Isabel Menéres Campos é candidata ao Conselho Superior. Na corrida à liderança deste órgão estão também Ana Sofia de Sá Pereira, Paulo de Sá e Cunha e Maria Manuel Candal.
Isabel Menéres Campo é natural do Porto, é Professora na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola do Porto) e advogada desde 1997. Neste momento é Vice-Presidente do Conselho de Deontologia do Porto, da Ordem dos Advogados (mandato 2020-2022) e no mandato anterior foi Vogal do mesmo Conselho. Licenciou-se em 1995, na Universidade Católica, no Porto, concluiu o Mestrado em 2000 e o doutoramento em Ciências Jurídico-civilísticas, em 2010, pela Faculdade de Direito de Coimbra. Orientadora e Arguente em diversas provas académicas, oradora em conferências e seminários nacionais e internacionais. Autora de dezenas de publicações na área do direito civil, direito do consumo, direito bancário e insolvência.
A advogada é candidata ao Conselho Superior pela lista do atual bastonário, Luís Menezes Leitão. Na corrida à liderança deste órgão estão também Ana Sofia de Sá Pereira, Paulo de Sá e Cunha e Maria Manuel Candal.
O que a fez candidatar-se?
O que me fez candidatar – encabeçando uma lista composta por Colegas que generosamente aceitaram integrá-la – foi um sentido de serviço à Ordem e aos Advogados, serviço esses que já vem de trás. Neste momento, estou Vice-Presidente do Conselho de Deontologia do Porto e carrego o acervo de seis anos de mandatos. Sou – e digo-o sem pretensões ou soberba porque é um facto – a única candidata à presidência deste órgão que tem experiência num órgão de deontologia e a nossa lista é composta, maioritariamente, por advogados que desempenham ou já desempenharam funções em órgãos da deontologia e que estão comprometidos com a sua missão: sabem ao que vêm. Alguém que assuma a presidência de um órgão sem o mínimo de experiência prévia em funções semelhantes levará meses a tomar o pulso às coisas, o que significa que, pelo menos no primeiro ano, o órgão estará praticamente paralisado. Creio, portanto, que a nossa participação, tendo em conta esta bagagem, é útil.
Porquê a lista em que está? Que qualidades realça a Luís Menezes Leitão?
Candidato-me à presidência do Conselho Superior respondendo ao repto que me foi lançado, há uns meses, pelo atual Bastonário. Como disse, sirvo a Ordem há dois mandatos, no Conselho de Deontologia do Porto. E achava que este serviço à Ordem e aos Advogados teria terminado ou, por ora, interrompido. Contudo, acabei por aceitar encabeçar esta lista com muito sentido de missão, dispondo-me representar o Conselho Superior e a servir mais um mandato, ciente de que a experiência da nossa equipa pode contribuir para um melhor funcionamento da instituição.
De referir que, nas anteriores eleições da Ordem, nunca estive alinhada com nenhuma lista nem com nenhum candidato a Bastonário. Fiz sempre parte de listas independentes. E considero até que os órgãos jurisdicionais devem ser independentes, ressalvando-se, assim, o princípio da separação de poderes. Todavia, reconheço que o Doutor Menezes Leitão fez um trabalho notável durante o seu mandato, em condições políticas dificílimas, dado o período de pandemia que se viveu. Sublinho, designadamente, a sua preocupação com a violação das normas constitucionais que regem o Estado de Direito. Diria que foi a única voz de verdadeira oposição e audível que se insurgiu contra a deriva securitária e totalitária que assolou o país por causa da pandemia. Muitos dos atropelos aos direitos, liberdades e garantias vieram a ser julgados depois pelo Tribunal Constitucional em variadíssimas decisões e o atual Bastonário, representando a Ordem, foi o único contra-peso a esse estado de coisas. Por estas razões, entre outras, aceitei integrar a sua candidatura. Tive, evidentemente, total autonomia e liberdade para constituir a minha lista, que é composta por membros escolhidos exclusivamente por mim e pelos Vice-Presidentes que a integram.
