Apagão foi ‘prova de fogo’ às baterias do megacentro de dados em Sines

Relação entre Start Campus e Schneider Electric teve um teste decisivo a 28 de abril. Com a construção do segundo edifício a aproximar-se, novo contrato entre as empresas é cada vez mais uma hipótese.

Se for bem-sucedido, o centro de dados que está a ser construído em Sines será o maior da Europa. Mais do que um “armazém” de servidores informáticos, é um campus composto por um edifício – futuramente, seis – que precisam de energia durante 24 horas nos sete dias da semana, sob pena de as grandes tecnológicas perderem informação das empresas e dos cidadãos. Então, como se garante que estas bases de dados continuam ativas, refrigeradas e, ao mesmo tempo, sustentáveis? Uma tríade composta por baterias, geradores e (em breve) água do mar.

No histórico dia 28 de abril de 2025, quando Portugal e Espanha ficaram às escuras, a resiliência da tecnologia e das fontes de alimentação elétrica do megacentro de dados foram testadas ao limite e, como nenhum sistema ficou comprometido, o apagão pode mesmo ter sido a garantia da extensão do contrato entre a Start Campus e a francesa Schneider Electric, que fornece os painéis elétricos de baixa e média tensão e as baterias ao data center. Sem confirmar se irá voltar a pagar por mais equipamentos elétricos da marca, nos próximos cinco edifícios, o CEO da Start Campus admite ao ECO que o incidente ibérico “foi uma boa prova”.

A Schneider Electric vai voltar a jogo? “Potencialmente”, diz Robert Dunn, em entrevista a partir de Sines. A pouco tempo de lançar a primeira pedra do segundo edifício, a Start Campus está a finalizar o concurso para empreiteiros e fornecedores de equipamentos e espera tomar uma decisão até ao início do terceiro trimestre.

“Nesta primeira fase, forneceram-nos a maioria do equipamento elétrico. Também já estamos a trabalhar com eles em contratos de energia renovável para as futuras fases e a encontrar parceiros de energia renovável para, pelo menos, 100MW de solar e eólica de forma a corresponder ao que antecipamos que os clientes utilizem”, começa por contar.

“Continuaremos a trabalhar com eles nisso, porque são produtos bastante exclusivos que estão no mercado e têm expertise no mercado energético. Em relação ao que farão nos projetos SIN02, 3, 4, 5 e 6… Estão a licitar uma vasta gama de equipamentos de energia e refrigeração, mas ainda não fizemos qualquer adjudicação”, esclarece Robert Dunn.

Certo é que a multinacional gaulesa está um passo à frente, porque tem garantias dadas. Apesar de a Start Campus e a Schneider Electric terem simulado um apagão em 2024, antes de abrir portas em Sines, o derradeiro teste ocorreu quando as luzes se apagaram (mesmo). “Em outubro já tínhamos feito uma série de testes para garantir que tudo funcionava, mas eles controlam os testes, portanto com este apagão foi interessante ver como o sistema realmente reagiu e também a equipa e a cadeia de abastecimento. Funcionou como esperávamos”, afirma o CEO, acrescentando que o staff é experiente nesta indústria e “já viu coisas assim antes”. Nessa cadeia de valor entram, por exemplo, a Galp e a Repsol enquanto fornecedores de combustível, que enviaram à empresa todo o diesel verde (HVO – Hydrotreated Vegetable Oil) que alimenta os geradores.

Para se perceber melhor a dinâmica de como os geradores mantiveram os sistemas operacionais no fatídico dia, o que aconteceu foi o seguinte: assim que ocorre o apagão, os geradores movidos a HVO entraram em ação, mas durante o tempo até arrancarem – e quem tem um em casa sabe que não é um processo verdadeiramente automático – são as baterias que ‘aguentam’ os servidores. As máquinas UPS (Uninterruptible Power Supply) da Schneider Electric suportam a rede naqueles segundos de que o gerador precisa para começar a fazer o seu trabalho.

Temos feito muitos investimentos no mercado dos data centers. E quando cheguei [à liderança da filial portuguesa] e descobri este projeto, apaixonei-me por completo, porque o que a Start Campus está a desenvolver em Portugal, com toda a parte sustentável, é muito importante. Quanto às outras fases, não posso comentar, porque são projetos em curso

Aroa Ruzo

Country manager da Schneider Electric em Portugal

Mesmo sem saber se terá prorrogação, este contrato com a Start Campus torna-a num dos maiores clientes da empresa francesa em Portugal. “Os clientes mais importantes também são os que acompanham as nossas estratégias, como a de sustentabilidade, que faz parte dos nossos valores”, ressalvou a gestora galega, lembrando que a companhia com sede em Rueil-Malmaison foi eleita a mais sustentável do mundo pela revista Time.

Aroa Ruzo destacou também a qualidade dos profissionais de engenharia. “Temos mais de 200 colaboradores em Portugal. É um país realmente incrível em termos de profissionais”, realçou, em declarações ao ECO.

