Os EUA já não controlam o livro de endereços da internet
Apesar das críticas à cedência do controlo do registo de "moradas" da web a um consórcio global - incluindo por parte do candidato à Casa Branca Donald Trump - agora a internet é de todos.
Sem que os milhões de utilizadores que se encontravam online nesse momento se apercebessem disso, recentemente aconteceu uma mudança fundamental no funcionamento da internet como a conhecemos. No que é o passo final de um processo que durou quase duas décadas, os Estados Unidos cederam oficialmente o controlo da base de dados que guarda os domínios de todas as páginas da Internet à ICANN, ou Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, uma organização independente da qual fazem parte governos, empresas e utilizadores individuais da internet.
A transição planeada desde 1998 aconteceu à meia-noite do dia 1 de outubro, quando expirou o contrato entre a ICANN e o governo norte-americano para a gestão da IANA, ou Internet Assigned Numbers Authority — a organização que, entre outras funções, regista e gere os endereços de IP, os domínios e os sistemas de numeração que gerem os protocolos da Internet. Os domínios, por exemplo, incluem os endereços necessários para encontrar a página web que se pretende visitar: www.google.pt é a página inicial do Google em português, tal como www.eco.pt é o endereço que, quando digitado, deve mostrar a página inicial do ECO.
"A inclusão de todas as vozes, incluindo empresas, académicos, peritos técnicos, a sociedade civil, os governos e muitos outros é a melhor forma de assegurar que a Internet de amanhã permanece tão livre, aberta e acessível como a Internet de hoje.”
Agora a IANA deixa de estar oficialmente sob a égide de um governo e passa para o controlo da ICANN, uma entidade do setor privado sem fins lucrativos e que tem como principais objetivos manter a concorrência, a liberdade e o desenvolvimento de políticas para a manutenção da internet.
“Esta transição foi prevista há 18 anos, mas foi o trabalho incansável da comunidade da Internet global, que desenhou a proposta final, que a tornou realidade”, disse um dos dirigentes da ICANN, Stephen D. Crocker, citado no comunicado que anunciou a transição oficial. “Esta comunidade (…) mostrou que um modelo de governança que se define pela inclusão de todas as vozes, incluindo empresas, académicos, peritos técnicos, a sociedade civil, os governos e muitos outros é a melhor forma de assegurar que a Internet de amanhã permanece tão livre, aberta e acessível como a Internet de hoje”. Mas nem todos têm sido a favor desta mudança.
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Porquê tanta controvérsia?
Desde o senador republicano Ted Cruz ao candidato à Casa Branca Donald Trump, é nos Estados Unidos que se concentram os opositores à transição do controlo da IANA para o ICANN. Numa tomada de posição que o jornal britânico The Guardian intitulou “uma curva mal dada na autoestrada da informação“, Ted Cruz apelou para que os Estados Unidos não abdicassem do órgão que organiza as “moradas” virtuais, sublinhando que, se o controlo fosse cedido a uma organização internacional, esta poderia não salvaguardar a independência da Internet contra regimes ditatoriais que a quisessem limitar.
A China, por exemplo, tem um controlo muito apertado sobre a internet no interior das suas fronteiras, bloqueando o acesso a muitos dos sites mais conhecidos, como o Google, o Facebook, o Twitter ou o do The New York Times. Cruz e outros detratores do controlo da Internet por uma organização global afirmam que o ICANN não consegue proteger a internet em geral da expansão do poderio de países ditatoriais como os Estados Unidos o fariam.
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Também Donald Trump se posicionou sobre o assunto, aproveitando para criticar a opositora na corrida à Casa Branca, Hillary Clinton, e o atual presidente Barack Obama. “Os republicanos no Congresso estão a liderar uma luta para salvar a internet esta semana, e precisam de toda a ajuda que o povo americano lhes possa dar para serem bem-sucedidos. Os democratas de Hillary Clinton estão a recusar-se a proteger os americanos ao não protegerem a Internet”, lê-se num comunicado divulgado no site da campanha de Trump. “A liberdade na Internet está agora em risco devido à intenção do Presidente [Barack Obama] de ceder o controlo aos interesses internacionais, incluindo os de países como a China e a Rússia, que têm um histórico longo de tentar impor a censura online“.
Nas semanas que precederam a transição, enquanto vários políticos do partido republicano dos Estados Unidos expressavam o seu desagrado, quatro procuradores-gerais de estados norte-americanos também optaram por apresentar injunções para tentar impedir a cedência de controlo da IANA, mas essas foram rejeitadas.
As preocupações dos republicanos dos EUA são consideradas infundadas por empresas como a Amazon, a Google, a Microsoft e a HP, assim como por grupos de direitos humanos que incluem a Human Rights Watch e a Freedom House — todos estes grupos expressaram o seu apoio à transição. “A parte genial da Internet é que não pertence a ninguém”, escreveu o colunista especializado em política externa David Ignatius no jornal Washington Post. “O sistema que existe agora parece mais seguro e provavelmente está mais bem protegido pela aliança global de cromos do IVANN do que por qualquer governo ou agência”.
As críticas de quem queria que a internet pertencesse para sempre aos Estados Unidos já não valem de nada, visto que a transição aconteceu: a internet é oficialmente de todos. E o ICANN apressa-se a sublinhar: “Depois da transição, os utilizadores da internet não vão notar quaisquer alterações na sua experiência”.
Editado por Paulo Moutinho.
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