Ana Sofia de Sá Pereira: “Os órgãos disciplinares são vistos até como órgãos eminentemente persecutórios”

Ana Sofia de Sá Pereira é candidata ao Conselho Superior. Na corrida à liderança deste órgão estão também Isabel Menéres Campos, Paulo de Sá e Cunha e Maria Manuel Candal.

A advogada Ana Sofia de Sá Pereira é candidata a presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados (OA). Esta candidatura é alinhada com a lista de Jaime Martins, que vai concorrer a bastonário da OA.

Na Ordem dos Advogados foi, entre 2008 e 2017, membro do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, presidente do Instituto de Apoio aos Jovens Advogados e membro da Comissão dos Direitos Humanos, Delegada ao Congresso dos Advogados Portugueses. Ana Sofia Portela de Sá Pereira é advogada num escritório na cidade do Porto. A candidata é mestre em Direito pela Universidade Católica Portuguesa do Porto e doutoranda em Direito Civil, sendo autora da dissertação intitulada “A Resolução Contratual por Incumprimento e a Extensão do Dever de Indemnizar”.

O que a fez candidatar-se?

A defesa da autotutela. Esta candidatura resulta de uma iniciativa que, em conjunto com o Dr. Rui Santos (1.º Vice-Presidente da minha candidatura, que se apresenta a sufrágio sob a Lista T) o qual tem uma larga experiência no âmbito da Deontologia Profissional, tendo sido o Presidente de um Conselho de Deontologia, eleito com a maior votação de sempre) foi posta em marcha, em face da constatação de ambos que a defesa da autotutela da nossa atividade profissional é imperativa para a defesa da sobrevivência da advocacia, livre e independente, enquanto profissão incompatível com sociedades multidisciplinares.

Com efeito, o Projeto de Lei que visa a alteração da Lei n.º 2/2013 (a Lei das associações públicas profissionais) visa aniquilar a exclusividade da autotutela que atualmente é administrada, na Ordem dos Advogados, pelos nossos pares. Esse diploma está já aprovado na generalidade e pretende extinguir o Conselho Superior, substituindo-o por um órgão de supervisão, constituído por uma maioria de não Advogados/as e presidido por um não Advogado/a.

O Estado pretende acometer a terceiros estranhos ao exercício da advocacia, o exercício do poder disciplinar sobre a advocacia, em prejuízo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, posto que o que se pretende é colocar o Advogado e a Advogada numa posição de subserviência e de dependência de entidades públicas do Estado.

Ora, o Conselho Superior que é o órgão jurisdicional máximo da Ordem dos Advogados, que atua disciplinarmente sobre os advogados e sobre as advogadas e não poderá nunca deixar de ser constituído exclusivamente advogados ou advogadas, não podendo passar a ser um terceiro estranho à profissão. Se esta alteração à Lei N.º 2/2013 fosse por diante, a razão de ser da ordem dos Advogados cairia por terra, desregulando-se selvaticamente uma profissão de acentuado e incontornável interesse público.

Afigurou-se-nos imperativo impedir a criação de um órgão disciplinar, eleito pela assembleia representativa, que exerce o poder disciplinar, devendo integrar personalidades de reconhecido mérito que não sejam membros da associação pública profissional, como prevê o Projeto de Lei (PJL) 108/XV. Não de uma perspetiva corporativista, mas tendo presente que as personalidades de reconhecido mérito, não sendo advogados e advogadas, não têm a necessária experiência prática do quotidiano da profissão de Advogado, a qual tem até arrimo constitucional, considerando o papel que assume no Estado de Direito. Ora, tal falta de conexão com a realidade prática não assegura, seguramente, o melhor interesse dos destinatários dos serviços prestados pelos Advogados e Advogadas.

Porquê a lista em que está? Que qualidades realça a António Jaime Martins?

