Das Declarações de Outono e da Primavera no Reino Unido ao “Bundeshaushalt” na Alemanha, como é que são os orçamentos lá fora?
Enquanto os britânicos têm dois mini-orçamentos anuais, Espanha ainda opera com o orçamento de 2023 e, na Alemanha, a lei orçamental é escrutinada pelo Parlamento mesmo após aprovação.
O Governo de cada país apresenta, numa base (por norma) anual, um Orçamento do Estado, que consiste numa das suas leis mais importantes, já que contém a previsão de receitas e a autorização de despesas que podem ser realizadas, além de determinar as principais políticas para o ano seguinte.
Em Portugal, o processo orçamental concentra-se nos meses de outubro e novembro e é composto por debates na generalidade e na especialidade, o que inclui audições aos ministros de cada pasta, audições setoriais e a apresentação das propostas de alteração pelos partidos com assento parlamentar, culminando com o debate e a votação final global.
E lá fora? Neste artigo, o ECO descreve o processo orçamental de algumas das principais economias europeias. O mais diferente será o do Reino Unido, que divide a sua proposta em duas declarações por ano, enquanto os nossos vizinhos espanhóis, que já deveriam conhecer a proposta para 2026, têm prorrogado as contas de 2023, face às consecutivas falhas de acordo no Parlamento para aprovar os orçamentos.
Espanha
O que em Portugal chamamos de Orçamento do Estado, no país vizinho dá pelo nome de “Presupuestos Generales del Estado” (PGE). Este é o documento que reúne a previsão anual de receitas e despesas de todas as entidades que fazem parte do setor público estatal espanhol, além de refletir os objetivos estratégicos das diferentes políticas públicas e os recursos financeiros alocados à sua implementação.
Tal como por cá, implica árduas negociações entre, atualmente, as mais de 10 forças políticas que compõem o Congresso dos Deputados em Espanha, bem como com os diferentes setores económicos. De fora ficam as comunidades autónomas e os municípios, que gozam de plena autonomia financeira para decidir e aprovar o seu próprio orçamento — à semelhança do que acontece em Portugal com os arquipélagos da Madeira e dos Açores.
A Constituição espanhola exige, porém, que os PGE sejam apresentados ao Congresso pelo menos três meses antes do término do orçamento do ano anterior, ou seja, até ao dia 30 de setembro. Estabelece igualmente que, se os novos orçamentos não forem aprovados antes de 1 de janeiro do ano seguinte, os orçamentos do ano anterior serão automaticamente prorrogados até que haja novas contas aprovadas.
Ora, é precisamente isso que tem acontecido desde 2023, com o Governo de Pedro Sánchez a operar com as contas de há dois anos. E este é o terceiro ano consecutivo em que falhou os prazos definidos na Constituição para apresentar a proposta orçamental para 2026, correndo o risco de iniciar mais um ano fiscal com a lei de orçamento de 2023.
Embora o Executivo ainda nem tenha aprovado o teto de despesas nem a trajetória de défice e dívida pública, passos que antecedem a elaboração dos PGE, o primeiro-ministro espanhol tem insistido na ideia de que será apresentado um Orçamento Geral do Estado para 2026, afirmando que vai cumprir a sua “obrigação institucional” e salientando que é vontade do seu Governo “trabalhar com humildade, capacidade de diálogo e acordo” para que, no final, consiga o apoio parlamentar necessário para a aprovação do documento.
Reino Unido
Em terras de Sua Majestade, o Orçamento do Estado funciona de forma ligeiramente diferente em comparação com Portugal e Espanha. Em vez de uma proposta anual, é dividido em duas declarações anuais feitas pelo ministro das Finanças diante dos 650 membros da Câmara dos Comuns (câmara baixa do Parlamento britânico). Frequentemente, estas declarações são proferidas numa quarta-feira.
A “Declaração de Outono” (Autumn Budget) é a principal, pois inclui as previsões feitas pelo Gabinete de Responsabilidade Orçamental (OBR) e medidas de política económica, enquanto a “Declaração de Primavera” (Spring Budget) detalha como o Governo planeia gastar o dinheiro público ao longo do ano fiscal, com foco nas despesas.
No caso de, em ano de eleições, haver uma mudança de Governo, o novo chanceler do Tesouro poderá apresentar um novo orçamento, mesmo que o ministro cessante já tenha apresentado um.