O que mudou na OA nos últimos três anos?
Este mandato iniciou-se em Janeiro de 2020 e logo a seguir entrámos em confinamento geral. Ora, isto vira qualquer instituição do avesso e a Ordem não foi exceção. A pandemia fez alterar muita coisa, em tudo, incluindo na nossa profissão. Aquilo que era para nós um padrão de vida dado como certo alterou-se. De sopetão, fomos todos confrontados com uma situação à escala mundial, que levou a reequacionar a nossa forma de trabalhar e de estar. O teletrabalho, a quebra súbita de rendimentos, a paralisação dos tribunais e a da atividade económica foram situações para as quais não estávamos preparados. Apesar de tudo, conseguiu-se fazer algumas melhorias, que se refletiram na vida dos colegas. Se calhar não tudo o que era esperado, mas a situação pandémica e a incapacidade de reação adequada e proporcionada do poder político esteve completamente fora do alcance das nossas previsões.
Olhando para o futuro – que é isso que importa nesta candidatura – tenho noção de que, fruto da evolução da sociedade, acentuada nos últimos anos na nossa profissão, os advogados não são hoje um corpo homogéneo, havendo advogados a exercer em prática isolada, outros muito dedicados ao apoio judiciário, outros em sociedades, outros advogados de empresa ou que trabalham em serviços públicos. Esta multiplicidade torna ainda mais desafiante e exigente o exercício da ação disciplinar e é por isso que procurámos apresentar uma equipa diversificada e com abrangência etária e territorial, de modo a que o órgão jurisdicional possa estar em condições de compreender todas as sensibilidades.
Existe demasiado corporativismo na fiscalização da deontologia dos Advogados?
Isso é um mito. Posso falar do que conheço de perto, que é a realidade dos Conselhos de Deontologia. Os membros dos órgãos de deontologia são Advogados, com elevado sentido da sua função e trabalham abnegadamente– pro bono, convém dizer-se – de modo a preservar o prestígio e a dignidade da advocacia, tantas vezes assaltada por vários lados. A ideia de que se julga de forma corporativa, parcial ou tendo em conta os “interesses” corporativos da classe é profundamente errada. Julgar no interesse da classe é julgar com justiça e segundo critérios estritos de legalidade, mais nada.
Da experiência que tenho – repito, de seis anos no exercício destas funções – os membros destes órgãos, que conheço, têm um elevado padrão de respeito pelos valores deontológicos, éticos e morais da nossa profissão. Nunca vi nenhuma decisão (pelo menos no órgão que integro) que tivesse sido tomada com parcialidade ou corporativismo. Aliás, as decisões mais delicadas são geralmente tomadas em reunião plenária, para assegurar uma ampla reflexão e discussão, colhendo as várias sensibilidades dos seus membros. É preciso ter presente que não pode sancionar-se um advogado inocente só porque o cliente se queixou, muitas vezes por revanchismo por não ter obtido ganho de causa ou por o advogado lhe ter apresentado uma conta de honorários com que não concorda. Temos de ser cautelosos e rigorosos na análise das situações sob julgamento. Agora, coisa bem diferente é decidir com corporativismo.
Deixe-me dizer que é para nós um fator de preocupação a perceção pública que se tem dos advogados e a ideia errada de que estes praticam infrações disciplinares ou têm comportamentos deontologicamente censuráveis e que isso não tem consequências e esses infratores por cá continuam. Esta sensação de impunidade é errada e desprestigia a nossa profissão. Isto tem de ser desmontado: é preciso mostrar à opinião pública que os advogados que não cumprem são sancionados no quadro de um procedimento disciplinar justo e célere.
O princípio da separação de poderes tem sido respeitado?
O Conselho Superior tem de manter um especial dever de isenção, responsabilidade e independência dos seus membros em relação aos demais órgãos da Ordem, de modo que, no âmbito da necessária colaboração institucional que deve pautar as relações entre eles, não se perca de vista o princípio da separação de poderes, pilar basilar de um Estado de Direito. A criação dos órgãos da deontologia, há uns bons anos atrás, foi sugerida por constitucionalistas, dado que a matéria da deontologia não poderia ser atribuída a órgãos executivos, atenta a separação de poderes.
