140 entrevistadores, 620 mil preços e 1.300 produtos. Como o INE calcula a inflação?
A taxa de inflação é um dos indicadores mais acompanhados pelos portugueses este ano. E o seu impacto já é sentido devido à perda de poder de compra. Mas, afinal, como é calculado o IPC?
A inflação entrou em força no léxico dos portugueses. Seja na ida ao supermercado, a atestar combustível, na fatura da eletricidade ou a jantar fora, a escalada dos preços já faz “mossa” no bolso das famílias devido à perda de poder de compra. A invasão russa à Ucrânia veio puxar ainda mais pelos preços da energia e dos transportes, e aliada à seca, agravou o custo de vários bens alimentares e não só. Mas, afinal, como é calculado o índice de preços no consumidor (IPC) e que produtos são contemplados neste indicador?
Todos os meses o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga o IPC, que mede a evolução média dos preços de um cabaz de bens e serviços representativo da despesa dos consumidores. “A amostra é composta por cerca de 1.300 produtos”, que vão deste o arroz carolino ou agulha até às estadias em alojamentos turísticos, propinas, despesas de manutenção de contas bancárias ou aos automóveis.
Para cada um destes produtos são recolhidos mensalmente, em média, “cerca de 150 a 160 variedades“, explica Vítor Mendonça, diretor do Serviço de Estatísticas de Preços do departamento de Contas Nacionais do INE, ao ECO. “Mas depois também depende do produto. Há produtos que têm mais oferta do que outros”, acrescenta.
Contas feitas, o gabinete de estatísticas recolhe diretamente, em média, cerca de 120 mil preços por mês, dos quais cerca de 60 mil dizem respeito a produtos alimentares relativos a mais de 250 bens e outros 500 mil preços individuais com recurso a informação administrativa, websites e outras técnicas.
O objetivo é medir as variações de preço existentes em todas as regiões do país (incluindo nas regiões autónomas), pelo que todos os meses são seguidos os mesmos produtos nos mesmos estabelecimentos comerciais, que incluem grandes superfícies e lojas de pequena dimensão. No entanto, nem todos os produtos “têm a mesma importância”, sinaliza Vítor Mendonça, uma vez que os produtos que as famílias “consomem em maior valor são os que têm o maior peso no IPC”.
Nos últimos dois anos, o produto mais relevante que entrou no IPC foram as máscaras cirúrgicas, que até 2020 ninguém comprava e no início de 2021 entraram no IPC.
A escolha dos produtos incluídos neste cabaz é feita, por um lado, “com base nos dados das contas nacionais portuguesas que nos dão o nível de despesa das famílias até um nível relativamente desagregado de informação”, bem como num inquérito realizado à despesa das famílias que é feito quinquenalmente” pelo INE junto a 120 mil famílias. “Todos os anos a amostra é refrescada”, acrescenta o diretor do Serviço de Estatísticas de Preços do departamento de Contas Nacionais do INE. “Nos últimos dois anos, o produto mais relevante que entrou foram as máscaras cirúrgicas, que até 2020 ninguém comprava e no início de 2021 entraram no IPC”, atira, entre risos.
Assim, a partir destes dois critérios é feita “uma ponderação” por classes de consumo individual por objetivo (COICOP) e por agregados de bens e serviços. No total existem 12 categorias, sendo que mesmo dentro da mesma classe nem todos os produtos pesam da mesma forma para o cálculo do IPC. “Há produtos que pesam mais dentro de cada uma das classes do que outros e isso tem a ver com a despesa do consumo final das famílias”, destaca Pedro Oliveira, elencando que a classe 1, que diz respeito aos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas, representa cerca de 22% do IPC.
Como é feita a recolha de preços?
No que toca à recolha direta de preços, estes “são recolhidos, mensalmente, a meio do mês normalmente com a ajuda de 140 entrevistadores distribuídos pelo país“, adianta Vítor Mendonça. Para o efeito, os entrevistadores não têm em conta apenas o preço do artigo, mas outras características, como é o caso da quantidade. “Há um preço para um determinada quantidade e qual o produto que está associado a essa embalagem. Se houver uma redução da quantidade para o mesmo preço, isso no IPC traduz um aumento de preço”, afirma Pedro Oliveira, diretor do departamento de Contas Nacionais, do INE, ao ECO, referindo-se à reduflação. Além disso, maioritariamente vão já direcionados a um tipo de produto e respetiva marca, isto se este já fizer parte do cabaz selecionado.
