Parlamento entupido com 1.857 alterações ao OE? “É a democracia, estúpido”

Os analistas políticos reconhecem a ineficácia do número recorde de propostas alternativas da oposição para o OE2023, quase todas chumbadas pelo PS, mas sublinham ao ECO que alternativa seria pior.

Ao fim de quatro dias intensos de debate e votação das 1.857 propostas de alteração que os vários partidos entregaram no Parlamento, os deputados preparam-se para aprovar esta sexta-feira o Orçamento do Estado para 2023. Na sessão plenária desta manhã, antes do encerramento e da votação final, ainda serão apreciadas as normas avocadas, mas pouco ou mesmo nada irá alterar à contabilidade já apurada, após a derradeira maratona de votações: só cerca de 70 foram viabilizadas pelo PS.

Sobretudo num contexto parlamentar de maioria absoluta, justifica-se que os parlamentares estejam tanto tempo concentrados neste exercício de escassos resultados práticos — “tudo é chumbado perante o rolo compressor do PS”, desabafou Duarte Pacheco (PSD) na última sessão na especialidade — e que até pode afastar os cidadãos do acompanhamento do processo orçamental? Os analistas políticos ouvidos pelo ECO entendem as reservas face à ineficácia demonstrada após este novo número recorde de propostas de alteração, mas a alternativa seria pior.

“Os partidos da oposição cumprem o seu papel. Face a um Orçamento que consideram que não dará resposta aos principais problemas do país, compete-lhes apresentar alternativas. E cada partido tem a sua própria agenda e aproveita este momento para realçar aqueles aspetos que são privilegiados pelos respetivos eleitorados. Sabem que as propostas estarão condenadas ao fracasso, havendo uma maioria absoluta, mas as sessões são públicas, beneficiam do tempo de antena e fazem a publicitação junto do eleitorado”, contextualiza José Palmeira.

Há o risco de os partidos caírem no ridículo com um número exageradíssimo de propostas e de serem vítimas de uma overdose, no sentido de não serem tão eficazes ao quererem mostrar tanto trabalho.

José Palmeira

Professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho

O professor de Ciências Políticas da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho frisa que “é a democracia a funcionar, embora muitas vezes perca eficácia quando o número de propostas é muito elevado”. “Em política, quando se quer ter muito impacto, deve-se selecionar aquelas medidas que podem ser mais significativas junto do eleitorado. A mensagem passa melhor quando são menos, torna-as mais relevantes”, justifica. E deteta até o “risco de cair no ridículo com um número exageradíssimo de propostas”, que tornem os próprios partidos “vítimas de uma overdose, no sentido de não serem tão eficazes ao quererem mostrar tanto trabalho”.

No entanto, os especialistas consultados pelo ECO discordam da ideia de condicionar o número de propostas de alteração à dimensão dos grupos parlamentares, como acontece, por exemplo, nos tempos das intervenções. O politólogo António Costa Pinto contrapõe que “a norma deveria apontar para um prazo eventualmente mais curto para a sua apresentação na especialidade”.

A norma [no processo de debate orçamental] deveria apontar para um prazo eventualmente mais curto para a apresentação de propostas de alteração na especialidade.

António Costa Pinto

Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

O investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa faz questão de distinguir a natureza muito diferente das propostas – “há umas mais ideológicas, que não têm interesse nenhum” – e coloca a tónica nas concessões governamentais e na bancada socialista, “no sentido de dar um passo de conciliação e de negociação, apesar de ter maioria absoluta”. “Das poucas aprovadas, é interessante ver com que partidos é que foram negociadas e aquelas que têm impacto orçamental”, sugere.

Debate com o Primeiro-Ministro na Assembleia - 29SET22

Dos vistos gold ao crédito à habitação, passando pelos aumentos salariais e empresas como a TAP ou a Caixa Geral de Depósitos, no Orçamento do Estado para 2023 foi o Chega, o partido liderado por André Ventura, que entregou mais propostas (501), seguido pelo PCP (417), agora liderado por Paulo Raimundo. Já o PAN fez entrar nos serviços da Assembleia da República um total de 262 propostas, enquanto o maior partido da oposição (PSD) ficou-se pelas 261, o Bloco de Esquerda 154, o Livre 137 e o PS 55. A bancada da Iniciativa Liberal concentrou as alternativas em apenas 29 diplomas.

Não queremos ter partidos adormecidos no Parlamento. Particularmente em contextos de maioria absoluta tem de ter este papel acrescido de controlo, de fiscalização e de apresentação de propostas alternativas.

Patrícia Silva

Professora da Universidade de Aveiro

Patrícia Silva, professora da Universidade de Aveiro, reconhece que o número elevado “pode ter algum efeito de distração em torno de outras matérias que são fundamentais, como as de potenciais interferências [do Governo em negócios privados], em que o Parlamento deve ter um papel importante”. Porém, lembra que isso “faz parte do funcionamento democrático” e que o debate orçamental é mesmo “o momento central” para os diferentes partidos marcarem a sua posição, se mostrarem ao eleitorado e ganharem visibilidade mediática, mesmo que “essas medidas fiquem quase todas pelo caminho”.

Até porque a alternativa seria pior. “É importante que os partidos possam ter este espaço, que possam apresentar estas medidas. É o processo democrático simplesmente a funcionar bem. Não queremos ter partidos adormecidos no Parlamento. Particularmente em contextos de maioria absoluta tem de ter este papel acrescido de controlo, de fiscalização e de apresentação de propostas alternativas”, resume a cientista política da academia aveirense, que há dois anos escreveu o ensaio Jobs for The Boys, lançado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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