A declaração do ministro das Finanças — que é, atualmente, Rachel Reeves — começa normalmente com uma análise das finanças e da situação económica do país, passando depois às propostas fiscais. Algumas medidas, como, por exemplo, alterações nas taxas de imposto sobre o álcool e o tabaco, podem entrar em vigor no dia do orçamento ou no seguinte, através de uma moção aprovada “por convenção” pela Câmara dos Comuns para a cobrança provisória desses impostos.

Seguem-se quatro dias de debate sobre as medidas fiscais apresentadas, sendo que em cada dia é abordada uma área política diferente, como Saúde, Educação e Defesa. O chanceler do “Governo sombra” apresenta a sua resposta no dia seguinte à declaração da ministra das Finanças, já no decorrer dos debates sobre o orçamento.
As resoluções orçamentais podem entrar em vigor de forma imediata se a Câmara dos Comuns as aprovar no final dos quatro dias de debate, mas requerem a aprovação da Lei Financeira para lhes conferir efeito legal permanente.
Outra característica do processo orçamental britânico é a realização de uma investigação sobre as propostas do Governo levada a cabo pela Comissão Especial do Tesouro da Câmara dos Comuns, que recolhe testemunhos de especialistas e publica um relatório com as suas conclusões e recomendações. O Governo, por sua vez, elabora um relatório em resposta a esta comissão, contando, normalmente, com o contributo do OBR.
Contrariamente ao que acontece na maioria dos debates na Câmara dos Comuns, não é o famoso Speaker (o equivalente, em Portugal, ao Presidente da Assembleia da República) a presidir aos debates sobre o Orçamento, mas sim o presidente da comissão parlamentar de Finanças, que é, simultaneamente, vice-presidente da Câmara dos Comuns.
É também tradição o chanceler do Tesouro ser fotografado, no dia da declaração ao Parlamento, nos degraus do número 11 de Downing Street, a sua residência oficial, enquanto segura a caixa que contém o Orçamento. E, se assim o desejar, no momento do discurso, pode beber uma bebida alcoólica — algo que nenhum ministro pode fazer na tribuna da Câmara dos Comuns em qualquer outra altura do ano.
O próximo Orçamento será apresentado no dia 26 de novembro pela chanceler do Tesouro, Rachel Reeves.
Itália
“Legge di bilancio” é como é conhecido o Orçamento do Estado em Itália. O documento que projeta as despesas e receitas do Governo para o ano seguinte é votado pelo Parlamento italiano até 31 de dezembro, permitindo que a Câmara dos Deputados e o Senado supervisionem a forma como é gasto o dinheiro público.
A Lei Orçamental está dividida em várias secções, nomeadamente o défice — calculado como a diferença entre as despesas finais e as receitas finais (saldo líquido) –; o défice total a ser coberto por empréstimos; o montante dos fundos atribuídos a orçamentos “especiais”; o montante máximo atribuído para a renovação de contratos do setor público; dotações para refinanciar as despesas descritas nas leis atuais; e previsões de despesas a longo prazo, que dependem dos recursos financeiros disponíveis em cada ano.
Até entrar em vigor, ocorrem quatro fases: em primeiro lugar, o Governo envia os “Projetos de Planos Orçamentais” a Bruxelas até 15 de outubro, aprovando depois o projeto de lei orçamental, que é então submetido ao Parlamento italiano para aprovação até 20 de outubro. A Comissão Europeia tem de dar o seu feedback até 30 de novembro, enquanto o texto final tem de ser aprovado até 31 de dezembro, prevendo-se ajustes ad hoc para implementar quaisquer alterações necessárias.
Para 2026, o Governo italiano aprovou um projeto de lei orçamental com um défice de 3% do PIB este ano, abaixo do estimado inicialmente, permitindo à primeira-ministra, Giorgia Meloni, reservar mais dinheiro para reduções fiscais e investimento em Defesa. O marco de não superar o teto de 3% da União Europeia este ano pode abrir as portas para a Itália sair do procedimento por défice excessivo aplicado pela Comissão Europeia.
Alemanha
O Orçamento Federal da Alemanha, em alemão conhecido como “Bundeshaushalt”, define, à semelhança dos seus pares europeus, as medidas que o Governo pretende tomar no ano seguinte e quais os recursos financeiros a serem dedicados a cada finalidade.