Neste sentido, os Conselhos Regionais e o Conselho Geral não podem ter interferência nas decisões jurisdicionais, sob pena de incorrerem em violação grave do princípio da separação de poderes. Isso tem de ser escrupulosamente respeitado.
Já quanto à questão da autonomia financeira dos Conselhos de Deontologia (tenho ouvido algumas candidaturas falar sobre isto, admito que por desconhecimento das normas estatutárias), o Estatuto não é claro no que respeita a essa independência financeira, sendo totalmente omisso no que toca ao Conselho Superior que, pasme-se, nem sequer tem de apresentar os relatórios da sua atividade à Assembleia. Aliás, a questão do conflito de competências financeiras entre os Conselhos Regionais e os Conselhos de Deontologia é um problema antigo. Lamento que o caminho da autonomia financeira não tenha sido seguido na revisão do Estatuto em 2015, com idêntica solução para o Conselho Superior. Repare-se, nos termos do Estatuto, o Conselho de Deontologia responde perante a Assembleia Regional em matéria financeira, pelo que é uma incongruência que este Conselho aprove o orçamento e as suas contas, como estabelece a lei, e depois não possa executar esse orçamento que o próprio órgão aprovou. As próprias delegações têm autonomia orçamental e têm de apresentar as suas contas. Quanto aos Conselhos de Deontologia e quanto ao Conselho Superior, há uma omissão estatutária e matéria financeira.
Portanto, o próprio Estatuto, do ponto de vista financeiro, não prevê essa separação de competências, o que não quer dizer que, em matéria da ação disciplinar, essa independência não deva ser escrupulosamente respeitada, que é o que nós defendemos.
Como é possível que em pleno século XXI ainda não haja digitalização dos processos?
Não é admissível. E esse ponto é uma das reivindicações que faremos ao Conselho Geral, seja ele qual for, caso venhamos a vencer estas eleições. Na verdade – falo por experiência própria – durante o confinamento, revelou-se ser absolutamente essencial a implementação da tramitação eletrónica e da digitalização dos processos. O facto de os serviços e os relatores dos processos não poderem trabalhar digitalmente – e remotamente – foi um aspeto que teve um impacto significativo na pendência de processos disciplinares. Não creio que implementar um sistema de tramitação eletrónica seja assim tão difícil tecnicamente, considerando que já temos a plataforma base, que é o SINOA, bastando apenas adaptá-la de modo a acomodar a tramitação dos processos disciplinares, obviamente com estrito respeito do sigilo e assegurando a indispensável segurança informática.
Esta sensação de impunidade é errada e desprestigia a nossa profissão. Isto tem de ser desmontado: é preciso mostrar à opinião pública que os advogados que não cumprem são sancionados no quadro de um procedimento disciplinar justo e célere”.
Que modelo disciplinar preconiza para a OA?
É indispensável um modelo de processo disciplinar que, não pondo em causa os princípios da legalidade e da garantia de defesa, seja transparente, simples e célere, em função da natureza de certas infrações. Haverá umas que justificam tramitação sumária e abreviada, como é o caso das declarações à imprensa, quebras de sigilo ou falsificação de documentos. Outras, como a apreciação dos deveres de zelo e diligência, o conflito de interesses ou a retenção de valores dos clientes, que requerem tramitação mais complexa e uma análise mais aprofundada. Só para termos uma noção da complexidade do atual processo disciplinar, ao longo do mesmo, o visado é notificado para se pronunciar quatro vezes. Muitas vezes para responder a mesma coisa, nada acrescentando de novo. Que necessidade há disto? Estamos a falar de advogados que sabem muito bem avaliar as suas garantias de defesa, não me parecendo necessário procedimentos redundantes para acautelar os seus direitos.