Creio que é sabido que o António Jaime Martins sempre teve o meu apoio para se candidatar a Bastonário. As outras quatro candidaturas da Lista T (a par da que encabeço ao Conselho Superior, e da do António Jaime Martins a Bastonário, a do Senhor Professor Doutor Pedro Madeira de Brito ao Conselho Fiscal, a do Dr. Rocha Neves ao Conselho de Deontologia do Porto e do António Barreto Archer ao Conselho Regional do Porto), alinhadas com a Candidatura a Bastonário do Dr. António Jaime Martins, formaram-se por existir um grupo alargado de Colegas que entendeu que a única leitura – objetiva – que se poderia extrair dos resultados das anteriores eleições era a seguinte: a classe não levou o Dr. António Jaime Martins a disputar a segunda volta por uma margem mínima, em relação ao atual Bastonário, dando, depois na segunda volta, uma oportunidade ao atual Bastonário. Porém, o mandato do mesmo gerou na classe um descontentamento sem precedentes. Assim sendo, pareceu-nos evidente que fazia sentido criar condições para que o Dr. António Jaime Martins se recandidatasse: porque a classe já indiciou reconhecer mérito ao seu programa, à dinâmica que pretende incutir na Ordem dos Advogados e na sua postura institucional. E até pela circunstância grave de o mandato que agora cessa ter sido pautado pela inação da Ordem, por um alheamento da Ordem em relação às questões que verdadeiramente interessam à advocacia, pelas patentes polémicas internas (as que já conhecíamos e as que os debates entre os candidatos a Bastonário que se encontram ainda no exercício de funções têm revelado) e até mesmo por uma postura inconsequente que prejudicou muito a profissão.

Outras candidaturas das anteriores eleições assim o entenderam também e abdicaram, desta feita, de apresentar candidatura própria para se juntarem ao projeto das Listas T. Conheci o Dr. António Jaime Martins há mais de uma década, em 2008, quando ambos iniciámos funções na Ordem dos Advogados, no meu caso ao nível nacional, e sempre lhe reconheci excelentes qualidades executivas, pautava as relações institucionais pelo rigor, pela lealdade, pela humildade e pela excelência técnica. Cedo lhe vi o rasgo e compreendi que tinha uma vontade genuína em ajudar a melhorar as condições de exercício da profissão, ambicioso sem ser arrogante, exigente sem ser obsessivo, um líder inato. E, se é certo que a democraticidade interna própria da Ordem sempre conviveu com várias sensibilidades, o Dr. António Jaime Martins, não abdicando da sua visão para a advocacia, foi sempre um dirigente com uma capacidade agregadora notável. A meu ver, prestar serviço à classe é tudo isto que acabo de descrever.

Há outro pormenor que parecendo de somenos o não é: o António Jaime Martins se for eleito, prescindirá da remuneração. O que para mim é algo imperioso para que a decência impere. Aos Advogados é pedido um esforço monetário de pagamento de quotas, as quais são das mais caras que as Associações profissionais pagam para financiar (ou alavancar) uma carreira de um Advogado/a que vai receber o mais elevado salário que há em funções públicas que pode ser até muito discrepante, para cima, daquilo que recebe a título de honorários no exercício da profissão.

O que é que isto significa? Um flagrante decréscimo da qualidade dos Candidatos a Bastonário, mas um aumento do número de pretendentes ao cargo, programas eleitorais pejados de contradições e assentes em derivas populistas e demagógicas. Entra-se na lógica de que tudo vale e os meios valem pelos fins a atingir. Estou convicta que se não houvesse remuneração tal não aconteceria. E não podemos ter candidatos a ir à Assembleia da República desdizer o Bastonário em funções, pré-orientados por uma lógica individualista, pronunciando-se sobre diplomas que prejudicam a advocacia, arrogando-se ilegitimamente de uma inexistente representatividade da Advocacia. Ora, até de uma perspetiva deontológica isto não é adequado, pelo que sendo o António Jaime Martins o único candidato que, verdadeiramente, vai prescindir do “salário de Bastonário”, tudo se conjuga, ao nível do alinhamento dos princípios e de uma visão da profissão, para o alinhamento da minha candidatura na candidatura a Bastonário da Lista T, do António Jaime Martins.

No que respeita à área disciplinar, recomenda-o a boa prática de ter dado sempre condições para o funcionamento dos conselhos de deontologia, estando negociada entre nós, desde o primeiro momento, a autonomia administrativa, económica e financeira do Conselho Superior.

Acresce que, tem sido dos Colegas mais empenhados – a par do Rui Santos, candidato a meu 1.º Vice-Presidente – no combate às sociedades multidisciplinares e na defesa do ato próprio.

Quanto à equipa que lidero, sempre teria de ser esta, porque é a única que tem condições de combater a tentativa da alienação da exclusividade da autotutela. São homens e mulheres verdadeiramente livres que apenas são tributários/as das suas consciências. E se esta equipa sair vencedora no próximo dia 30 estou certa de que os Colegas não se arrependerão. Trata-se de um grupo de 21 Advogados/as com um percurso sólido e eficiente na profissão e ao serviço da O.A., de diferentes zonas do nosso território, contemplando diversas faixas etárias e as várias formas de exercício da Advocacia. Com esta equipa, o Conselho Superior não se encerrará numa lógica imobilista, quedando-se por uma postura redutora e defensiva.

