No dia em que arrancam as votações na especialidade do OE2022, o líder parlamentar do PS admite a hipótese de se prolongar prazos do PRR, mas garante que o compromisso do Governo é executar até 2026.
Na segunda-feira em que arranca a votação na especialidade do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, reconhece em entrevista ao ECO que “poderia ser útil” prolongar os prazos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o que requer uma decisão ao nível da União Europeia, para aliviar alguma pressão inflacionista, como sugeriu Mário Centeno, governador do Banco de Portugal. Porém, o socialista garante que o objetivo e compromisso do Governo é executar tudo até 2026, o ano atualmente definido pelo regulamento europeu do PRR.
Portugal deve continuar a apoiar as sanções à Rússia mesmo que isso implique um impacto maior e mais duradouro no poder de compra dos portugueses?
Os portugueses foram no momento inicial e continuam a mostrar uma enorme generosidade. A consciência social, a empatia, sentiram que aquilo lhes podia acontecer a ele e que os ucranianos são gente como nós. Esse elemento foi muito importante para que os portugueses hoje no seu conjunto percebam que estamos a sofrer efeitos da guerra nos cereais, nos bens energéticos, que a origem desse efeito está na decisão do senhor Putin tomou de invadir um país soberano, que é a Ucrânia. Também sabem que a única forma de ultrapassarmos esta situação é voltarmos a ter paz, mas uma paz digna para os ucranianos através do respeito pelo direito internacional. O conjunto do povo português tem apoiado sempre o Governo nas iniciativas de apoio à Ucrânia. Há um grande consenso nesta Assembleia da República à volta disso.
Acredita que os portugueses no longo prazo vão continuar a apoiar as sanções?
Os portugueses acompanham as opções políticas do país, desde o Presidente da República até aos grupos parlamentares.
Acha que os prazos do PRR devem ser alargados ao nível da UE para tirar pressão inflacionista, como sugeriu Mário Centeno?
O quadro de execução do PRR está condicionado pela incerteza que vivemos, a qual tem tido impactos vários nos preços. Perante a pressão inflacionista e estando a economia a crescer de forma considerável, acho que olhar para o quadro de execução do PRR e ver, no seu conjunto, se era possível ter mais algum tempo para executar… Não veria isso, do ponto de vista macro, como uma má solução. Agora não tenho a mínima dúvida de que ter mais tempo poderia ser útil para executar melhor, mas o compromisso é executar até 2026. Esse é o objetivo do Governo e é para isso que temos de nos mobilizar coletivamente. Não quero criar nesta entrevista qualquer ideia que o bom era prolongar prazos. Podia ter algum efeito na diminuição da pressão sobre a oferta e podia-nos permitir gerir melhor a incerteza. Contudo, o quadro que temos na UE é o que é e uma decisão de alteração desses prazos só se daria numa decisão que provavelmente precisaria dos 27 Estados-membros.
Foi noticiado pelo Público que Portugal está a negociar distribuição de gás via Sines para o resto da Europa. Tendo em conta que foi secretário de Estado da Internacionalização, sabe em que pé estão as negociações? Há datas em cima da mesa?
Fui membro do Governo, mas já não sou. Há questões dessa matéria que dizem respeito a quem está hoje à mesa das negociações, portanto até seria indelicado da minha parte pronunciar-me muito sobre isso. Agora, quanto à ideia de Portugal ser uma boa solução de abastecimento de gás para a Europa, essa é uma ideia que vários Governos têm vindo a trabalhar. As alternativas de abastecimento da UE precisam do flanco ocidental, essencialmente a Península Ibérica, num quadro em que o Reino Unido saiu da UE.
Infelizmente, esta guerra acabou por ser uma boa ilustração da necessidade evidente da Europa olhar para Portugal e para Espanha.
As soluções de eletricidade verde, hidrogénio verde e até as soluções de gás a partir dos terminais em Sines são soluções que a UE precisa. Não pensar em Portugal como parte integrante da segurança energética da Europa é um erro que o Governo português tem repetido. Fomos dando passos quer no relacionamento a Sul — Marrocos e Argélia, quer com a Nigéria num quadro diferente — quer com os próprios Estados Unidos, mas que precisa de um acesso para colocar o gás e a eletricidade na Europa. Infelizmente, esta guerra acabou por ser uma boa ilustração da necessidade evidente da Europa olhar para Portugal e para Espanha.
“Talvez seja precipitado” aprovar proposta do Bloco para taxar cripto no OE2022
Vamos às propostas dos partidos para o OE2022. Há uma proposta para baixar o IRS da IL. Os liberais inicialmente disseram que tinham esperança no voto favorável do PS. Medina disse que não. É um não para o PS?
