Empresas de gás natural já podem reaver valor pago ao Estado em taxa extraordinária
Após declarada inconstitucional uma norma da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, empresas de gás natural podem pedir reembolso dos valores cobrados pelo Estado.
O Tribunal Constitucional emitiu uma decisão na qual considera inconstitucional a norma que dita que a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) seja paga por empresas de gás natural, sejam elas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou quer façam armazenamento subterrâneo, avançou esta quinta-feira o Jornal de Negócios. De acordo com os advogados consultados pelo ECO/Capital Verde, as empresas visadas podem agora reaver os valores que lhes foram cobrados.
Por norma, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral – aplicada no caso – tem efeitos retroativos, “o que pode permitir aos contribuintes que tenham pago a CESE (transportadores, armazenadores e distribuidores de gás natural) reclamar ou pedir a restituição dos montantes pagos”, defende o advogado Frederico Vidigal, da Macedo Vitorino.
Caso as empresas tenham contestado a CESE de 2019 e pago os valores em causa (em vez de prestarem garantias), o Estado terá de devolver os valores, acrescidos à partida de juros indemnizatórios.
“Caso as empresas tenham contestado a CESE de 2019 e pago os valores em causa (em vez de prestarem garantias), o Estado terá de devolver os valores, acrescidos à partida de juros indemnizatórios”, na avaliação de Joana Lobato Heitor, sócia do Departamento Fiscal da MFA Legal e Catarina Gomes Correia, associada sénior do mesmo departamento. Isto porque a decisão do TC com força obrigatória geral é circunscrita ao setor do gás natural e refere ao ano de 2019.
Por sua vez, Filipe de Vasconcelos Fernandes, Professor na Faculdade de Direito de Lisboa e Senior Counsel na Vieira de Almeida (VdA), afere que a decisão do tribunal se aplica aos exercícios de 2019 em diante, “devendo os abrangidos recorrer aos mecanismos existentes na lei para rever os respetivos valores”. Isto, embora a Autoridade Tributária esteja obrigada a acatar a decisão, aquando da sua publicação em Diário da República, acrescenta.
De acordo com os especialistas consultados, os valores arrecadados pelo Estado com a Contribuição Extraordinária do Setor Energético não são publicados discriminando entidades ou setores, pelo que não são conhecidos para já os valores que estão em causa com esta decisão. Contudo, um levantamento recente aponta para que o Estado, no total — ou seja, considerando todos os subsetores na energia, do gás à eletricidade — tenha arrecadado mais de mil milhões de euros, olhando aos dez anos desde 2014, o ano da criação da CESE, até 2024.
As empresas sobre as quais incide esta contribuição há muito que a contestam. A REN sempre pagou, mas é uma das principais opositoras tendo já interposto 40 processos em tribunal. Na apresentação de resultados deste ano, a empresa sublinhou o reconhecimento de 5,6 milhões de euros relativos à Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético, depois de, pela primeira vez, o Tribunal Constitucional ter decidido favoravelmente face a dois recursos apresentados no segmento do gás.
A EDP deixou de pagar em 2023, ano em que devia 49,3 milhões de euros, e voltou a fazê-lo em 2024, ano em que o custo equivalia a 47,7 milhões de euros. O grupo, entre 2014 e 2022, pagou mais de 558 milhões de euros de CESE. A Galp, pelo menos até 2023, dizia nunca ter pago a CESE, acumulando provisões de quase 500 milhões de euros.
A decisão do TC tem força obrigatória geral, o que dita que qualquer caso que chegue ao tribunal sobre a mesma matéria deverá ser decidido no mesmo sentido. Ao mesmo tempo, dita que a norma inconstitucional deve ser retirada da lei.
As empresas do setor do gás natural com processos pendentes em tribunal e que tenham contestado a CESE de 2019 “beneficiam de imediato e de forma direta desta decisão”, afirmam as advogadas do Departamento Fiscal da MFA Legal. “Basta aguardar pela sentença, que lhes será favorável, e o reembolso dos valores pagos, acrescido de juros indemnizatórios (caso tenham pago o tributo)”, rematam as mesmas.
De acordo com a Macedo Vitorino, as empresas que beneficiam da decisão da inconstitucionalidade devem agora reclamar ou pedir a restituição dos montantes pagos junto da Autoridade Tributária, beneficiando de um prazo de quatro anos após a publicação do acórdão para interpor uma ação judicial para devolução dos montantes, caso o pedido não seja aceite pela Administração Fiscal.
Decisão não beneficia elétricas, mas abre portas
A aplicação da CESE às empresas de transporte e distribuição de gás já tinha sido alvo de análise pelo mesmo tribunal, que avaliou como inconstitucional a aplicação desta contribuição em casos concretos dentro do setor.
“O que está em causa, é que o Tribunal Constitucional considera que estes contribuintes não são responsáveis pela dívida tarifária do setor elétrico e não são causadores ou beneficiários dos benefícios públicos”, explicam a sócia e a associada do Departamento Fiscal da MFA Legal. É nesta medida que é violado o princípio da equivalência ou da igualdade que serve de base à decisão de inconstitucionalidade.
A contribuição foi criada com o objetivo de aplicar uma taxa extraordinária sobre o setor energético de “150 milhões de euros por ano, em 2014 e 2015”, para financiar um fundo para a sustentabilidade do setor energético e “repartir o esforço de ajustamento orçamental com as empresas de maior capacidade contributiva, sem a possibilidade de repercussão nos consumidores”.
Mas a CESE não é apenas alvo de decisões do TC no caso do setor do gás natural. Em abril do ano passado, o Constitucional publicou uma decisão que apontava a inconstitucionalidade da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) que recai sobre os centros produtores com fonte renovável, mais uma vez, cingindo-se a um caso concreto. Pouco depois, foi conhecida uma decisão semelhante em relação empresas comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo.
A decisão do Tribunal Constitucional fragiliza a base constitucional da CESE, podendo abrir caminho a futuras declarações de inconstitucionalidade.
Na ótica do Senior Counsel na VdA, “o caso das elétricas é totalmente distinto [do do gás natural], pelo que não há relação” com a atual decisão. Contudo, “existem outras conexões possíveis”, por exemplo em relação às empresas que não integram o Sistema Elétrico Nacional (SEN). “A decisão não é uma declaração de inconstitucionalidade da CESE em si, mas da sua aplicação aos referidos operadores de gás natural. Nesse sentido, a decisão de inconstitucionalidade da CESE não tem efeitos direitos sobre as empresas elétricas”, entende, em uníssono, Frederico Vidigal.
Ainda assim, o advogado da Macedo Vitorino considera que “a decisão do TC fragiliza a base constitucional da CESE, podendo abrir caminho a futuras declarações de inconstitucionalidade”. Além disso, acredita que empresas do setor elétrico sujeitas à CESE passem a invocar fundamentos adotados pelo TC para contestar a legalidade da contribuição, “antevendo-se, por isso, um aumento da litigância entre os operadores do setor e a Autoridade Tributária”.
As empresas do setor elétrico podem contestar a cobrança da CESE por via administrativa, requerendo à Autoridade Tributária a revisão das liquidações, ou por via judicial, através de impugnação nos tribunais administrativos.
O mesmo recorda que, no caso de três decisões diferentes reconhecerem a inconstitucionalidade da mesma norma ou interpretação, o TC poderá vir a proferir uma decisão com força obrigatória geral. Isto “reforçaria a posição das empresas do setor elétrico e obrigaria a Autoridade Tributária a aplicar esse entendimento a todos os casos semelhantes”, conclui.
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