Em conjunto e de forma exaustiva construímos um programa inovador e robusto, o qual tem valor intrínseco e procura ser, concomitantemente, eficaz e inovador, sempre sem perder de vista que o que nos norteia é o profundo sentido de dever. É o que nos mobiliza e determina.

O que mudou na OA nos últimos três anos?

Este triénio não foi, de todo, feliz. Basta ver a insatisfação generalizada, ao ponto de ter havido uma cisão profunda no Conselho Geral que originou uma outra candidatura, havendo assim, agora, duas fações saídas da lista que saiu vencedora das últimas eleições.

E a pandemia não pode servir para desculpar tudo. Eu até entendo que a pandemia não serve de desculpa para nada: ocasiões excecionais revelam os carateres excecionais. A pandemia foi uma alteração das circunstâncias que, razoavelmente, não poderia ter sido equacionada, mas que reclamava uma direção da ordem dos advogados com força e imaginação para colmatar as dificuldades levantadas por essa insólita situação.

De facto, quem andou no terreno como eu andei, ao logo desta campanha, a contactar com Colegas por todo o país, percebe que nunca como agora a Advocacia se encontra descrente na sua Ordem, abandonada pela sua Ordem, saturada de uma Ordem que tem servido apenas o propósito de reconhecer ou consagrar determinadas carreiras (basta pensar o afã na atribuição de medalhas em vésperas de eleições) e entronizar determinados dirigentes, cobrar quotas e abrir processos disciplinares.

Creio que o elo de confiança entre a advocacia e a Ordem está fortemente abalado e só dirigentes despretensiosos, próximos dos Colegas e com muito sentido de serviço poderão reestabelecer essa ligação, que tanto vamos precisar no futuro próximo.

Do ponto de vista disciplinar, o desaparecimento de processos ou as guerras espúrias que o Senhor Bastonário abriu com Conselho Superior e as deontologias também nos deslustraram.

E a pandemia não pode servir para desculpar tudo. Eu até entendo que a pandemia não serve de desculpa para nada: ocasiões excecionais revelam os carateres excecionais. A pandemia foi uma alteração das circunstâncias que, razoavelmente, não poderia ter sido equacionada, mas que reclamava uma direção da ordem dos advogados com força e imaginação para colmatar as dificuldades levantadas por essa insólita situação”.

Existe demasiado corporativismo na fiscalização da deontologia dos Advogados?

De todo. Os relatos que se ouvem são similares, para a generalidade dos Colegas a Ordem tramita mesmo os processos disciplinares (por vezes até quando não o deveria fazer). Há até muitos Colegas que estão a abandonar a sua participação no sistema de acesso ao direito e aos Tribunais, porque se queixam que os beneficiários apresentam queixas infundadas das quais têm de se defender, durante anos. E com o valor dos honorários tão desatualizados acabam por ficar muito onerados com o tempo que vão gastar a responder a processos disciplinares infundados, em vez de conseguirem trabalhar noutros processos. E o “tempo” é muito precioso, sobretudo para um Advogado/a.

Se auscultar a classe percebe que os órgãos disciplinares são vistos até como órgãos eminentemente persecutórios. Esta é também uma reputação que importa inverter.

Importa, com efeito, implementar um verdadeiro e eficiente sistema de triagem de processos e evitar a todo transe a prescrição para que não fiquem por punir as condutas, felizmente poucas, de Colegas que utilizam a cédula profissional para fins contrários àqueles para os quais a cédula foi conferida.

O princípio da separação de poderes tem sido respeitado?

Aqui há dois planos a separar: as competências do Estatuto e a realidade.

De acordo com a minha experiência, enquanto dirigente do órgão máximo da Ordem (o Conselho Geral), posso asseverar que nunca houve nenhuma ingerência ou conflito entre órgãos. A verdade é que também me apercebi que o Presidente do Conselho Superior normalmente é um Colega, seguramente muito Ilustre, que figura numa galeria de “notáveis”, mas sem a necessária experiência de Ordem dos Advogados para, liderando um órgão que é – em termos financeiros – apenas um centro de custos do Conselho Geral, saber sequer o que tem de solicitar ao Bastonário para poder colocar o órgão a que preside a funcionar bem.