Essa proposta não tem, nem do ponto de vista programático nem do ponto de vista orçamental… É uma proposta que carece de sentido. Uma proposta que para os cincos escalões mais baixos cria uma única taxa, sem impacto orçamental, das duas uma: ou aumenta os impostos acima ou tem de ser uma taxa que diga respeito ao conjunto da receita fiscal gerada nesses escalões.
Uma espécie de taxa média das taxas desses cinco escalões?
Alguém pagará mais. Especialmente pagarão mais aqueles que pagavam menos. Há uma certa fixação da IL de insistentemente reduzir a progressividade.
As mais-valias que digam respeito à economia e às atividades económicas devem ser tributadas e, por isso, temos de olhar para esse novo fenómeno das criptomoedas.
Mas para o PS é um não, já sabemos. O Bloco quer tributar as mais-valias da criptomoedas já neste OE2022. O Governo sinalizou que queria fazer uma legislação mais abrangente, incluindo a regulação e a tributação. Poderá ceder já ao Bloco?
Há um entendimento comum de que temos de olhar para esse fenómeno com cuidado. As mais-valias que digam respeito à economia e às atividades económicas devem ser tributadas e, por isso, temos de olhar para esse novo fenómeno das criptomoedas. Temos de perceber como se integra no conjunto da política fiscal, a qual deve ter justiça fiscal. Não há justiça social sem justiça fiscal.
Mas não será neste Orçamento?
É um tema bastante complexo que está a ser discutido no quadro da União Europeia. Esse é um tema relevante e temos de olhar para ele. Se é já com esta proposta do Bloco de Esquerda, eu diria que — num quadro em que ainda estamos a desenhar um conjunto de instrumentos e a fazer alguma aproximação às outras soluções estudadas e implementadas nos outros Estados-membros — talvez seja precipitado. Mas o princípio é positivo.
Portanto, o PS vai votar contra a proposta do Bloco?
Não lhe posso dizer hoje [sexta-feira, dia 20 de maio] que vamos votar contra. Vou-lhe dizer que quanto ao assunto de fundo há um entendimento que nos aproxima. Vamos ter de olhar para a solução em concreto e isso é o que provavelmente nos divide. É um debate que devemos ter e para o qual não excluo o Bloco nem os outros partidos do Parlamento.
O PS admite viabilizar a redução do IVA das bicicletas como pede o PAN?
Essa resposta não lhe posso dar agora. Estamos a fazer um estudo profundo das propostas de todos os partidos. Devo dizer que o PAN e o Livre mostraram vontade de conversar. No caso do PAN, de continuar a conversar. É um debate que queremos que continue e que seja eficaz. Como em todas as negociações, há propostas que são discutidas, umas mais aceites que outras. Há caminho para fazer com o PAN.
Quanto ao Livre, o projeto-piloto da semana de 4 dias seria um bom princípio para começar a cumprir o que está no próprio programa eleitoral do PS?
Há várias dimensões. O Livre não tem apenas essa proposta. Tem várias e penso que podemos continuar a trabalhar com o Livre nesse sentido. Há um aspeto que escapa mas que eu quero sublinhar: este Orçamento também tem muitas propostas do Bloco e do PCP. Este é um orçamento em que uma parte importante dos eleitores do Bloco e do PCP se reveem. A resposta dos eleitores a 30 de janeiro foi clara.
Chamou o PSD Madeira para negociar o OE2022. O presidente do Governo Regional veio dizer que haveria abertura para um acerto no imposto do rum e para prorrogar a Zona Franca Madeira, para a qual há uma proposta do PS. No caso do acerto, o PS admite fazê-lo?
O PSD Madeira tem esta particularidade de ter propostas próprias. O Governo conversou com aqueles que quiserem conversar e que demonstraram vontade em ter uma alteração de voto. Não vamos escamotear: o PAN e o Livre estão numa situação completamente diferente.
E não o fizeram por haver eleições regionais na Madeira no próximo ano?
Não me parece. Tem a ver com o nosso compromisso: ser uma maioria absoluta de diálogo eficaz.
Mas isso tem de se traduzir em viabilizar algo.
Há propostas do PSD para as quais estamos a olhar com toda a atenção para ver se algumas delas melhoram, na nossa perspetiva, a proposta da lei. Quer do PSD quer dos outros partidos.
Deixe-me então perguntar-lhe sobre uma proposta do PSD. Aceitaria a isenção de IMT para compra de primeira habitação até aos 150 mil euros?
Essa é uma medida iminentemente fiscal que altera de forma profunda as receitas das autarquias. É uma proposta que eu pergunto se é razoável ser apresentada em maio de 2022 quando voltaremos a discutir um orçamento em outubro de 2022. Pode ser um lapso meu, e se for aqui me penitencio: não faz parte do acervo de propostas do PSD durante a campanha eleitoral. É uma certa forma de fazer de oposição.