Depois de ser elaborado pelo Ministério federal das Finanças e deliberado e aprovado pelo Governo federal, o documento tem de ser aprovado por ambas as câmaras que compõem o Parlamento do país, nomeadamente o Bundestag e o Bundesrat, para entrar em vigor.
Habitualmente com cerca de 2.500 páginas, a proposta divide-se num orçamento global e em vários orçamentos por departamento. Estes últimos estabelecem em pormenor os níveis de receitas e despesas de cada ministério e respetiva autoridade federal.
O projeto de lei orçamental é enviado simultaneamente ao Bundesrat e ao Bundestag. Aqui, as propostas são analisadas por grupos de trabalho e comparadas com o plano financeiro elaborado pelo Governo e que estabelece a evolução prevista do orçamento para os próximos cinco anos. O Bundesrat apresenta depois os seus comentários sobre a proposta no prazo de seis semanas, aos quais o Governo federal emite uma contradeclaração. Isto significa que o Bundestag pode ter em conta a posição dos 16 estados federados nas suas deliberações sobre o orçamento.
As deliberações no Bundestag, por seu lado, envolvem três fases: uma primeira em que o ministro das Finanças apresenta a proposta orçamental, seguindo-se vários dias de debate até o documento passar para as mãos da Comissão do Orçamento. Os relatores desta comissão examinam todas as rubricas de despesas individuais, discutindo-as em profundidade com os ministérios e apresentando as suas recomendações. No final, é apresentado ao Bundestag um projeto de Orçamento mais ou menos alterado.
Segue-se uma segunda leitura do projeto de lei orçamental, durante a qual voltam a realizar-se debates entre o Executivo e a oposição. Nesta fase, é votado cada orçamento departamental, enquanto na terceira e última leitura, toda a legislação, incluindo todas as alterações, é submetida a uma votação final.
Por fim, o orçamento aprovado no Bundestag é novamente apresentado ao Bundesrat. Se o Bundesrat concordar com a proposta entregue, a Lei Orçamental fica pronta para entrar em vigor; mas, caso tenha reservas, pode exigir a convocação da Comissão de Mediação, que, se propuser novas alterações ao documento, implica que o Bundestag vote novamente o projeto de lei.
No caso de as alterações propostas serem rejeitadas pela maioria dos deputados do Bundestag, o Bundesrat ainda pode apresentar uma objeção à legislação. No entanto, é possível que tal objeção seja posteriormente anulada pelo Bundestag.
Note-se, porém, que o papel do Bundestag está longe de terminar com a entrada em vigor do Bundeshaushalt na maior economia do Euro. A partir da publicação no Jornal Oficial Federal (o equivalente ao Diário da República em Portugal), a Comissão de Auditoria — uma subcomissão da Comissão do Orçamento — escrutina a gestão das receitas fiscais de forma contínua, em estreita colaboração com o Tribunal Federal de Contas.
França
Tal como os restantes exemplos, o “Budget de l’État”, em França, é elaborado pelo Governo e depois submetido à Assembleia Nacional e ao Senado, sendo que a Constituição gaulesa estabelece um prazo rigoroso de 70 dias para a aprovação da proposta.
Porém, o artigo 40.º da Constituição impede a Assembleia Nacional e o Senado de alterarem os valores totais de receitas e despesas propostos pelo Governo, o que frequentemente gera controvérsia e leva a crises políticas.
Depois de o documento passar o crivo parlamentar, o Executivo francês pode fazer ajustes até uma determinada percentagem (por exemplo, 2%) sem precisar de aprovação adicional da Assembleia e do Senado.
Olhando para o cenário atual de crise política na segunda maior economia da Zona Euro, que na semana passada fez cair o terceiro primeiro-ministro em menos de um ano, é altamente improvável que o Governo agora demissionário apresente o projeto orçamental dentro do prazo definido constitucionalmente.

De acordo com a lei francesa, o Governo tem até 7 de outubro (que foi a passada terça-feira) para apresentar a proposta de lei orçamental para 2026 — embora a Constituição permita alguma flexibilidade até meados do mês.
Não havendo orçamento aprovado até ao fim do ano, deverá repetir-se o cenário de dezembro do ano passado, em que, a partir de 1 de janeiro, os deputados aprovaram legislação de emergência para autorizar despesas, empréstimos e a coleta de impostos até ser aprovado um orçamento completo.
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