Além do talento, na opinião do responsável de Conectividade da Start Campus, Portugal tem capacidade de competir com os países nórdicos nos preços da energia e até pode juntar um “L” (Lisboa) – ou um “S” de Sines – ao ‘Tier 1’ dos data centers: a FLAPD-X (Frankfurt, Londres, Amesterdão, Paris, Estocolmo e Dublin).

“Portugal está muito bem posicionado no mercado dos data centers, seja do ponto de vista de conectividade ao nível das telecomunicações seja da disponibilidade que têm de energia verde. Antes, não fazia parte do Tier 1”, referiu Fernando Azevedo, constatando que em quase todos esses países, da Alemanha à Irlanda, há uma falta de energia que está a travar a aprovação dos novos projetos, o que não se verifica em terras lusas.

Porém, é necessário investir em mais infraestruturas (e amigas do ambiente) e acelerar os licenciamentos, que são dois dos principais desafios do mercado, alertou o vice-presidente sénior de Secure Power & Data Center na Europa da Schneider Electric, Pablo Ruiz-Escribano, defendendo a colaboração público-privada para obtenção de licenças de exploração.

“A Start Campus foi uma ideia revolucionária no mercado e a Europa apresenta um mercado dinâmico de data centers, que se tornará um player-chave na economia digital, mas precisamos de enfrentar coletivamente os desafios para atrair mais. A menor taxa de espaços livres de sempre exige construção e só 45% das PME adotaram cloud”, advertiu o especialista numa sessão com a imprensa.

Água do mar para ‘refrescar’ servidores

Tipicamente barulhentos e quentes, os servidores requerem arrefecimento, que em Sines far-se-á com água fria salgada. Embora ainda não esteja 100% pronto, o sistema de refrigeração a partir do Oceano Atlântico é a característica mais disruptiva do data center da Start Campus no litoral alentejano, até porque não existem muitos assim no mundo.

Na Europa, há o da Interxion em Estocolmo e havia um completamente submerso, no fundo do Mar do Norte, ao largo de um arquipélago da Escócia, instalado pela Microsoft em 2018. No âmbito de um projeto chamado Natick, esse data center tinha o tamanho de um contentor de carga, foi retirado das águas em 2020 e os seus resultados estão sob análise. No porto norte-americano de Stockton, na Califórnia, encontra-se o da Nautilus Data Technologies a flutuar.

O projeto Sines DC localiza-se junto à central termoelétrica da EDP que foi desativada em 2021, será movido a energia renovável, mas só ficará concluído em 2030.

 

Em Sines, o sistema irá funcionar através de canos de água (os azuis ao fundo da imagem) e três etapas de filtragem para remover detritos. Naturalmente, a água nunca entra em contacto com a parte elétrica e funciona como os radiadores dos carros, cuja missão é dissipar o calor gerado pelo motor. Para tal, entram em cena umas placas de titânio que separam a água filtrada.

Elétrica paga 850 milhões para resfriar centros de dados

A Schneider Electric assinou recentemente um negócio transatlântico chorudo a pensar nos centros de dados: adquiriu 75% da norte-americana Motivair, especializada em refrigeração líquida e gestão térmica para sistemas de computação, pela qual pagou 850 milhões de dólares (cerca de 743 milhões de euros) em fevereiro. Em 2028, vai comprar a restante participação de 25%.

“A Motivair estava nesta indústria há bastante tempo, até porque a refrigeração líquida, enquanto conceito, não é nova, mas nos últimos anos, como o ChatGPT apareceu, o mundo mudou e a tecnologia evoluiu”, explicou Andrew Bradner, gestor de Cooling Business. Foi no âmbito desta aquisição que a empresa francesa começou a trabalhar com o segundo supercomputador mais rápido do mundo, cujo sistema de refrigeração é desta nova subsidiária da Schneider Electric.

Em causa está o Hewlett Packard Enterprise Frontier (ou OLCF-5), um supercomputador norte-americano capaz de chegar aos 1,35 quintilhão de cálculos por segundo, o que o tornou no primeiro exascala de sempre, e que está instalado num dos laboratórios do Departamento de Energia no Tennessee desde 2022 – precisamente o ano em que o chatbot da OpenAI apareceu nos nossos ecrãs de forma gratuita e que a energética se começou a preparar para crescer inorganicamente.

 

Inauguração do data center Start Campus em Sines - 04ABR25
Na cerimónia de inauguração do primeiro de seis edifícios do centro de dados, em abril, o CEO da Start Campus anunciou que o projeto vai trazer um investimento de mais 30 mil milhões de euros para Portugal nos próximos cinco anos, além dos 8,5 mil milhões que a Davidson Kempner e a Pioneer Point Partners estão a investir. © HUGO AMARALHugo Amaral/ECO

 

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