O que veio a público no mandato ainda em curso é diferente e é mais grave, porque o que foi noticiado é que atual Bastonário estrangulou financeiramente o Conselho Superior. E o caminho tem de ser o inverso. Sob o meu ponto de vista esta independência económica, administrativa e financeira é uma garantia de independência que tarda, com os danos reputacionais para a disciplina da Ordem que se conhecem.

Como é possível que em pleno século XXI ainda não haja digitalização dos processos?

Será uma prioridade do meu mandato. Entendo que já deveríamos estar, por exemplo, a pensar em organização e pesquisa jurisprudencial com recurso a AI, para facilitar os critérios de uniformização decisória. Ou em conferir outra garantia de imparcialidade básica que é o sorteio eletrónico e aleatório de processos. Note-se que todos os cidadãos/ãs têm o direito inalienável ao juiz natural e – acertadamente – cai “o Carmo e a Trindade” quando assim não é, mas, na sua casa, os/as Advogados/as praticam coisa diversa e acham isto normal. Já deveria ter havido a noção que a justiça, para ser eficaz, tem de ser isenta, mas não só, tem de passar para aqueles a quem se dirige a perceção de que o é. A distribuição manual coloca, desnecessariamente, um órgão matricial sob uma indesejável suspeição.

Creio que esta resistência à inovação tem a ver com o que já referi, uma resistência da nossa classe em eleger presidentes do Conselho Superior com a necessária juventude e energia para trazer o Conselho Superior para o século XXI. Penso que poderá ser um fenómeno psicológico de decalque daquilo que era a forma de acesso das magistraturas ao Supremo Tribunal de Justiça, o que só ocorria tardiamente na carreira. Mas uma coisa nada tem a ver com a outra. E, na verdade, a classe também se modificou nesse aspeto, havendo cada vez mais jovens a votar. O/a Presidente do Conselho Superior tem de ser alguém em quem estes jovens também se revejam e não alguém distante e com quem não têm afinidade.

Que modelo disciplinar preconiza para a OA?

Desde a primeira hora, a lista T tem-se comprometido com os/as Colegas a defender a exclusividade da autotutela (rejeitando a tutela disciplinar externa), a preservar o acervo deontológico essencial ao exercício da profissão (preocupa-nos, por exemplo, que o Conselho Superior que acredite que é benéfico liberalizar completamente a publicidade, em benefício de quem tem grande poderio económico, extinguindo-se por esta via uma boa parte da Advocacia que tem muito valor e qualidade), a assegurar a manutenção das prerrogativas dos/das Advogados/as, a atuar pedagogicamente junto da classe: distinguindo as condutas censuráveis que minam a confiança nos/as Advogados/as das questões bagatelares, a salvaguardar o Sigilo Profissional (os Colegas alvos de buscas e constituídos Arguidos para recolha de prova para condenar os Clientes têm de encontrar respaldo na Ordem), a garantir a Liberdade de Expressão no exercício do mandato, a sindicar de forma rigorosa e séria a pronúncia pública sobre processos pendentes, a reforçar as garantias de independência do Conselho Superior, a estimular as boas e profícuas relações com os outros órgão da ORDEM – sobretudo com os Conselhos de Deontologias, a discutir o direito punitivo da Ordem dos Advogados com os órgãos da Ordem e com a classe, a contribuir para melhorar o direito adjetivo disciplinar vigente, a e emitir de forma acertada, tendencialmente gratuita e em tempo útil Laudos de Honorários, a empreender a transição digital, a postar na prevenção e na conciliação, a evitar a prescrição dos processos, impedir que se proletarize a profissão em desrespeito pelas regras deontológicas, em suma credibilizar interna e externamente o órgão.

A Lista T tem por certo que tem de modernizar o Conselho Superior e administrar melhor justiça e de forma célere, mas não à custa de subtração e garantias aos Colegas visados, evidentemente. Efetivamente, esta é uma candidatura que defende um conselho superior diferente do habitual, um conselho com uma filosofia própria e apostado em fazer da disciplina da ordem e da autotutela uma arma da advocacia.

A OA tem capacidade para se auto tutelar?

Claro que sim. Efetivamente, incumbe à Ordem dos Advogados defender as prerrogativas dos Advogados e das Advogadas e sua independência.

A razão de ser da Ordem dos Advogados é a autotutela e as Ordens profissionais apenas são necessárias para regular profissões livres. No caso concreto da Ordem dos Advogados, a mesma cumpre o desígnio de regular a única profissão com assento constitucional (de acordo com o disposto no artigo 208.º da Lei Fundamental).

