As soft skills passaram a ser cada vez mais valorizadas na hora de recrutar. Desde integridade, honestidade até à criatividade, várias são as características humanas mais procuradas pelos escritórios.
Os processos de recrutamento estão a mudar e são cada vez mais tecnológicos e diversificados. Alicerçada a esta mudança, também o perfil dos candidatos se adaptou aos novos tempos.
Se há uns anos o conhecimento teórico, ou as chamadas hard skills, eram o mais importante, com o passar do tempo as soft skills passaram a ser cada vez mais valorizadas, quer pelos empregadores quer pelos trabalhadores.
Cinco sociedades de advogados foram abordadas pela Advocatus e todas elas consideraram que o peso dado às características humanas no momento do recrutamento é cada vez mais próximo, e às vezes superior, do que é dado ao conhecimento académico.
“Um bom advogado tem de dominar profundamente o direito, mas isso não basta para trilhar uma carreira na advocacia, é fundamental que demonstre também características interpessoais positivas e saudáveis, que se enquadrem na cultura da PLMJ. A chave para esta questão é a palavra equilíbrio”, explicou João Tiago Morais Antunes, sócio e responsável da Comissão de Estágio da PLMJ.
Também na Abreu Advogados ambas são bastantes importantes, sendo as características humanas o “plus”. “A personalidade, a genuinidade e a autenticidade de cada candidato. É isso que os torna únicos”, referiu Matilde de Mello Cabral, chief operating officer.
Joana Almeida, diretora de pessoas da Morais Leitão, relembrou ainda que uma grande parte do direito que praticam no escritório não é estudado nas faculdades, pelo menos na fase de licenciatura, logo é um pressuposto base mas não único. “As características humanas são absolutamente fundamentais, porque garantem a sustentabilidade presente e futura da nossa equipa”, acrescentou.
“Numa fase em que os estagiários estão todos, mais ou menos, equiparados a diferenciação positiva far-se-á exatamente pelas características humanas que o estagiário tem a capacidade de revelar nas entrevistas e pode ditar o sucesso do recrutamento”, revelou Susana Santos Valente, sócia e membro da Comissão Executiva da PRA-Raposo, Sá Miranda & Associados.
"São as características humanas que nos distinguem e simultaneamente nos unem, que nos permitem construir equipas constituídas por pessoas que partilhem os mesmos valores.”
Assim, todos os escritórios concordam que as diferentes características humanas são importantes no momento de recrutar e sublinham que só assim é possível definir a identidade de cada um.
“As características humanas são fundamentais, porque a TELLES é, antes de tudo, uma sociedade de pessoas. São as características humanas que nos distinguem e simultaneamente nos unem, que nos permitem construir equipas constituídas por pessoas que partilhem os mesmos valores, assegurando um ambiente saudável e enriquecedor”, notou Cláudia Correia, diretora de recursos humanos da TELLES.
Já Joana Almeida explicou à Advocatus que a “riqueza da diversidade” está a levá-los mais longe e a alterar a Morais Leitão. “Com a sua experiência e mundividência, com a sua personalidade, cada pessoa molda a nossa cultura, modificando o caminho de crescimento da sociedade”, disse.
A diretora da Morais Leitão garantiu que nunca recrutam em “abstrato” e que procuram pessoas para áreas e setores em concreto, ou seja, integram-nas em equipas já existentes o que possibilita que transportem com elas novas ideias e valores, que se somam e modificam às existentes na equipa.
"As características humanas são absolutamente fundamentais, porque garantem a sustentabilidade presente e futura da nossa equipa.”
Com cerca de 3.000 candidatos por ano, na Abreu Advogados as características humanas são “fundamentais” e “determinantes” para selecionar futuros estagiários. No processo de recrutamento avaliam os candidatos em diferentes contextos e a forma como pensam e agem nas diferentes situações e desafios que lhes vão colocando.
“Temos um processo desenhado em torno de desafios e trabalho em equipa, cada momento com objetivos diferentes, em que os candidatos são acompanhados por um grupo heterogéneo de advogados e colaboradores de diferentes áreas e com diferentes backgrounds, precisamente para garantir que a nossa observação não se cinge a um momento e/ou a uma característica, e que conseguimos interagir e observar os candidatos em diferentes contextos, ao longo de um dia de convívio e desafios”, explicou Matilde e Mello Cabral.