Outro aspeto: já tenho ouvido outros candidatos dizer que é importante fazer uma triagem das participações que entram na Ordem. Ora, isto é não fazer a mínima ideia do que se passa nos Conselhos. Esta triagem já se faz. As participações, quando entram, são sujeitas a uma apreciação liminar por parte de um membro do Conselho (geralmente o Presidente ou um dos Vice-Presidentes) e, mostrando-se que não têm fundamento ou que não há indícios da prática de infração, são arquivadas liminarmente. Havendo indícios, é mandado instaurar processo disciplinar, como é evidente. Deixe-me acrescentar que, em primeira instância, o Conselho Superior só tem competência para certos casos (quando os visados são membros de órgãos da Ordem, por exemplo), pelo que essa triagem nem sequer é o principal problema com que o Conselho se tem de debater. Preocupam-me mais os laudos e os recursos.
No regulamento disciplinar (que data de 2015 e cuja revisão é da competência do Conselho Superior), é importante rever o direito probatório, reforçando a regra de que compete aos intervenientes trazer ao processo os elementos de prova, sem prejuízo de se facilitar a sua recolha oficiosa junto de outras entidades, quando tal se justifique. Essa recolha oficiosa de provas é muitas vezes morosa, muito cara (e o Conselho não tem meios para tal) e isso dificulta e retarda a tomada de decisões.
Impõe-se rever também o processo de inidoneidade que deve ser ágil, sem esquecer que as garantias fundamentais de defesa devem ser amplamente asseguradas. Todavia, um advogado que não tem condições para continuar a exercer a profissão deve ser sujeito a processo célere para que não continue a prejudicar os seus clientes e, indirectamente, a afectar o prestígio de toda a classe.
Por fim, parece-me que se deve consagrar, de uma vez por todas, que as notificações a advogados no âmbito do processo disciplinar devem ser exclusivamente por via eletrónica para o endereço profissional: os advogados recebem notificações eletrónicas pelo Citius e pelo Sitaf, pelo que não é admissível que a Ordem não possa legalmente notificar os seus membros por via eletrónica quando estes são visados em processos disciplinares.
A OA tem capacidade para se auto tutelar?
Evidentemente. Quem melhor do que os advogados para avaliar o seu desempenho e os dos seus pares? Como digo, este mito do corporativismo não tem qualquer adesão à realidade porque não é assim que as coisas se passam no seio da Ordem. Temos uma profissão que, pelo seu conteúdo e finalidade, vive numa permanente tensão e isso impõe-nos uma constante auto-fiscalização, a todos e a cada um de nós, uma observância rigorosa de uma irrepreensível linha de conduta. Quem não é capaz disso, também não está à altura da profissão. E aí, caberá aos órgãos da deontologia actuar, de acordo com os procedimentos legalmente previstos.
A OA é, atualmente, uma mera cobradora de quotas?
Claro que não. Essa é a perceção pública errada que se tem das funções da Ordem, mas os mais atentos, ainda que leigos, verificarão que a Ordem é indispensável como instituição reguladora de uma profissão que se quer livre, independente e exercida com autonomia técnica. E, nesse aspeto, a deontologia deve ser o elemento central do trabalho da Ordem dos Advogados: é preciso fazer ver isto aos decisores políticos e ao público em geral. Se não conseguirmos fazer valer a importância da Ordem em matéria disciplinar, estaremos condenados ao apagamento e a advocacia transformar-se-á numa atividade mercantil como outra qualquer. Para isso, temos, com efeito, de melhorar a comunicação em torno da deontologia: a esmagadora maioria dos advogados age corretamente, dentro do nosso quadro deontológico. Claro que o que vem a lume são geralmente os casos que correm mal, mas que são uma ínfima percentagem daquilo que é a atividade intensa e exigente dos inúmeros colegas que, diariamente, lutam pela Justiça e pela defesa das liberdades e garantias. É neste quadro que a função reguladora da Ordem é imprescindível.
Existe uma necessidade de fiscalizar a OA, de forma a haver total transparência?