A história da Ordem dos Advogados foi construída, durante quase cem anos, a pulso de muitos homens e mulheres de coragem e com arreigados valores. E nosso país a advocacia autonomizou-se do Estado desde o liberalismo, sendo que o exercício desta profissão passou a ser livre, o que foi acompanhado por um esforço de regulação da profissão.

Ao logo dos anos, a Ordem dos Advogados, cumprindo o seu papel central, marcou, de forma indelével, a sociedade, tendo a Ordem, por anos, porfiado com sucesso no intento de assumir uma intervenção institucional na administração pública e de regulação da profissão.

Efetivamente, incumbe à Ordem dos Advogados (e só à Ordem dos Advogados) defender as prerrogativas dos Advogados e das Advogadas e sua independência, porque o Estado sempre entendeu que a Ordem o fazia melhor que o próprio Estado.

A OA é, atualmente, uma mera cobradora de quotas?

Com um orçamento da dimensão do da Ordem, a Ordem pode fazer muito mais do que o que fez neste triénio, seguramente.

Existe uma necessidade de fiscalizar a OA, de forma a haver total transparência?

A cidadania é a razão para continuarmos a querer advogados e advogadas inteiros, livres e plenamente respeitados nas suas prerrogativas constitucionais. A Advocacia tem uma vocação social incontornável e não é uma atividade puramente mercantil, pelo que não vale, não pode valer, tudo. O Conselho Superior tem de ser capaz de responder, com rigor, responsabilidade e excelência aos desafios que vão ser colocados à Classe nos tempos mais próximos.

As sociedades multidisciplinares e os perigos inerentes fazem parte do seu discurso. Não acha que já é uma batalha perdida?

A nossa atividade, constitucionalmente sustentada é um pilar inamovível do Estado de Direito democrático. Assim sendo, não pode ser miscigenada, ou absorvida por outras, pelo que importa obstar às sociedades multidisciplinares e preservar a exclusividade da nossa autotutela, fundamental à advocacia livre e independente.

É preciso ir ao parlamento explicar tudo isto muito bem: explicar, designadamente e desde logo, que debaixo do mesmo teto não podem conviver profissionais com deveres de denúncia e Advogados/as, os quais têm dever de sigilo. O Sigilo profissional é coessencial à Advocacia. As garantias em matéria de revistas, buscas e apreensão de documentos e elementos em posse de Advogados/as têm de poder ser tuteladas pela Ordem dos Advogados. A história da Ordem e da Advocacia tem sido escrita por vitórias em batalhas perdidas. A massa da advocacia é feita da matéria da resistência e a da coragem. Esse discurso das “batalhas perdidas” serve o conformismo ou ajuda a desculpabilizar a censurável conduta omissiva da Ordem a este respeito, neste triénio.

Travar a apropriação selvagem de atos próprios de Advogado por sociedades comerciais meramente mercantilistas de cariz multidisciplinar é um encargo que assumirei no meu mandato, até porque esta questão está ligada à da exclusividade de administração de justiça disciplinar por Advogados/as o que, como já pude explicar, é a razão de ser desta candidatura.

Claro que é preciso resolver também a questão da transparência fiscal quanto às sociedades de advogados portuguesas porque estas não podem continuar a ser vítimas da concorrência desleal levada a cabo pelas sociedades de advogados multidisciplinares estrangeiras a operar no nosso país. Mas creio que todos concordarão que o caminho não é transigir na questão da exclusividade da autotutela.

Este é o único órgão (o CSOA) que pode vir a desaparecer. Como encara essa possibilidade?

Este órgão é, na arquitetura estatutária, a entidade suprema na salvaguarda da autotutela da Advocacia. Portanto, essa possibilidade tem de merecer uma posição de forte repúdio.

A capacidade de a nossa profissão se autotutelar, prevenindo eventuais desvios às normas de natureza ética que a estruturam, punindo exemplarmente, mas com sentido de equidade, as suas violações, implica transcender o reduto corporativo e pressupõe que se tenha uma real consciência sobre a importância pública desta atividade, em defesa dos/das cidadãos/ãs e da democracia.

O cumprimento das regras que regulam a Advocacia e uma eficaz fiscalização, são de relevância capital para a boa administração da justiça, cabendo, em última instância, ao Conselho Superior, o papel preponderante na prossecução deste desiderato.

