Inflação “consome” até 30% do apoio ao investimento da Bosch em Aveiro

Grupo alemão admite “risco real” de consórcio perder quase um terço dos 56 milhões de euros financiados pelo PRR, devido à inflação. Projeto no setor da climatização vai criar 1.300 empregos até 2025.

A Bosch lidera um dos primeiros megaprojetos de investimento a receber financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português, no âmbito das chamadas Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial. Numa parceria com a Universidade de Aveiro, entre outras entidades do sistema científico e 22 empresas nacionais, como a Revigrés, o ILLIANCE está direcionado para a transição energética do setor da climatização e prevê um investimento total de 143 milhões de euros.

No entanto, a multinacional de origem alemã reconhece ao ECO que no atual cenário de inflação galopante – um tema que surgiu ainda com mais força nos últimos meses, já depois de o consórcio ter apresentado a primeira candidatura, no último trimestre do ano passado, e definido o objeto e o valor do investimento –, “é previsível que o aumento generalizado dos custos afete o projeto”, ao nível da afetação de recursos.

“Na prática, o esforço das entidades empresariais terá de ser maior, uma vez que no pior cenário podemos estar a falar deste fenómeno inflacionista consumir até 30% do apoio financeiro. A Bosch está a criar planos de contingência de forma a fazer face a esta contrariedade, mas é um risco real”, declara Nelson Ferreira, responsável por este projeto na unidade aveirense de termotecnologia, que promete criar cerca de 1.300 postos de trabalho altamente qualificados.

No pior cenário podemos estar a falar deste fenómeno inflacionista consumir até 30% do apoio financeiro. A Bosch está a criar planos de contingência de forma a fazer face a esta contrariedade, mas é um risco real.

Nelson Ferreira

Responsável pelo projeto ILLIANCE

O gestor avança que o valor financiado ao abrigo do PRR ascende a 56 milhões de euros, sendo “desbloqueados cerca de 10% com a assinatura do contrato” com o Estado, a distribuir pelos parceiros do consórcio. Foi concretizada a 23 de julho numa sessão no Museu da Eletricidade, em Lisboa, que contou com a participação do primeiro-ministro, António Costa, e que contemplou outros 12 projetos dos setores agroalimentar, da biotecnologia ou mobilidade elétrica, num investimento global de 1,3 mil milhões de euros, segundo contas do IAPMEI.

Nelson Ferreira, responsável internacional pela área da Indústria 4.0 na Bosch Termotecnologia

Organizado em três pilares – melhoria da competitividade dos processos industriais; preparação da transição energética através da eletrificação e do hidrogénio; promoção da economia circular –, este projeto para três anos tem data de conclusão prevista para 2025. Nelson Ferreira, que é o responsável internacional pela área da Indústria 4.0 na Bosch Termotecnologia, antecipa que dele vão resultar cerca de 85 novos produtos, tanto para uso privado como comercial.

“Para responder aos desafios de caráter ambiental, económico e social, os parceiros pretendem com o projeto ILLIANCE alcançar um impacto positivo no conforto, sustentabilidade e eficiência dos edifícios, através do desenvolvimento de produtos e soluções inovadoras que passam por tecnologias de refrigeração, bombas de calor, automação e robótica, AGV [veículos auto guiados], tecnologias avançadas de combustão híbrida, IoT [Internet das Coisas], sistemas de armazenamento e tanques híbridos elétricos, entre outras tecnologias-chave”, resume o consórcio.

Mais 7 milhões para produção, I&D e logística

O valor financiado neste projeto, conforme consta da candidatura apresentada ao PRR, é de 136 milhões de euros. Porém, o grupo liderado em Portugal por Carlos Ribas, que quer contratar mais de 1.100 pessoas em 2023, conseguiu, entretanto, atrair para a fábrica de Aveiro um investimento adicional a rondar os sete milhões de euros – “ainda relacionado com o tema das bombas de calor” –, o que ampliou para 143 milhões de euros o montante total a aplicar.

Segundo Nelson Ferreira, com este valor extra a suportar pela Bosch Termotecnologia e que conseguiu atrair no grupo, “fruto da vantagem competitiva que o PRR permite alcançar”, vai adicionar ao projeto linhas de produção de componentes e bombas de calor, laboratórios de investigação e desenvolvimento (I&D) e um novo centro logístico. E, completa o responsável, vai consolidar o estatuto desta unidade da Bosch “enquanto grande fabricante de bombas de calor”.

Bomba de calor fabricada pela Bosch Termotecnologia, em Aveiro

Além do fornecer soluções de água quente através de esquentadores (elétricos e a gás), caldeiras e bombas de calor, a partir de Aveiro, o grupo conta também com fábricas em Braga (soluções de mobilidade para o setor automóvel) e em Ovar (tecnologias de videovigilância, intrusão e comunicação). Em 2021, as vendas da Bosch Portugal aumentaram 5%, para 1,7 mil milhões de euros, com as exportações para mais de 50 países a valerem 97% das receitas.

Dez consórcios ainda à espera de resposta

Quase 80% dos megaprojetos de investimento afastados da fase de negociação contestam a exclusão do PRR. É o caso dos consórcios liderados pela filial da também germânica Continental Advanced Antenna (Vila Real), pela biotecnológica Immunethep na área das vacinas (Cantanhede), pela construtora Casais para a indústria sustentável (Braga), pela lisboeta Mediceus no setor da saúde digital, ou da Void Software de Leiria, que se propõe “descentralizar Portugal com blockchain”.

O Governo promete dar uma resposta rápida a estas dez reclamações, para poder libertar o financiamento da chamada “bazuca” europeia. Fonte oficial do Ministério da Economia, tutelado por António Costa Silva, indicou ao ECO que “o processo de análise das reclamações será concluído o quanto antes, de modo a permitir que eventuais agendas reclassificadas possam iniciar o processo negocial e formalizar contrato”.

Dos 64 consórcios que passaram a primeira fase, o júri internacional já selecionou 51, abrangendo um total de 1.226 entidades, incluindo 933 empresas (60% das quais PME) e 111 entidades do ensino superior e do sistema científico ou tecnológico. O Executivo socialista estima que as Agendas Mobilizadoras, que têm subjacente uma proposta de investimento de 7,5 mil milhões de euros, vão receber três mil milhões em apoios públicos.

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