Prestar contas é essencial, designadamente nos órgãos de deontologia – e é desses que interessa falar nesta nossa conversa.
É evidente que o Conselho Superior tem de atuar com transparência e respeitando estritos critérios de legalidade – e estou convencida que todos os órgãos de deontologia o fazem. Mas é preciso também estarmos cientes de que as matérias disciplinares são muito sensíveis e podem determinar a ruína da atividade profissional de um Colega que, num momento infeliz praticou uma infração ou teve um deslize. Por isso, os processos não podem nem devem ser públicos (e estatutariamente até à fase da acusação são secretos).
O Conselho Superior, como órgão jurisdicional máximo da Ordem deve promover, embora tal não esteja estatutariamente consagrado, a divulgação pública dos resultados da sua atividade. Não sou adepta do excesso de regulação, mas defendo que é importante, para a credibilização externa do órgão que haja uma prestação periódica de contas, que informe os membros da Ordem da pendência processual, dos processos julgados, do número de sanções aplicadas.
Para isso contribuirá também a publicação dos pareceres e laudos, quer no site da Ordem, quer na área reservada da Ordem (de modo a que as decisões sejam acessíveis por outros motores de busca), quer em livro ou coletânea (coisa que já fazemos no Conselho de Deontologia do Porto, em cada triénio). E para fomentar a sensibilização para temas da deontologia é importante promover ações de formação e conferências para todos os advogados. Quanto à articulação com os Conselhos de Deontologia, o Conselho Superior deve incentivar a realização de encontros de trabalho entre os vários membros dos órgãos disciplinares com o propósito de discutir temas comuns e uniformização de critérios que possam ser divulgados.
Se não conseguirmos fazer valer a importância da Ordem em matéria disciplinar, estaremos condenados ao apagamento e a advocacia transformar-se-á numa atividade mercantil como outra qualquer. Para isso, temos, com efeito, de melhorar a comunicação em torno da deontologia: a esmagadora maioria dos advogados age corretamente, dentro do nosso quadro deontológico.”
Este é o único órgão (o CSOA) que pode vir a desaparecer. Como encara essa possibilidade?
O que está previsto é o desaparecimento do Conselho Superior como o conhecemos actualmente, composto por vinte e dois membros, todos advogados e com a exclusiva competência para julgar disciplinarmente os colegas. No projecto legislativo, propõe-se um órgão de oito membros (o legislador não tem noção do que é o trabalho de vinte e dois passar a ser desempenhado por oito). Mas o pior não é isso: preocupa-nos também a distorção democrática que decorre de o órgão disciplinar passar a ser eleito por uma assembleia representativa e que este órgão passe a integrar não advogados que não conhecem as especificidades da nossa profissão.
A nossa candidatura, desde o início em que foi anunciada, manifestou que irá combater tenazmente esta proposta legislativa, que considera absurda, atenta a complexidade técnica que a profissão envolve, a qual justifica que a apreciação da conduta do advogado e a aplicação das regras sancionatórias deva ser feita, exclusivamente, pelos seus pares. Com efeito, exige-se ao advogado um padrão de conduta animado por uma sólida bagagem de saberes cientificamente adquiridos, colocados com competência técnica, zelo, lealdade e perícia ao serviço dos interesses do cliente. Na maior parte das vezes, está em causa, na nossa actividade, uma obrigação de meios, o que dificulta a apreciação da diligência devida e do critério exigível ao advogado. Como podem não advogados, sem formação científica ou conhecimentos deontológicos julgar neste contexto?
Esperemos sinceramente que esta monstruosidade legislativa não venha a passar no Tribunal Constitucional por tudo o que ela significaria em diminuição da autonomia e independência das ordens e no controlo do poder político a níveis muito próximos de um Estado totalitário.
Que tipo de reforma é necessária na questão dos laudos?
