Atraso tecnológico da Europa é uma “crise em câmara lenta”, alerta McKinsey

Europa está atrasada em oito das dez principais tecnologias que estão a transformar os negócios. Menor crescimento retirará recursos para a transição energética e políticas sociais.

A Europa está a perder o comboio do desenvolvimento tecnológico para outras regiões, ameaçando o seu crescimento e deixando vulnerável a sua economia, aponta o relatório “Securing Europe’s Competitiveness”, do McKinsey Global Institute. O fosso poderá retirar entre dois e quatro biliões de euros de valor acrescentado às empresas até 2040, o equivalente a metade do crescimento projetado para o PIB.

A Europa está a atravessar uma crise em câmara lenta, mas cada vez mais visível, centrada nas capacidades tecnológicas da região e na competitividade das suas empresas. Uma crise que requer atenção se a Europa pretende acelerar o seu crescimento, combater o espetro da estagflação, financiar investimentos na sustentabilidade e inclusão, e manter a sua autonomia estratégica”, aponta o relatório.

Primeiro a competitividade. Ainda que várias multinacionais de dimensão global tenham sede na Europa, de forma agregada o desempenho é “dececionante”. Uma análise da consultora norte-americana a cerca de 2.200 empresas de todo o mundo com receitas acima de mil milhões de dólares revela que as companhias europeias foram 20% menos lucrativas que as dos Estados Unidos entre 2014 e 2019. O ritmo de crescimento das receitas na Europa é também 40% mais lento, as empresas investiram menos 8% e os montantes aplicados em investigação e desenvolvimento (I&D) foram 41% inferiores.

O maior fosso é observável nas empresas de tecnologia. A análise do McKinsey Global Institute conclui que o setor é responsável por 90% da diferença na rentabilidade dos capitais próprios, 60% nas receitas e 70% nas despesas em I&D. Se o primeiro critério reflete a posição de mercado das tecnológicas norte-americanas e o seu poder para determinar preços, “o fosso no crescimento das receitas e na I&D claramente não são sustentáveis para a Europa”, considera o relatório.

Este subinvestimento resulta num atraso relativo em tecnologias transversais a vários setores consideradas essenciais para a competitividade futura e a prosperidade do continente. O estudo compara a Europa com a melhor região no que toca à inovação, produção e adoção de vários desenvolvimentos tecnológicos e só em dois o Velho Continente está a par ou acima: energias limpas e materiais de nova geração, respetivamente.

Nas restantes, a Europa deixou-se ficar para trás, sendo os exemplos mais notórios o “futuro da programação”, onde se inclui o software 2.0 e a programação low-code e no-code, e a inteligência artificial aplicada. Automação avançada, rede 5G, cloud e edge computing, revolução biológica e arquitetura de confiança (blockchain e cibersegurança) são as outras áreas onde é identificado um atraso.

Liderança no setor automóvel ameaçada?

“A tecnologia está agora a entrar em todos os setores através de tecnologias transversais como a inteligência artificial, a computação quântica e a cloud. Se a Europa não for bem-sucedida em competir nestas tecnologias, pode perder o domínio nas indústrias tradicionais. Para dar apenas um exemplo, a Europa tem sido líder na indústria automóvel mas poderá ficar para trás na condução autónoma“. Se em 2018 cinco dos dez carros premium mais vendidos nos EUA eram europeus, no ano passado só três dos dez carros elétricos mais vendidos tinham atravessado o Atlântico.

O estudo aponta outros exemplos. Enquanto nos EUA o investimento do capital de risco na robótica e automação somou 5.000 milhões de dólares entre 2015 e 2020, na Europa foi apenas um quinto daquele montante. Na rede 5G, as previsões apontam para uma taxa de penetração de 67% na China até 2024, enquanto a Europa se ficará por 35%. Na Europa, 42% das empresas adotaram pelo menos uma tecnologia de inteligência artificial em 2021. Na China, a percentagem chegou aos 73%.

O menor crescimento pode, além disso, enfraquecer a inclusão ao limitar a base dos fundos para programas sociais. Finalmente, pode também comprometer a autonomia estratégica da Europa em termos económicos e geopolíticos, num mundo cada vez mais polarizado.

Relatório Securing Europe’s competitiveness

McKinsey Global Institute

O estudo da consultora estima que as empresas europeias possam perder entre dois a quatro biliões de euros em valor acrescentado por ano até 2040. O que seria equivalente a cerca de metade do crescimento previsto para o PIB até àquele ano, seis vezes o montante de investimento necessário para atingir a neutralidade carbónica até 2050 e 90% de toda a despesa social num ano. Mais pungente ainda: permitiria pagar um rendimento universal de 500 euros por mês a cada europeu.

Se crescer menos, o continente terá maior dificuldade em fazer a transição energética ou suportar os encargos do Estado Social. “Ainda que os europeus argumentem que um menor crescimento é necessário para atingir a neutralidade carbónica, o crescimento reforça a confiança e cria um clima de investimento saudável, bem como as fontes de receita que são necessárias para pagar a transição energética. O menor crescimento pode, além disso, enfraquecer a inclusão ao limitar a base dos fundos para programas sociais. Finalmente, pode também comprometer a autonomia estratégica da Europa em termos económicos e geopolíticos, num mundo cada vez mais polarizado”, alerta o relatório.

Constrangimentos que a Europa tem de resolver

O McKinsey Global Institute defende que a Europa necessita de resolver uma série de constrangimentos que emperram a sua capacidade de competir perante a crescente disrupção e as dinâmicas em que o vencedor leva quase tudo. Mercados de trabalho inflexíveis, atraso na infraestrutura digital e um ambiente subótimo para atrair talento tecnológico e empreendedor, são os destacados.

O relatório aponta ainda quatro desafios. O primeiro é a fragmentação. Uma startup na União Europeia consegue aceder a um mercado aproximado ao dos EUA se estiver nos 27 Estados-membros, mas estes têm 24 línguas oficiais e regulamentações distintas.

Muita da inovação está hoje concentrada no digital e a presença de grandes empresas com grandes quantidades de dados e uma maior rede de utilizadores permite implementar inovações mais depressa.

Relatório Securing Europe’s competitiveness

McKinsey Global Institute

Outro desafio é a falta de ecossistemas tecnológicos dinâmicos e mais desenvolvidos. “Muita da inovação está hoje concentrada no digital e a presença de grandes empresas com grandes quantidades de dados e uma maior rede de utilizadores permite implementar inovações mais depressa”, exemplifica o estudo. A Europa também não dispõe de um cluster tecnológico da dimensão de Silicon Valley, nos EUA, ou de Shenzhen, na China. Paris é o único centro europeu no top 10 mundial de patentes.

Com uma estrutura de mercado de capitais mais conservadora, as startups e empresas europeias têm menos acesso a capital de risco (2,8 vezes menos que nos EUA, em 2021). Por último, a Europa precisa de uma regulação desenhada de forma a permitir decisões rápidas, agilidade e inovação, sustenta o estudo.

“Enfrentar o atraso tecnológico e empresarial em relação a outras regiões irá exigir que os líderes europeus demonstrem a mesma determinação e colaboração que demonstraram na resposta à pandemia e na resposta inicial à invasão da Ucrânia”, defendem os autores do relatório.

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