Não tenho a certeza, mas no caso de baixar temporariamente o IVA da restauração para 6% sei que estava. O PS fê-lo em 2015 para 13%…
Contra o PSD…
Certo. Para ajudar o setor da restauração. Mas agora aceitaria?
Essa é, mais uma vez, uma forma de fazer oposição.
Neste caso, é uma promessa eleitoral do PSD.
O PSD foi sempre sistematicamente contra a descida do IVA da restauração.
Mas esta é temporária. A do PS era estrutural.
Temporária até quando? As reduções temporárias dessa natureza devem ser avaliadas com muito rigor. Temos um aumento muito substantivo do turismo. É este o momento para fazer uma redução temporária do IVA para 6%? Qual é o gestor ou economista que, perante uma subida tão substantiva da procura, naquele que é um imposto indireto… Que sentido é que esta proposta faz? Que sentido é que um partido que foi sempre contra a descida do IVA da restauração em maio de 2022? Lamento, mas é uma forma de fazer oposição que eu não compreendo.
Já disse que não a um aumento intercalar do salário mínimo proposto pelo Bloco. Há outras propostas como a redução para 6% do IVA da eletricidade e a taxa de 25% sobre os lucros acrescidos na energia. Admite?
O meu compromisso não foi dizer que aprovava todas as propostas.
Disse que olharíamos com cuidado para as propostas dos outros partidos. Agora não vão obrigar o PS a votar a favor de propostas que considera que são negativas.
Claro, mas aprova alguma?
Disse que olharíamos com cuidado para as propostas dos outros partidos. Agora não vão obrigar o PS a votar a favor de propostas que considera que são negativas.
Em relação ao PCP, caiu definitivamente a hipótese de o Estado entrar no capital dos CTT? Chegou a ser ponderado em Orçamentos anteriores.
Não me parece que seja uma questão para discutir nesta fase. A discussão deste Orçamento é muito marcada por dois eventos: o facto de ter sido discutido em outubro de 2022 e por ter sido o orçamento que o PS apresentou aos portugueses. Provavelmente nunca tivemos um orçamento tão sufragado diretamente como este. São condicionantes políticos que nos obrigam a dizer que o PS tem um compromisso eleitoral reforçado que deve cumprir.
Parece que pelas suas respostas, o PS, tendo o poder de viabilizar, na prática não vai aprovar nada. Em que ficamos?
Eu não disse isso. Eu não disse que não viabilizava essas em concreto. Estamos a analisar e essas propostas estão a ser analisadas. Temos de olhar com muita atenção. Há questões que para nós são importantes como a trajetória de diminuição do défice. A diminuição do rácio da dívida no PIB.
Só admitem propostas com impacto neutro, é isso?
Temos de ver como é que essas propostas podem ser viabilizadas neste cenário. A nossa abertura para análise mantém-se. São 1.500 propostas. São muitas e apenas cerca de 55 são do PS. Temos mais de 1.400 para analisar com cuidado.
O OE2023 será o primeiro a ser construído de raiz pelo PS com maioria absoluta. O que podem esperar os portugueses?
Será um orçamento em que vamos olhar para a implementação do PRR como um elemento decisivo para continuar a aumentar o investimento público. De lançamento do PT2030 como reforço do investimento público. É esperado que, do ponto de vista dos funcionários públicos, quer o descongelamento das carreiras quer uma sinalização em torno do aumento geral de salários possa voltar a ocorrer. Não voltaremos ao congelamento de salários.
Mas o descongelamento já foi feito…
Felizmente e é para manter. Não voltemos aos malfadados tempos de congelamento de salários na função pública. E um Orçamento em que as políticas sociais possam continuar: prosseguir nas creches e em que as nossas políticas da habitação a preços controlados possam prosseguir. Espero um Orçamento de convergência com a UE mais uma vez, com uma trajetória descendente do peso da dívida…
Não falou das pensões. Com uma atualização extraordinária das pensões?
Extraordinária? Com uma atualização das pensões.
Extraordinária no sentido em que nos outros anos o PS fez sempre uma subida de 10 euros para os que não chegavam lá.
Penso que o Governo já tornou público que manterá a fórmula de atualização das pensões, o que é um passo importante e que levará um aumento muito considerável das pensões. Só o Governo poderá falar. A sinalização de que as pensões subirão de acordo com a fórmula é para os pensionistas uma boa notícia.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Ter mais tempo” para executar PRR “poderia ser útil”, admite Eurico Brilhante Dias
{{ noCommentsLabel }}