa”. A associação ambientalista espera que o país apresente um plano para implementar “uma rede eficaz” de Áreas Marinhas Protegidas, com instrumentos de gestão e fiscalização.

A WWF também conta com este avanço, e acrescenta a necessidade de ser apontado o financiamento adequado. Ao mesmo tempo, entende que Portugal “pode e deve” apelar à adoção de Áreas de Emissões Controladas (ECAs) em rotas marítimas, contribuindo assim para a redução da poluição, a proteção do oceano e a saúde pública. Por fim, Catarina Grilo espera que o país lusitano promova o fim dos subsídios à pesca prejudiciais e reforce a governança marinha baseada em ciência e na participação das comunidades, além de investir no restauro de ecossistemas marinhos.

Empresas portuguesas também dão cartas

No dia 12 de Junho, terá palco na conferência uma sessão de apresentação do ecossistema de economia azul português, no stand Startup Reef, da iniciativa 1000 Ocean Startups das Nações Unidas. A sessão consiste numa sessão de pitch de 11 startups e de dois fundos de investimento portugueses “que estão na vanguarda do desenvolvimento da economia azul sustentável e lucrativa”, afirma o presidente do Fórum Oceano, Rúben Eiras. Entre as startups e pequenas e médias empresas vão estar presentes contam-se a Seantia, OLSPS, A4F, Oceano Fresco, Seamoretech, Bluemater, Saltyco, 1st Energy Portugal, Gazelle Wind Power, Smart Fisher e Cell4Food. Os fundos de investimento referidos são a Indico Capital Partners e a Faber.

Esta promoção do ecossistema de economia azul português enquadra-se na internacionalização do projeto “Rede Hub Azul” do Plano de Recuperação e Resiliência, gerido pelo Fórum Oceano. O objetivo central destas iniciativas é consolidar o ecossistema azul português como um setor a arrancar, posicionando Portugal “na rota principal dos fundos de equity azuis, para que mais empresas também se venham a fixar no país“, indica Rúben Eiras. “É um trabalho que exige muita precisão e consistência para conseguir ter credibilidade junto dos investidores num panorama cada vez mais impactado pelo risco derivado da incerteza geopolítica”, admite.

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