Desigualdade salarial entre géneros persiste à boleia de tectos (e paredes) de vidro

Na data em que se assinala o Dia Internacional da Igualdade Salarial, presidente da CITE diz ao ECO que a explicar as "persistentes diferenças" estão, nomeadamente, os tectos (e até paredes) de vidro.

Há várias décadas que o princípio do salário igual para o trabalho igual está consagrado na União Europeia. E, em Portugal, há mesmo legislação para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. Mas a realidade continua a ser outra, com o fosso entre os salários delas e deles a persistir.

Em declarações ao ECO, na data em que se assinala o Dia Internacional da Igualdade Salarial, a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), Carla Tavares, sublinha que para explicar essas diferenças salariais é preciso olhar para a sua origem, nomeadamente as chamadas paredes e tectos de vidro.

Comecemos pelos dados que pintam o cenário. O barómetro das diferenças remuneratórias entre mulheres e homens mais recentes (lançado este ano com dados relativos a 2023) indica que o fosso entre a remuneração média base auferida por elas e eles está fixado, neste momento, em 12,5% em desfavor das mulheres.

Esta diferença tem vindo a diminuir“, é salientando no barómetro. Por exemplo, em 2010, rondava os 17,9%. Apesar desse recuo, é importante notar que o fosso persiste, ano após ano, ainda que tenha sido publicada, entretanto, legislação para o contrariar e que as empresas venham fazendo promessas de o resolver.

Confrontada com essa realidade, a presidente da CITE realça: “quando olhamos para as persistentes diferenças salariais entre mulheres e homens importa olharmos, também, para a sua origem.

Por um lado, observa Carla Tavares, há uma “segregação profissional horizontal muito persistente”. São as chamadas “paredes de vidro”. “Verifica-se que as mulheres continuam ausentes de muitas profissões, quase sempre mais bem remuneradas, prevalecendo, no entanto, em outras que são subvalorizadas, como os setores do cuidado, educação e apoio social”, detalha a responsável.

Por outro lado, continua a haver também uma “forte segregação vertical“, salienta a presidente da CITE, referindo-se aos “tetos de vidro”. “Traduzem-se na dificuldade, ainda muito presente, de as mulheres ascenderem aos lugares de topo na administração e direção das organizações“, explica.

Persiste, uma forte segregação vertical, também chamada de “tetos de vidro”, que se traduz na dificuldade, ainda muito presente, de as mulheres ascenderem aos lugares de topo na administração e direção das organizações.

Carla Tavares

Presidente da CITE

“Ainda na semana passada foram divulgados dados recentes pelo Observatório de Género, Trabalho e Poder, tendo sido assinalado que, apesar de ter havido uma evolução, os resultados estão muito aquém e longe da meta dos 40%“, afirma Carla Tavares.

O estudo em causa mostra que a participação feminina nos órgãos de administração das maiores empresas cotadas em bolsa é de 34,7% em Portugal, valor em linha com a União Europeia, mas abaixo, por exemplo, de França (o campeão europeia, com uma percentagem de 47,5%), Itália (44,6%) e Dinamarca (42,8%).

Às paredes e tetos de vidro dentro do mercado de trabalho soma-se ainda um outro fator que explica o persistente fosso salarial entre elas e eles: “a distribuição ainda muito desequilibrada da responsabilidade pelas tarefas domésticas e de cuidado familiar, que continuam a incidir sobretudo sobre as mulheres, penalizando-as no mercado de trabalho e, sobretudo, nos salários”, observa a presidente da CITE.

Uma diretiva que ajuda, mas não resolve

Para ajudar a “detetar e combater” as diferenças remuneratórias não justificadas entre géneros, Bruxelas preparou uma nova diretiva que visa reforçar a transparência salarial, que tem de ser transposta pelos Estados-membros até ao verão do próximo ano.

Por exemplo, ao abrigo desta diretiva, os empregadores terão de prestar informação, logo nos anúncios de emprego, sobre a remuneração inicial ou o intervalo remuneratório associado às vagas de emprego. E, durante as entrevistas, ficarão impedidos de interrogar os candidatos sobre o seu histórico de remunerações.