Desde integridade, honestidade, solidariedade até à criatividade e curiosidade, várias são as características mais procuradas pelos escritórios. “As características humanas que mais valorizamos aquando do recrutamento são a empatia, a determinação e a responsabilidade”, enumerou Susana Santos Valente.
Na PLMJ o que procuram num estagiário é o empenho, compromisso, curiosidade, agilidade, proatividade, iniciativa e capacidade de trabalhar em equipa e que permitam um trabalho interdisciplinar necessário no acompanhamento dos clientes.
“Um advogado estagiário não é alguém que vem ao escritório fazer umas horas para depois se dedicar ao que verdadeiramente gosta ou que o entusiasma, mas sim alguém que vem para se fundir na equipa PLMJ”, sublinhou João Tiago Morais Antunes.
Acreditando que é da “diversidade” e “pluralidade de perfis” e de experiências que nascem as melhores equipas, Matilde de Mello Cabral afirmou que na Abreu procuram curiosos, “pessoas que questionem o status quo”, que não se limitam ao que sabem e que procuram descobrir mais.
“Valorizamos a solidez e firmeza do caráter, procuramos pessoas que sublinham o exemplo pelo comportamento e defendem a necessidade de fazer as coisas certas, mesmo quando possa ser difícil. Procuramos também ter perfis mais analíticos, outros mais conceptuais e virados para a inovação, outros mais pragmáticos e emocionais, mas sempre pessoas que gostem de jogar em equipa. Pessoas genuínas e corajosas que não se esgotam nas coisas óbvias e procuram resolver problemas complexos, rigorosas mas também com irreverência”, acrescentou a chief operating officer da Abreu.
Com cerca de 12 estagiários por ano, na TELLES um “bom ser humano” e um “bom aluno” com vontade de aprender e de trabalhar é desejado nos candidatos. “Como é evidente, a integridade, a honestidade, a solidariedade, a capacidade de trabalhar em equipa, a curiosidade, o empenho e o foco são características que qualquer colaborador da TELLES tem que ter”, referiu Cláudia Correia.
Retenção de talentos é importante
Apesar de valorizarem as características humanas na hora de recrutar, o que faz um estagiário destacar-se dentro do escritório? Vários fatores, mas o equilíbrio, dedicação e acrescentarem valor à firma são dos mais evidenciados.
“Os clientes procuram, cada vez mais, resultados rápidos e eficazes para os seus problemas, e para podermos oferecer este tipo de soluções necessitamos de advogados estagiários que não sejam só muitos bons numa só área, mas sim completos nas diversas frentes do direito, que o compreendam e dominem”, considerou o sócio da PLMJ.
Joana Almeida referiu também que um estagiário destaca-se pelo valor que acrescenta, cria ou completa uma necessidade da Morais Leitão ou dos seus clientes, e consegue “fazer-se notar sem ultrapassar ninguém”.
"Numa fase em que os estagiários estão todos, mais ou menos, equiparados a diferenciação positiva far-se-á exatamente pelas características humanas que o estagiário tem a capacidade de revelar nas entrevistas e pode ditar o sucesso do recrutamento.”
Já Matilde de Mello Cabral destacou a importância da inteligência emocional do advogado para gerir as “diferentes solicitações, os deadlines e o stress do dia-a-dia de trabalho”. “Mantendo sempre uma certa dose de audácia para colocar as questões certas, para que possa entender o seu contributo e com isso, melhorar a sua capacidade de entregar um produto final o mais completo possível”, acrescentou.
Todos os escritórios que foram abordados pela Advocatus assumiram que a aposta em estagiários é então uma preocupação da sociedade.
“Recrutar advogados estagiários tem, na perspetiva da PRA, um duplo retorno. Por um lado, cumpre uma função de formação que os advogados seniores devem ter para com a Ordem dos Advogados e para com os estagiários. Por outro lado, permite à PRA formar advogados, adaptados à estrutura e à forma de trabalhar, que serão amanhã os sócios”, explicou Susana Santos Valente.
"Um advogado estagiário não é alguém que vem ao escritório fazer umas horas para depois se dedicar ao que verdadeiramente gosta ou que o entusiasma, mas sim alguém que vem para se fundir na equipa PLMJ.”
Com cerca de 20 a 25 estagiários por ano, a PLMJ tem a preocupação de prestar “uma formação completa no presente” para terem bons advogados a assegurar o futuro.
Também a TELLES dá especial atenção à formação dos estagiários. “A TELLES tem uma elevada preocupação em formar advogados de excelência, com os valores e as qualidades humanas que consideramos importantes. Os advogados estagiários são o futuro da sociedade, pois privilegiamos muito o crescimento orgânico, tendo a TELLES uma elevada taxa de permanência dos estagiários na sociedade após o término do estágio”, sublinhou Cláudia Correia.
