Programa Garantir Cultura continua com atrasos no pagamento do valor total do apoio
Segundo o ministro da Cultura, "na componente Cultura, não há praticamente atrasos nenhuns". Porém, alguns empresários relataram à Lusa que ainda não receberam todas as tranches do apoio.
Cerca de um ano e meio depois de terem sido aprovados os projetos apoiados no subprograma do Garantir Cultura para o tecido empresarial, ainda há empresas com parte do valor que lhes foi atribuído por receber.
Com uma dotação total de 53 milhões de euros, o Garantir Cultura é um programa de apoio à criação e à programação artísticas, criado pelo Governo em contexto de pandemia e que foi dividido em dois subprogramas: um para empresas, gerido pelo COMPETE 2020 (sob alçada do Ministério da Economia) e com uma dotação de 30 milhões de euros, e um outro para entidades artísticas, gerido pelo GEPAC (sob alçada do Ministério da Cultura), e com uma dotação de 23 milhões de euros.
Os atrasos nos pagamentos no subprograma destinado a entidades artísticas já eram conhecidos, tendo o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, atualizado em julho numa audição parlamentar o número de projetos afetados. Nessa altura, o governante falou em 30 projetos cujos prazos de pagamento da segunda tranche ultrapassaram os trinta dias. A Lusa pediu uma nova atualização dos dados ao Ministério da Cultura, mas até ao momento não obteve resposta.
Entretanto, esta quarta-feira, o ministro da Cultura, à margem da apresentação da app Portugal Contemporary Art Guide, em Lisboa, afirmou que “na componente Cultura, não há praticamente atrasos nenhuns”. “Julgo que é próximo do zero. A parte da Economia tem estado a trabalhar para recuperar o atraso, não lhe consigo dizer o número exato”, afirmou, em resposta à agência Lusa.
De acordo com dados disponibilizados em 29 de julho, no site do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais, foram apoiados 1.095 projetos, com 21,8 milhões de euros.
Os atrasos nos pagamentos no subprograma dedicado ao tecido empresarial foram denunciados na semana passada, através de uma carta aberta da Associação Espetáculo – Agentes e Produtores Portugueses (AEAPP), dirigida ao ministro da Cultura.
Na carta, a AEAPP dava conta de que em 39 candidaturas ao Garantir Cultura, no subprograma para o tecido empresarial, de associados seus, “somente para duas é que já foram transferidos integralmente os montantes de apoio concedido, sendo certo que em alguns casos, o pagamento da segunda e terceira tranches está atrasada, entre seis a oito meses”. De acordo com Rafaela Ribas, da AEAPP, em declarações à Lusa, os dois associados que receberam as três tranches terminaram os projetos em junho do ano passado. “Foram os únicos [a receber as três tranches]”, reforçou.
Os pagamentos no subprograma para as entidades artísticas são feitos em duas tranches, de 50% cada uma, já os do tecido empresarial são feitos em três: a primeira é de 50%, a segunda de 35% e a terceira de 15% do valor do apoio concedido.
A lista de projetos apoiados no subprograma para o tecido empresarial foi publicada no site do COMPETE 2020 em 31 de maio do ano passado. E, em 21 setembro do mesmo ano, o então ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, afirmava, na sessão de abertura da iniciativa Trojan Horse was a Unicorn, que o Garantir Cultura já havia apoiado cerca de 600 projetos em várias áreas, com 30 milhões de euros já pagos a produtores culturais, salas de espetáculos.
Ao longo dos últimos meses, a Lusa pediu várias vezes atualizações destes dados ao Ministério da Economia. No anterior Governo, a Lusa era remetida para a tutela da Cultura. Neste Governo, não obteve qualquer resposta.
Segundo Rafaela Ribas, numa reunião em julho deste ano, dois adjuntos da secretária de Estado do Turismo disseram a representantes da AEAPP “ter conhecimento de um compromisso entre ministérios para que ficasse tudo saldado até final de outubro”. A associação reuniu-se com os dois adjuntos, depois de ter solicitado uma reunião com o ministro da Economia e com a secretária de Estado do Turismo.
Entretanto, a Lusa falou com alguns empresários, contemplados com apoios do Garantir Cultura, a quem falta receber parte do apoio, que pediram anonimato. Maria (nome fictício), que tem uma microempresa, recebeu no ano passado o pagamento da primeira tranche, tendo avançado então com o projeto, que terminou no final de dezembro. Cerca de um mês depois, entregou o relatório de execução. No prazo estipulado, 30 dias úteis, recebeu a segunda tranche.
“Recebi um pedido de esclarecimentos em fevereiro, ao qual respondi no mesmo dia. Depois, nunca mais ninguém me disse nada. Enviei pedidos de esclarecimentos e recebi, como muitos, uma resposta a dizer que está a ser tratado, até hoje”, contou, lamentando que “o que começou por ser uma ajuda acabou por ser um pesadelo”.
Também Artur (nome fictício) já recebeu as duas primeiras tranches do apoio ao projeto cujo relatório de execução entregou no dia 18 de fevereiro. Falta agora 15% do valor total, mas “em pequenas empresas sete ou oito mil euros é muito”. Antes de receber a segunda tranche, precisou de recorrer aos bancos, agora está “a evitar fazer o mesmo”, embora já tenha os empréstimos liquidados.
“Vou enviando emails e tentando telefonar, mas nada. É vergonhoso. Foi um presente envenenado, que acabou por asfixiar mais [as empresas]”, desabafou, acrescentando ter conhecimento de casos de empresas “que nem a segunda tranche receberam”.
Esse é o caso da microempresa de Amélia (nome fictício), que tem “a segunda e a terceira tranche por receber”. A primeira tranche foi paga em maio do ano passado, o projeto executado em outubro do mesmo ano e o relatório de execução entregue em dezembro. Entretanto, recebeu do COMPETE 2020 vários pedidos de documentos, que já enviou.
“Estão sempre a pedir as mesmas coisas. Recebi cinco pedidos de esclarecimento desde setembro [deste ano]. Mesmo com os documentos do lado deles, alegam que tenho que enviar mais coisas. Tive que avançar dinheiro, foi necessário recorrer a créditos”, contou. Apesar de sentir “muito desgaste com esta situação”, Amélia acredita que vai “chegar a bom porto”, visto que a empresária fez “tudo certinho e tem que resultar”.
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