Pressão sobe na COP para que plano de fim do petróleo ‘fure’ a agenda
Numa COP em que o peso do lobistas pelos combustíveis fósseis está mais elevado que nunca, vários países estão defender a criação de um mapa para o fim gradual do uso destes combustíveis.
As negociações ganham ritmo na COP. Depois de lançado um texto, no domingo à noite, que reunia os principais assuntos em discussão e caminhos possíveis para cada um deles, a presidência já lançou uma proposta de acordo e está a tentar desbloquear os temas que considera fulcrais: o financiamento aos países menos desenvolvidos, os compromissos climáticos (conhecidos por NDC), a transparência na ação e políticas comerciais relacionadas com o ambiente.
Contudo, há outro assunto, trazido a lume pelo próprio presidente brasileiro, Lula da Silva, nos dias anteriores à COP, que está a ganhar alguma tração: a criação de um roadmap para o fim gradual dos combustíveis fósseis.
No documento partilhado esta terça-feira pela presidência, esta apresenta três caminhos possíveis para o acordo, no que diz respeito aos combustíveis fósseis. A primeira opção limita-se a sugerir a partilha de histórias e sucesso sobre transição justa.
A segunda hipótese, a mais ambiciosa, convoca uma mesa-redonda ministerial de alto nível para perceber os diferentes contextos nacionais, no sentido de apoiar os países no desenvolvimento de roteiros de transição justa, ordenada e equitativa, incluindo para superar progressivamente a sua dependência dos combustíveis fósseis. A última, é vazia: admite que não exista qualquer referência no texto.
No sábado, num evento ministerial organizado pela Beyond Oil and Gas Alliance, em que representantes das várias partes apresentaram as suas posições em relação a este assunto, a ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva, encerrou a sessão com uma nota de alinhamento: “Aqui há um claro apoio a uma ideia que foi lançada pelo Presidente Lula de, a partir desta COP30, trabalharmos conjuntamente para estabelecermos o mapa do caminho para sairmos da dependência dos Combustíveis fósseis”.
Esta terça-feira, o palco onde decorrem as conferências de imprensa encheu-se de altos representantes de cerca de 20 países, que se uniram para defenderem que o acordo final da COP30 faça referência ao caminho que se fará para deixar para trás os combustíveis fósseis, construindo sobre o que foi fechado no Dubai, na COP28. Foi nessa cimeira que, pela primeira vez desde que as partes se reúnem, as palavras “combustíveis fósseis” entraram para a letra do acordo final.
No palco juntaram-se sobretudo ministros, mas também vice-presidentes e enviados especiais de países europeus como a Alemanha, Suécia, Irlanda, Bélgica, Finlândia, Países Baixos, Reino Unido e Espanha, mas também latinos como a Colômbia e Guatemala, e estados insulares como Vanuatu e Fiji, e finalmente africanos como Quénia e Serra Leoa.
“Hoje reunimos muitos interesses diversos que apoiam o apelo por um roteiro para uma transição justa, ordenada e equitativa para longe dos combustíveis fósseis”, introduziu a enviada especial para o Clima das Repúblicas das Ilhas Marshall, Tina Stege. “Apelamos à presidência da COP30 que inclua isto no texto”, atirou o ministro alemão do Ambiente, Carsten Schneider. O secretário de Estado britânico de Energia e Clima frisou que o apoio a esta iniciativa é uma decisão também económica, que beneficia o Reino Unido neste aspeto e da respetiva segurança energética.
A Colômbia tem sido uma das vozes líderes neste esforço de colocar os combustíveis fósseis na agenda, tendo inclusivamente procurado aliados para a Declaração de Belém, que assim o exige. A ministra colombiana do Ambiente, Irene Velez Torres sublinhou que, apesar de o país ser produtor de petróleo e gás, já decidiu não atribuir novas licenças de exploração, e considerou o avanço de um roadmap “essencial”.
A ministra portuguesa do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, indica que Portugal não aderiu à iniciativa que tem sido liderada pela Colômbia porque entende que deve aderir apenas um processo dirigido pela presidência — uma vez que o assunto seja discutido no circuito formal de negociação, “Portugal é a favor de um roadmap“, indicou, em declarações aos jornalistas.
Maria da Graça Carvalho mostra-se confiante na capacidade da presidência da COP levar a bom porto as negociações: “Eles são mesmo muito experientes. Conhecem muito bem o que é que cada bloco de países quer e não quer, e o que é que conseguem passar e o que não conseguem”. Para esta quarta-feira, está prometido um documento que a presidência espera ser a base para o acordo final.
Lóbi do petróleo cresce na COP
A COP30 recebeu cerca de 1.600 representantes de empresas ligadas aos combustíveis fósseis, aponta a Kick Big Polluters Out (KBPO), uma coligação de 450 organizações não governamentais que costuma fazer o levantamento. Este número é 12% superior ao registado na cimeira do ano anterior, que se realizou em Baku, no Azerbaijão, e representa a maior fatia de lobistas desta indústria que já foi registada no âmbito destas cimeiras do clima.
O número de lobistas tem disparado desde a cimeira de Glasgow, realizada há cinco anos, na qual se contavam 500 destes representantes. O grupo presente nesta COP excede mesmo o número de delegados levado por qualquer delegação — o único país a superar esta presença em número é o Brasil, que registou 3.805 pessoas. Segue-se a China, com 674.
A mesma organização deteta que cerca de 600 lobistas tinha a credencial de “party overflow“, a qual permite que se assista às negociações, embora sem intervenção direta.
Projeções da AIE para o consumo de petróleo alarmam
Na semana passada, já a COP ia no seu terceiro dia, quando a Agência Internacional de Energia lançou o Relatório Global de Energia, no qual prevê que a procura por petróleo e gás natural vai continuar a aumentar até 2050, assumindo apenas as políticas energéticas já implementadas, e não as prometidas.
“A projeção de que o pico da procura de gás e petróleo só ocorrerá em 2050 é preocupante“, afirma Pedro Amaral Jorge, líder da Associação Portuguesa de Energias Renováveis. O cenário “revela uma resposta global claramente insuficiente face à urgência climática” e “irresponsável”, completa. Contudo, realça que o cenário no qual são consideradas as políticas anunciadas, no qual o pico de procura do petróleo seria já em 2030, “demonstra que é possível acelerar o ritmo da transição”.
Para Nelson Lage, a projeção é “um sinal de alerta” e que comprova um “ritmo demasiado lento” na transição. “Precisamos moldar decisões políticas, mobilizar capital e desenhar estratégias de mitigação mais urgentes”, urge, já que defende o uso de uma energia mais renovável, mais eficiente e mais acessível.
A conclusão da Agência Internacional de Energia, de que a ultrapassagem da meta de 1.5ºC assinada no Acordo de Paris é agora inevitável, “deve servir como um verdadeiro ponto de viragem na COP30, transformando a urgência climática num imperativo de aceleração”, entende Amaral Jorge.
Nelson Lage considera esta inevitabilidade exige “metas claras e quantificadas já para 2030” e que “a COP é o momento certo para influenciar e conseguir consensos em torno da ação”. Definir metas para este horizonte “aumenta a pressão sobre os países para assumirem compromissos imediatos”, e pode impulsionar instrumentos concretos como os leilões de renováveis, metas operacionais de armazenamento e apoio reforçado a países emergentes.
“Neste contexto, Portugal pode posicionar-se como um exemplo europeu de velocidade e escala, contribuindo para que a COP30 produza resultados concretos e mensuráveis e não apenas declarações de intenção”, remata o presidente da ADENE.
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