E se o produto não estiver disponível? No caso de existir uma quebra de stock pontual, os responsáveis do INE estimam o preço desse produto e no mês seguinte retomam a sua recolha. Por outro lado, se houver indicação de que esse produto foi descontinuado “o que entrevistador vai fazer é substituir esse produto por outra marca e depois internamente tratamos esta diferença”. A partir daí será esse novo produto a ser considerado.
Na saúde, neste momento, temos variações negativas de preço porque houve uma decisão política de eliminar o pagamento das taxas moderadoras dos hospitais na maior parte das situações.
Na maioria dos produtos a recolha de preços é feita apenas uma vez por mês, contudo, há produtos com um tratamento ligeiramente diferente. É o caso das frutas, cuja recolha de preços é feita três vezes por mês, dado que estes são habitualmente produtos com preços mais voláteis. Já no que diz respeito às dormidas em hotéis ou viagens de avião, a recolha é feita com alguma antecedência, uma vez que nestes casos, o preço também depende da antecipação com que é feita a compra. O objetivo é “ter um preço representativo daquilo que as pessoas que dormiram naquele hotel naquele mês teriam pago se tivessem feito a reserva com mais ou menos antecedência”, explica Vítor Mendonça.
No que toca à cobertura territorial feita por estes 140 entrevistadores, o número de produtos recolhidos é tendencialmente o mesmo. Contudo, o número de preços recolhidos pode variar. “Da mesma forma que usamos a despesa total para fazer a distribuição dos produtos, também usamos a despesa regional para fazer a distribuição regional do consumo. Como é evidente a região de Lisboa tem um peso muito maior que o Algarve na maioria dos produtos”, afiança o diretor do Serviço de Estatísticas de Preços do departamento de Contas Nacionais do INE, ao ECO. Assim, nas regiões onde há menos despesa há também uma menor recolha de preços e, consequentemente, de entrevistadores.
Da recolha manual nos sites ao “web scraping”
Além destes 140 entrevistadores, o INE conta ainda com uma equipa de cerca de 20 pessoas que faz o trabalho de acompanhamento da recolha, verificação e validação da informação e dão apoio informático, bem como outras quatro pessoas que ficam responsáveis por obter os resultados finais do IPC. Assim, paralelamente da recolha direta de cerca de 120 mil preços por mês, o gabinete de estatísticas recolhe outros outros 500 mil preços individuais com recurso a informação administrativa, websites e outras técnicas. No que toca à recolha de preços manual através de sites esta ferramenta é maioritariamente utilizada na área dos serviços, como é o caso das telecomunicações e luz.
Já o “web scraping” consiste na recolha de grandes volumes de informação a partir dos sites, sendo que atualmente esta ferramenta está restrita apenas algumas categorias, como o vestuário e mobiliário. Mas nestes dois casos há que ter “um certo cuidado”, dado que se os preços forem “substancialmente diferentes dos preços praticados em loja” há que “ponderar essas duas vertentes de forma diferente”, realça Vítor Mendonça, chamando a atenção para a necessidade de “verificar se o comportamento dos preços é comparável”.
Por outro lado, o INE recorre ainda a bases de dados administrativas. Neste âmbito incluem-se, por exemplo, as rendas de habitação, dado que mensalmente o gabinete de estatísticas tem acesso aos recebidos eletrónicos de renda da Autoridade Tributária, para apurar a variação dos preços na habitação.
O cálculo do IPC contempla uma grande variedade de produtos, que vão desde despesas do dia-a-dia a aquisições poucos frequentes como é o caso dos automóveis, consultas médicas ou os seguros. E apesar da atual conjuntura económica, marcada por um contexto de alta inflação e subida dos juros, nem todos os produtos estão a contribuir para a subida do IPC. “Na saúde, neste momento, temos variações negativas de preço porque houve uma decisão política de eliminar o pagamento das taxas moderadoras dos hospitais na maior parte das situações”, destaca Pedro Oliveira, dando ainda o exemplo dos transportes públicos, nomeadamente na Área Metropolitana de Lisboa.
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