Greenwashing faz soar alarmes lá fora mas (ainda) não em Portugal

Tanto na Europa como nos Estados Unidos surgem investigações sobre a legitimidade do rótulo verde que é dado a produtos financeiros. Em Portugal, este passo ainda não foi dado.

Nos últimos meses, tanto nos Estados Unidos como na Europa, foram dadas a conhecer investigações sobre a prática de greenwashing – rotular produtos como sustentáveis sem de facto o serem, neste caso, produtos financeiros. As investigações visaram instituições como o DWS e o BNY Mellon Investment Adviser. Acontecimentos que estão relacionados com a imaturidade das finanças sustentáveis, apontam os especialistas. Em Portugal, para já, não há investigações a decorrerem, informa o regulador, em declarações ao ECO/Capital Verde.

“Até ao momento, não se justificou a condução, por parte da CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários], de uma investigação específica sobre a legitimidade do rótulo ESG [sigla referente a critérios ambientais, sociais e de governança] nos produtos financeiros comercializados em Portugal”, indica o regulador, sem pôr de parte que, “quando se justificar, a CMVM utilizará os meios de que dispõe para identificar condutas que possam desafiar a legitimidade do rótulo ESG”.

Estas afirmações foram feitas já depois de, no último dia de maio, o DWS, o braço de investimento do Deutsche Bank, ter estado debaixo de holofotes: os escritórios de ambas as instituições foram escrutinados pela polícia alemã na sequência de acusações de greenwashing.

O ministério público alemão afirmou, de acordo com o Financial Times que “depois de uma análise, emergiram provas factuais suficientes em como, ao contrário das declarações feitas nos prospetos dos fundos da DWS, os fatores de governança, ambientais e sociais [ESG na sigla em inglês] (…) não foram sequer tomados em conta num grande número de investimentos”.

Também em maio, o regulador norte-americano dos mercados, a Securities and Exchange Comission (SEC), multou a unidade de investimentos do Bank of New York Mellon, que aceitou pagar 1,5 milhões de dólares, com base numa acusação semelhante. Entre julho de 2018 e setembro de 2021, o BNY Mellon Investment Adviser, “afirmou ou deixou subentendido em várias declarações que os investimentos dos seus fundos passavam por um teste de qualidade ESG, apesar de não ser sempre esse o caso”, explicou o regulador, através de um comunicado publicado no respetivo site.

De acordo com a Bloomberg, desde que foi nomeado, em 2021, o novo presidente da SEC, Gary Gensler, o regulador norte-americano tem pedido aos gestores para explicar os critérios que usam para classificar ativos e fundos como ESG. Quando é detetada uma potencial falha na conduta, abre-se uma investigação mais aprofundada.

“É um cenário que pode acontecer em qualquer parte, incluindo em Portugal. Agora que surgiu este precedente, com a investigação de um grande fundo detido pelo gigante Deutsche Bank, as instituições financeiras que trabalham na área ver-se-ão na obrigação de serem mais honestas na utilização do ESG, sabendo que se o fizerem apenas como um exercício de marketing – o chamado greenwashing – poderão vir a sofrer consequências sérias”, defende o diretor executivo da ActivTrades Europe, Ricardo Evangelista.

Em março deste ano, a CMVM publicou a primeira edição do Relatório de Supervisão sobre Fatores de Sustentabilidade nos Emitentes Cotados, que deverá ter nova edição em 2023. Neste primeiro relatório, indica que “o risco de greenwashing/ socialwashing/ESG-washing tem vindo a ser identificado como um risco relevante” no âmbito das emissões de dívida sustentável. Para o regulador, a capacidade para escrutinar a informação prestada pelos emitentes a propósito destes produtos, “carece ainda de melhoria”. Já no que diz respeito às demonstrações não financeiras, a CMVM indica que “existem oportunidades de melhoria quanto à compreensibilidade e clareza da informação” e considera que os emitentes devem clarificar o impacto que têm nos domínios ambientais e sociais.

Regulação ambígua por detrás dos alarmes

A razão para estarem a soar tantos alarmes é relativamente unânime: ainda não é fácil fazer uma classificação criteriosa dos ativos no que toca à sustentabilidade.

“Estamos realmente apenas no início de um ciclo, porque não houve regulação adequada entre o momento presente e o momento em que os gestores de ativos começaram a promover os fundos ESG. Mesmo enquanto surge cada vez mais regulação, ainda há incerteza sobre quais são os padrões, e esse tipo de incerteza é um solo fértil para a litigância”, diz Fiona Huntriss, sócia da firma jurídica Pallas, em declarações à Bloomberg.

“É subjetivo e fácil de se aproveitar a área cinzenta que define ou não o quão sustentável é, ou aparenta ser, uma empresa”, defende o diretor-geral da XTB Portugal, Eduardo Silva. O mesmo descreve as medidas internacionais de comparação como “difíceis de medir e fiscalizar”.