A questão dos laudos é muito simples: nos termos do regulamento dos laudos, é perfeitamente exequível uma decisão proferida no prazo de três ou quatro meses, desde o momento em que o pedido entra no Conselho. Esse é o nosso compromisso. O que é preciso não é reforma do regulamento, o que é preciso é que o Conselho esteja adequadamente organizado, os serviços e os decisores, a máquina bem oleada e o Conselho tenha meios para decidir atempadamente.
A advocacia perdeu o seu prestígio?
Algum, infelizmente, mas não é de agora. Cabe-nos lutar para reverter esse estado de coisas. A todos nós advogados, responsavelmente, não apenas àqueles que desempenham funções na Ordem.
Por exemplo, quanto ao segredo profissional. Assistimos diariamente a quebras de sigilo na comunicação social e nas redes sociais, sem que tenhamos, enquanto Ordem, modo de reagir atempadamente. Quero recordar que apenas se admite o afastamento do dever de sigilo mediante autorização da Ordem. O advogado não pode, sob critério próprio e individual quebrar este dever, pondo em causa toda a classe e o papel do advogado como servidor da Justiça. O segredo profissional é corolário da prossecução de um interesse público superior característico de uma sociedade livre e democrática e é um aliado vital que contribui para robustecer a confiança dos cidadãos no Estado de Direito. São essas violações – que, de resto, devem ser sancionadas sem excepção quando se verifiquem – que põem em causa o prestígio da advocacia.
E, no seguimento disto, gostaria também de mencionar outro problema: não se pode, a coberto da liberdade de expressão – de que sou defensora acérrima – lançar um anátema sobre toda uma classe – com afirmações públicas aviltantes para todos os advogados. Como disse, a esmagadora maioria dos advogados são probos, correctos e agem na sua profissão de acordo com o código ético e deontológico a que estão vinculados. Os advogados devem ter a máxima liberdade para se expressar na defesa dos interesses dos seus constituintes, quer nos articulados, quer nas alegações, mas devem ser cautelosos no comportamento e nas afirmações públicas que possam pôr em causa toda a classe e denegrir a imagem de todos. A liberdade deve ser sempre exercida com sentido de responsabilidade.
No assunto quente que é a CPAS, a encruzilhada existe porque é um sistema corporativista?
O assunto da CPAS é uma questão que cabe ao órgão executivo da Ordem – Bastonário e Conselho Geral. Não me quero imiscuir nas competências de outro órgão, como também espero que, se for eleita, o Bastonário e o Conselho Geral não se imiscuam nas competências do Conselho Superior. O que não quer dizer que não tenha a minha opinião sobre o assunto, que não vou revelar publicamente porque, como digo, também espero que o órgão executivo não se ponha a emitir opiniões públicas sobre aquilo que é da competência do órgão jurisdicional. Isso sim é respeito pela separação de poderes.
As sociedades multidisciplinares e os perigos inerentes fazem parte do seu discurso. Não acha que já é uma batalha perdida?
Não acho que seja uma batalha perdida. O problema das sociedades interdisciplinares é muito complexo porque a sua admissibilidade coloca em causa o cumprimento dos deveres deontológicos que enformam a nossa profissão: como compatibilizar a interdisciplinaridade com o sigilo profissional, com o conflito de interesses, com as regras da publicidade? É isso que me preocupa, não propriamente a questão da concorrência que parece ser o foco das preocupações de alguns, esses sim talvez mais corporativistas. Os deveres deontológicos que são postos em causa com as sociedades multidisciplinares, designadamente o segredo profissional não têm a ver apenas com interesses privados do cliente: o dever existe para tutela de um interesse público superior – i inestimável valor da confiança no sistema de Justiça e no Estado de Direito. Qualquer interpretação que vise desvirtuar o segredo profissional tornando-o uma mera prerrogativa do advogado ou um direito disponível do cliente perde de vista o seu fundamento. É isto que me preocupa e tudo farei para que a deontologia profissional seja salvaguardada.
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Isabel Menéres Campos: “A ideia de que se julga de forma corporativa, parcial ou tendo em conta os “interesses” corporativos da classe é profundamente errada”
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