E de forma a reter talentos, na TELLES proporcionam um ambiente “exigente” e simultaneamente “agradável”, de “solidariedade” e com “espírito de equipa”, “transversal a todos”, e propício ao crescimento profissional, humano e à aprendizagem.
Já a PRA, que recebe cerca de 15 estagiários por ano, tem dado vários benefícios para facilitar a retenção de talentos. “Esses benefícios são transversais à vida profissional e pessoal, permitindo a valorização de ambas, e vão desde dotar os estagiários de meios, tecnológicos ou outros, que facilitem a execução do trabalho, mas também permitir o teletrabalho em 50% do tempo, promover regularmente eventos de team building, financiar a formação externa e interna, conceder dias extra de férias, e naturalmente, uma remuneração, fixa e variável, adequada à função e categoria”, notou a sócia da PRA.
Na Morais Leitão a preocupação de reter vai desde os mais novos até aos mais velhos, que “também precisam de atenção e mecanismos de retenção”, e por isso as políticas são pensadas para a completa inclusão.
“Nos últimos tempos, temos prestado particular atenção à saúde mental e ao equilíbrio das vidas pessoais com as vidas profissionais. Foram anos agitados, de ansiedade misturada com picos extremos de trabalho, o que acaba por ter consequências no ânimo e motivação. A título de exemplo, como profissionais independentes, sentimos que havia espaço para o desenvolvimento de políticas de parentalidade mais justas e equitativas, bem como de licenças sabáticas para a aposta na realização pessoal. O plano de formação é cada vez mais abrangente, com novos temas”, referiu a diretora de pessoas da Morais Leitão.
Os desafios dos estagiários
Resiliência, estabelecer relações com os clientes e equipas, e preparação para as adversidades são os principais desafios apontados que os advogados estagiários enfrentam atualmente.
“Uma carreira na advocacia envolve uma constante atualização de conhecimentos, e para isto é necessário que os advogados estagiários cultivem, desde cedo na carreira, uma atitude de autossuperação, resiliência e proatividade, que lhes permita compreender que a estaticidade do saber é o seu maior inimigo. O que aprendemos na faculdade constitui uma base que, ainda que importante, é apenas uma base que precisa de ser complementada ao longo de toda a carreira”, referiu João Tiago Morais Antunes.
"Encontrar um equilíbrio entre a urgência desta nova geração e o ritmo das organizações é um desafio permanente em que ambos os lados têm que trabalhar.”
Joana Almeida, diretora de pessoas da Morais Leitão, fez uma sondagem junto dos estagiários do escritório e apurou que o desafio nos dias de hoje é duplo. Um deles é “substituir os cânones da faculdade”, onde têm de mostrar tudo o que sabem num curto período de tempo, pela abordagem mais pragmática de se ser advogado: “o cliente tem de ficar ciente das opções e riscos, mas não precisa (e na generalidade dos casos não quer) conhecer a fundo a génese do regime legal ou as divergências doutrinárias que existem sobre o tema”.
“Por outro lado, existe o desafio de se integrarem numa organização com uma história e cultura próprias, que devem conhecer e à qual devem aderir para prosperarem e serem felizes, sem perderem a sua individualidade e, com ela, a capacidade de conformarem a própria organização. O tema do work life balance, a que as novas gerações são (e bem) sensíveis, é um bom exemplo desta tensão saudável”, acrescentou.
Já Matilde de Mello Cabral sublinhou que o principal desafio está em linha com as características da sua geração, “muito bem preparada tecnicamente, mas menos preparada para lidar com adversidades”. Assim, a chief operating officer da Abreu considera que o desafio será sobretudo de resiliência, flexibilidade e inteligência emocional para “entenderem melhor o ritmo e os desafios coletivos das organizações e aprenderem a interagir com os diferentes interlocutores e até diferentes gerações existentes nas sociedades”.
“Encontrar um equilíbrio entre a urgência desta nova geração e o ritmo das organizações é um desafio permanente em que ambos os lados têm que trabalhar. Os estagiários não devem deixar de comunicar as suas preocupações e até as transformações que pretendem ver implementadas e das quais pretendem fazer parte, mas o desafio está sobretudo na forma e na compreensão dos timings e ritmos de organizações com mais de 300 pessoas”, concluiu.
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