Portugal resiste à crise do gás para gerar eletricidade sem ajuda do carvão. Preços são o problema

O abastecimento de gás natural, que tem sido uma questão para países mais dependentes do fornecimento russo, não parece estar em causa, para já, para Portugal, dizem a Endesa e a EDP.

Os CEO da EDP e da Endesa – as duas empresas com maior quota no mercado liberalizado -indicam que, apesar dos cortes que a Rússia tem aplicado no gás que fornece à Europa, Portugal não deverá ter dificuldades no abastecimento desta fonte de energia e não deverá ser necessário voltar a recorrer ao carvão para gerar eletricidade, ao contrário do que tem vindo a ser decidido noutros países europeus. Por cá, são os preços que podem tornar-se um problema.

Na Península Ibérica não temos um problema com gás russo. [Na EDP] temos contratos de longo prazo, um com Trinidade e Tobago, outro com os Estados Unidos. Aqui [na Península Ibérica], o que temos é um tema de preço [do gás]”, afirmou Miguel Stilwell de Andrade, à margem do evento Business4Ocean, na passada sexta-feira. Em declarações enviadas pela elétrica, a EDP deu conta ao ECO/Capital Verde que, até à semana que terminou a 23 de julho, não notava “perturbações significativas no abastecimento e na atividade de produção de energia a partir de gás natural”.

Por seu lado, o CEO da Endesa, Nuno Ribeiro da Silva, indica que “a Península Ibérica tem uma situação mais facilitada do que tem a Europa do Norte e Central, porque os abastecimentos são diversificados e assentes sobretudo em gás liquefeito que vem por navios de qualquer parte do mundo” e que em Portugal não está a sentir dificuldade acrescida no abastecimento de gás.

Há que separar dois aspetos: uma coisa é dizer que não há gás natural, fisicamente. Isto não se coloca. Outro aspeto é o preço. Aí, de facto, qualquer acontecimento que venha dramatizar o mercado puxa para cima os valores.

Nuno Ribeiro da Silva

CEO da Endesa em Portugal

“A necessidade aguça o engenho”, introduz Nuno Ribeiro da Silva, para explicar que, à falta de melhores ligações energéticas com a Europa, a Península Ibérica acabou por construir mais terminais onde devolver ao gás liquefeito a forma gasosa, por comparação com a Alemanha e outros países europeus, que recebem sobretudo gás através de gasoduto, aumentando a dependência da Rússia. O líder da energética reconhece que obter o gás na forma líquida implica uma logística mais cara por oposição à forma gasosa, “o que não deixa de ser relevante mas é um problema menor no meio da tensão”.

E esta tensão nota-se, sobretudo, nos preços. “Há que separar dois aspetos: uma coisa é dizer que não há gás natural, fisicamente. Isto não se coloca. Outro aspeto é o preço. Aí, de facto, qualquer acontecimento que venha dramatizar o mercado puxa para cima os valores” – as sanções da Rússia à Europa, mas também o comportamento da China (cujas necessidades oscilam consoante o impacto da pandemia no país), ou outros eventos como disrupções na oferta devido a incêndios ou problemas técnicos nas infraestruturas.

Os preços dos contratos que são referência para a Europa, os holandeses TTF, estão esta segunda-feira a subir cerca de 6% para 157 euros por megawatt-hora (MWh), em valores equivalentes aos do início de março, altura em que estes contratos chegaram a bater um recorde, ao superar os 200 euros por MWh.

De forma a aliviar o fardo destes preços no mercado grossista – onde produtores (que podem utilizar o gás para gerar energia) vendem a eletricidade aos comercializadores – os governos português e espanhol obtiveram o aval da Comissão Europeia para implementar um mecanismo de desconto nos preços do gás natural. Na primeira semana de aplicação, o primeiro-ministro português, António Costa, afirmou que a medida permitiu uma redução de 10% do preço que seria pago se a mesma não estivesse em funcionamento, tendo o preço pago pela eletricidade no mercado grossista registado uma redução média de 26 euros por megawatt-hora.

Sobre esta medida, o CEO da EDP comentou que estaria a “cumprir” o objetivo para o qual foi desenhada, afirmando contudo que esta tem implícita uma distorção do mercado.

Regresso ao carvão dispensado em Portugal, mas “compreensível” noutros países

Em Portugal não há de facto qualquer necessidade de usar as antigas centrais a carvão, que, como se sabe, já estão todas paradas. Mesmo na situação em que vivemos [de pressão sobre o mercado de gás]”, defende o CEO da Endesa. O próprio governo português já reafirmou, em declarações ao ECO/Capital Verde, que não tenciona reativar centrais a carvão.

Na Península Ibérica, refere, as centrais a gás têm uma utilização ainda significativamente abaixo da capacidade que está instalada. Em Portugal, em maio, a utilização das várias centrais foi de apenas 37,7%, o que dá uma “boa margem” para, se for necessário, usá-las mais intensamente, considera Ribeiro da Silva.

No caso dos países que tomaram a decisão de usar o carvão como alternativa face aos cortes no gás operados pela Rússia, como a Alemanha, Áustria, Holanda e Itália, a dependência do gás russo é muito superior à de Portugal e Espanha, e “ainda tinham um grande peso das centrais a carvão, na maior parte dos casos estas ainda estavam a funcionar”, explica Nuno Ribeiro da Silva. A Alemanha, por exemplo, ainda tinha 30% da produção de eletricidade dependente do carvão.

“No nosso entender, se [o recurso ao carvão] for efetivamente uma solução temporária ela é compreensível”, indica o presidente da Zero, Francisco Ferreira, sublinhando que, apesar de regressar ao carvão, a Alemanha mantém para já o objetivo de deixar de recorrer a esta tecnologia até 2030.

Na sua ótica, a maior preocupação é a assinatura de contratos de longo prazo com outros países que também apresentam questões geopolíticas, determinando um maior compromisso com combustíveis fósseis para as próximas décadas. Ou, ainda, o avanço de investimentos ociosos em infraestrutura de gás, “que depois vão ter de ser utilizadas para remunerar esses investimentos”.

Ambiente sofre, mas dá para dar a volta por cima

Passar a substituir geração elétrica a gás natural para usar carvão tem impacto negativo sobre o clima e os objetivos de descarbonização, concorda o CEO da Endesa com o presidente da Zero, Francisco Ferreira.

No entanto, “se no imediato esta situação leva a que tenhamos que recorrer a soluções temporárias e de emergência que não ajudam aos objetivos da descarbonização, por outro lado põe imensa pressão para acelerar estes objetivos”, ao acentuar a necessidade de independência energética que deverá ser obtida com o aumento do uso de fontes renováveis, indica Nuno Ribeiro da Silva.

Os caminhos apontados por ambos estes líderes são a aceleração do investimento em renováveis e o aumento da aposta na eficiência energética – que pode também ser obtida através de um uso mais controlado da energia.

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