O Conselho Superior tem de ser capaz de responder, com rigor, responsabilidade e excelência aos desafios que vão ser colocados à Classe nos tempos mais próximos. É, portanto, indispensável e urgente credibilizar este Órgão, quer junto da Classe, quer do público em geral. A credibilização externa do órgão é o argumento decisivo para reverter a posição do poder político.

Que tipo de reforma é necessária na questão dos laudos?

O Processo de Laudo é uma perícia imperfeita. Importa desde logo aperfeiçoar essa perícia no âmbito da qual nem sequer é respeitado o contraditório. E não se diga que é preciso mexer na Lei porque neste âmbito aplica-se o Código de Procedimento Administrativo que prevê essa garantia.

Por outro lado, é absolutamente incompreensível que haja atrasos endémicos de um ano ou mais e, ainda mais incompreensível, é que se cobre quantias avultadas a um/a Advogado/a com as quotas em dia e depois se paguem aos Tribunais, reiteradamente, multas em que a Ordem é condenada, cujos montantes saem precípuos das nossas quotizações.

A resolução no atraso das pendências, evitando a despesa gerada pelas multas, permitirá à Ordem isentar do pagamento do Laudo o/a Advogado/a, com quotas em dia, que o requeira à Ordem.

Por outro lado, isto entronca numa proposta gizada pelo Candidato a Bastonário da Lista T e que eu própria tenho defendido no seio da Ordem desde sempre. Transformar a Nota de Honorários com o Laudo em título executivo. Naturalmente, o/a Advogado/a podem se quiserem, ainda assim, enveredar pela ação declarativa, o que no caso concreto se pode justificar, mas ficam com um título que lhes permite cobrar mais rapidamente os seus honorários se assim o entenderem. Para além disso, ao nível de custos para o/a Advogado/a o impacto desta medida é brutal.

A capacidade de a nossa profissão se autotutelar, prevenindo eventuais desvios às normas de natureza ética que a estruturam, punindo exemplarmente, mas com sentido de equidade, as suas violações, implica transcender o reduto corporativo e pressupõe que se tenha uma real consciência sobre a importância pública desta atividade, em defesa dos/das cidadãos/ãs e da democracia.”

A advocacia perdeu o seu prestígio?

A Advocacia tem de continuar a ser uma elite intelectual, para o efeito a Ordem dos Advogados tem um papel fundamental e um Conselho Superior a funcionar devidamente contribuirá inequivocamente para o prestígio e para a crescente dignificação da profissão. Por exemplo, não podemos continuar a permitir que nada aconteça quando alguns Advogados/as se permitem pronunciar-se, nos mais variados órgãos de comunicação social, quase a título profissional, sobre questões concretas, ainda pendentes e confiadas a outro Colega, em desconformidade com o previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados. Esta questão tem de ser travada. Também não podemos continuar a permitir a que alguns/algumas Advogados/as falem sobre os seus processos à saída do Tribunal, à entrada no Tribunal, alegando e absolvendo ou condenando na praça pública. Ou comentando sentenças ou acórdãos. Estes comportamentos, são abusivos e configuram práticas publicitárias, não permitidas pelo EOA, e minam a confiança do cidadão/ã na justiça e na Advocacia, porque isto cria a convicção na opinião pública que a Justiça é administrada nos órgãos de comunicação social, quando assim não é e não pode ser.

No assunto quente que é a CPAS, a encruzilhada existe porque é um sistema corporativista?

O Sistema existe porque foi pensado também como garantia de independência, todavia para uma realidade completamente diversa da atual. Não sei se este é o tema quente, mas é o mais fraturante e é talvez aquele que os candidatos, em geral, evitam discutir. Creio que “lavar as mãos como Pôncio Pilatos” não nos vai conduzir a lado nenhum. Sem equívocos ou tibiezas: é hoje evidente que a questão da previdência dos Advogados/as tem de ser resolvida, mas não podemos errar na análise das grandes questões da atualidade para os Advogados/Advogadas e a questão central destas eleições não é singular. De facto, estamos a viver um conjunto complexo de desafios que importa enunciar sempre no plural. O momento presente é muito melindroso.

Enquanto Candidata à presidência do Conselho Superior é meu dever, por imperativo das atribuições estatutárias, comprometer-me com a defesa do património que nos foi legado da exclusividade da autotutela e da independência, imprescindível ao exercício do mandato e pedir aos/às Advogados/as que confiem na Lista T para não permitir qualquer tentativa de ingerência do poder político na regulação de uma profissão que tem no seu âmago – e não pode deixar de ter – a matriz da independência, transcendendo o mero corporativismo, e em benefício do/da cidadão/ã.

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