A ActiveTrades entende que “o problema com a identificação do greenwashing é que os critérios ESG são em si mesmos algo vagos”, pelo que “uma codificação mais clara dos critérios ESG também contribuirá para reduzir ambiguidades”, além de ver como útil “uma maior transparência na descrição da composição dos veículos de investimento”.

França estabeleceu recentemente um protocolo para desenvolver em conjunto com a Bloomberg uma base de dados que permita controlar e medir “de forma mais séria” o nível de compromisso assumido e a realidade implementada pelas empresas, relata Eduardo Silva. Ser certificado por organizações acreditadas é também “fundamental para salvaguardar o empenho ‘verde’ da empresa”, indica o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Rosa.

Em Portugal, a CMVM enviou em dezembro do ano passado uma circular aos seus supervisionados (emitentes, fundos de investimento e intermediários financeiros) para comunicar as expectativas e reforçar a previsibilidade quanto à abordagem em matéria de finanças sustentáveis durante o ano de 2022. Nela, o regulador destaca a importância da qualidade da informação prestada e a utilização de uma linguagem comum por parte de empresas e investidores.

O que está a ser feito nas instituições em Portugal

Na BPI Gestão de Ativos não existe uma categoria segregada de “produtos financeiros ESG”, explica a casa de investimento. No entanto, esta aderiu, em 2019, aos Princípios para o Investimento Responsável das Nações Unidas (UN PRI, na sigla em inglês) e organizou a sua oferta de fundos de acordo com o SFDR, um regulamento europeu relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros. Na avaliação de um ativo, a instituição tem em conta a informação não financeira prestada pelas entidades em que os fundos investem, ou recolhida pela sociedade gestora, quer em fontes públicas, quer ainda através de diferentes fornecedores especializados nestas matérias. Esta avaliação incorpora não só a exposição das entidades aos riscos de sustentabilidade, como também a gestão que as entidades fazem dos mesmos. “Consideramos que estamos a dar uma resposta adequada ao quadro normativo atualmente em vigor e continuaremos a desenvolver os esforços necessários para dar resposta a desenvolvimentos futuros deste quadro”, conclui fonte oficial.

o Santander tem uma metodologia própria que lhe permite categorizar os diversos produtos no âmbito do investimento sustentável. Tem vindo a ser desenvolvida nos últimos tempos, com vista a dar resposta às novas exigências regulatórias no seio da União Europeia, e “certamente continuará a evoluir no futuro, de modo a acompanhar o mercado e a regulamentação”, indica a instituição.

“No Millennium BCP temos tolerância-zero para o greenwashing, mesmo que tal posicionamento implique atrasar pontualmente o alargamento da oferta ESG”, garante a instituição. No BCP, os produtos ESG são escrutinados pelo Comité de Sustentabilidade e têm que contribuir, “de forma clara”, para um objetivo de sustentabilidade, informa o banco. Alguns produtos, como o crédito de habitação verde, estão alinhados com a Taxonomia ambiental da UE. Outros, não estando alinhados com a taxonomia, cumprem critérios como a redução da pegada carbónica. Disto são exemplo os empréstimos de promoção da mobilidade elétrica ou das energias renováveis, para particulares e empresas. “O banco tem vindo a densificar os processos de controlo de todos as matérias ESG, em sintonia com os desenvolvimentos regulamentares em curso, garantindo o cumprimento das recomendações da supervisão e as melhores práticas do mercado”, indica, finalmente, fonte oficial.

E os investidores, como podem proteger-se?

O investidor deve assegurar, antes de efetuar qualquer investimento, que a informação que lhe é fornecida é clara, eficaz e compreensível, aconselha a CMVM. Caso não compreenda parte ou a totalidade da informação disponibilizada deve procurar esclarecimentos junto da entidade comercializadora e, se ainda assim, persistirem dúvidas, não deve avançar com o investimento, indica o regulador.

A ActivTrades recomenda que qualquer investidor, a retalho ou institucional, não se limite a ler o prospeto, insistindo na obtenção de uma descrição mais detalhada dos investimentos. “A melhor forma de se precaver contra o greenwashing será através de uma análise cuidada da forma como é feita a gestão dos fundos”, afirma Eduardo Silva.

Paulo Rosa, do Banco Carregosa, alerta que faz sentido olhar às participações de um fundo e questionar-se sobre as mesmas. Por exemplo, se o fundo incluir uma petrolífera, pode ser um sinal de alarme, mas pode, também, ter uma justificação: esta pode estar no caminho de uma gradual alteração para as energias renováveis ou ter-se destacado nas categorias “Social” e “Governança”.

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