Além disso, uma vez em funções, os trabalhadores terão o direito de solicitar aos empregadores informações sobre os níveis médios de remuneração, repartidos por sexo, “para as categorias de trabalhadores que realizam o mesmo trabalho ou trabalho igual”, bem como sobre os critérios utilizados para determinar a remuneração e a progressão na carreira, “que devem ser objetivos e neutros do ponto de vista do género”.

Por outro lado, as empresas com mais de 250 trabalhadores serão obrigadas a comunicar anualmente à autoridade nacional competente a disparidade remuneratória em função do género registada no seu seio. Os empregadores de menor dimensão, por sua vez, terão de o fazer de três em três anos.

As organizações estão muito expectantes sobre o que a diretiva sobre a transparência salarial poderá trazer como novos requisitos à gestão da compensação.

Marta Dias

Rewards leader da Mercer Portugal

A propósito, no estudo “Total compensation” da Mercer Portugal, que foi divulgado esta quarta-feira, a consultora destaca que, no contexto da compensação e benefícios, “o grande desafio para as organizações em 2026 é a entrada em vigor da nova legislação sobre equidade e transparência salarial“.

“As organizações estão muito expectantes sobre o que a diretiva sobre a transparência salarial poderá trazer como novos requisitos à gestão da compensação”, comentava Marta Dias, rewards leader da Mercer Portugal.

No entanto, questionada sobre esta diretiva, a presidente da CITE avisa, em declarações ao ECO, que estas novas regras vão mitigar as diferenças salariais, mas não resolver esse fosso.

A diretiva, só por si, não resolve o problema das diferenças salariais. Vai mitigá-los, poderá eliminar uma boa parte, mas há outras áreas em que é necessário intervir.

Carla Tavares

Presidente da CITE

“No fundo, as regras mais importantes já se encontram em vigor no nosso país desde a entrada em vigor da Lei n.º 60/2018, em fevereiro de 2019, e que se traduzem na obrigatoriedade de as empresas adotarem políticas salariais transparentes, procedendo, para isso, à avaliação dos postos de trabalho e das componentes das funções com base em critério objetivos comuns a mulheres e homens, de modo a poder ser afastada qualquer forma de discriminação, para que possa ser assegurado o principio do salário igual para trabalho igual ou de valor igual“, declara Carla Tavares.

“A diretiva, só por si, não resolve o problema das diferenças salariais. Vai mitigá-los, poderá eliminar uma boa parte, mas há outras áreas em que é necessário intervir“, acrescenta a mesma.

Uma ferramenta digital para ajudar as empresas

Ainda que a transparência salarial seja um dos temas quentes no horizonte, grande parte dos empregadores confessa “não conhecer bem” as regras que aí vêm, daí que o ECO tenha questionado a presidente da CITE sobre o que pode essa comissão fazer para auxiliar as organizações nesse campo.

“Precisamente com o objetivo de apoiar as empresas no processo de avaliação das diferenças remuneratórias, a CITE disponibilizou, em 2022, o Guia de avaliação das componentes das funções com base em critérios objetivos, comuns a homens e mulheres e sem qualquer enviesamento de género”, salienta a presidente.

Carla Tavares adianta que a CITE tem também promovido “ações de esclarecimento, nas quais participaram centenas de pessoas”, sobre este tema.

“No entanto, sabendo que o processo de avaliação das componentes das funções é complexo e muito técnico, a CITE apresentou no ano passado, em parceria com a ACT e o GEP/MTSSS, uma candidatura ao programa CERV (Cityzens, Equality, Rights and Values), financiado pela Comissão Europeia, que foi, entretanto, aprovado, que tem como objetivo o desenvolvimento de uma ferramenta digital que, de forma sistematizada e simples, auxilie as empresas nesse processo“, revela a responsável.

Ao ECO, a presidente da CITE avança que também estão previstas ações de formação, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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