Cláusulas de sustentabilidade nos contratos comerciais: conseguiremos fazer delas cláusulas “como as outras”?
Estamos ainda longe de alcançar os níveis ideais – aceitáveis? – de desenvolvimento legislativo nestas matérias, desde logo em função da difusão, desorganização e falta de vinculatividade.
Quando, em 2013, uma das maiores fábricas do Bangladesh, vistoriada dias antes, colapsou – naquele que ficou conhecido como “o desastre do Rana Plaza” -, provocando a morte de mais de 1.100 operários que fabricavam vestuário para grandes multinacionais como a Benetton, Primark ou H&M, estes grupos foram chamados a justificar a razão pela qual um desastre desta natureza tinha acontecido em fábricas incluídas nas suas cadeias de produção. Consta que estas multinacionais se terão escudado na subcontratação incontrolada por parte dos seus fornecedores diretos, em violação das cláusulas de responsabilidade social corporativa (corporate social responsability ou CSR) previstas nos contratos por si celebrados. A pergunta que se colocou a seguir tem, ainda hoje, um alcance que extravasa largamente o sector têxtil: como é possível que fornecedores, diretos ou subcontratados, aprovados por estas multinacionais ou pelos seus fornecedores primários e vinculados a cláusulas de CSR, assumem o risco de violar obrigações contratuais por si assumidas perante as multinacionais que são o garante da sua sobrevivência?
Praticamente uma década depois, e numa altura em que o tema da sustentabilidade está na ordem do dia nos cinco continentes, através da promoção de políticas, critérios e regras ESG, estamos ainda longe de alcançar os níveis ideais – aceitáveis? – de desenvolvimento legislativo nestas matérias, desde logo em função da difusão, desorganização e falta de vinculatividade da maioria dos instrumentos existentes. Assim, no domínio dos contratos comerciais, cabe ainda – e cada vez mais – às partes estabelecer nos seus contratos as obrigações relacionadas com as temáticas da sustentabilidade a observar no âmbito das suas relações comerciais pelos vários intervenientes das cadeias de fornecimento e produção.
Em traços genéricos, as cláusulas de CSR remetem comummente para dois tipos de instrumentos: políticas internas dos contratantes, tipicamente o adquirente dos bens ou serviços (e.g., códigos de conduta, cartas de princípios ou códigos de ética) e/ou instrumentos externos (p.e., as convenções da Organização Internacional do Trabalho, o Global Compact da ONU, os guidelines da OCDE, entre outros). Na prática, pretende-se que a integração destes standards ou instrumentos nos contratos comerciais lhes confira a vinculatividade que de outra forma não teriam.
No que se refere ao conteúdo das cláusulas de CSR, é possível tipificar um conjunto de dificuldades práticas relacionadas com o seu âmbito objetivo, a monitorização do cumprimento das obrigações delas emergentes, as consequências do respetivo incumprimento e os concretos sujeitos a elas vinculados.
O grau de sofisticação e detalhe destas cláusulas está inerentemente ligada à dimensão das partes (em especial, do adquirente dos bens ou serviços) e à sua afinidade com os temas ligados à sustentabilidade e, bem assim, com as indústrias em que operam. Num mundo ideal, estas cláusulas terão de passar a ser vistas como qualquer outra cláusula que estabeleça termos comerciais, devendo (i) prever objetivos claros e concisos (ao invés de identificar – apenas – princípios gerais), (ii) estabelecer mecanismos regulares de monitorização do cumprimento a realizar por terceiros (enquanto obrigação de resultado), (iii) prever as consequências em caso de incumprimento e o procedimento aplicável após a identificação de uma situação de incumprimento e, ainda (iv) garantir que o âmbito objetivo, os mecanismos de monitorização e as consequências do eventual incumprimento são replicadas ao longo da cadeia de fornecimento e produção, em termos idênticos aos aplicáveis entre o adquirente dos bens ou serviços e o fornecedor principal com quem aquele contrata diretamente.
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