Meo, Nos e Vodafone aproveitaram 2022 para levar o 5G à maioria dos concelhos, mas o acesso ainda é limitado para muitos portugueses. O que trará o novo ano para esta tecnologia?
Portugal tem 5G há mais de um ano. As operadoras aproveitaram 2022 para desenvolver a sua rede e levar a quinta geração a cada vez mais lugares, mas muitos portugueses continuam sem acesso e poucas empresas tiram partido da tecnologia. Além disso, para o setor das telecomunicações, o 5G continua a representar mais um custo do que uma fonte de receita.
Com o primeiro aniversário assinalado e os pés já em 2023, é a altura ideal para fazer um balanço do trabalho executado e falar das perspetivas para o ano que se principia. Um ano em que as operadoras vão ser obrigadas a cumprir as primeiras metas do leilão e que deverá ficar marcado, efetivamente, pela entrada de um novo prestador na vida dos cidadãos.
"No período em que estivemos em banho-maria, os operadores fizeram um trabalho muito sério de consolidação tecnológica.”
5G fez-se à pista em 2022
2022 acabou por ser, finalmente, o ano do 5G. O fim do longo leilão da Anacom em outubro do ano anterior atribuiu licenças a seis empresas (Meo, Nos, Vodafone, Nowo, Digi e Dense Air), rendeu 566,8 milhões de euros e permitiu pôr Portugal no mapa europeu da tecnologia. Numa análise objetiva, o país chegou atrasado a esta tendência, tendo sido o penúltimo a entrar na quinta geração, só passando a Lituânia. Com o passar do tempo, ficará cada vez mais claro se este atraso, verdadeiramente, prejudicou o país.
“Não perdemos nada. Acho que, no período em que estivemos em banho-maria, os operadores fizeram um trabalho muito sério de consolidação tecnológica”, opina Pedro Tavares, sócio da Deloitte, uma consultora. O especialista lembra que as empresas do setor “não estiveram paradas” enquanto decorria o processo de atribuição de licenças e, por isso, a implementação até “correu melhor, porque não havia a pressão do lançamento”, defende.
Entretanto, para os consumidores, a diferença ainda é pouca neste “período de experimentação”, considera Luís Pisco, jurista da Deco, a associação de defesa dos consumidores. “Penso que ainda não é relevante para os consumidores. Não há nada palpável [de diferente] entre 4G e 5G. É um período para dar a conhecer a tecnologia, mas, em termos de benefícios para os consumidores, ainda não é nada relevante. Eventualmente, será mais importante em termos industriais, para as empresas, mas ainda não há aquele choque”, refere o especialista.
Em setembro, uma análise da Fitch, citada pela Anacom, veio juntar uma nova perspetiva à discussão. Em contraciclo, a agência veio dizer que o 5G em Portugal acabará por ser mais relevante para os consumidores do que para as empresas, por causa do nível baixo de industrialização do país: “Apesar de o grande potencial do 5G estar nas soluções que pode fornecer ao setor empresarial (…), o nível ‘relativamente baixo’ da industrialização do país e o ritmo ‘genericamente lento’ na adoção de serviços e infraestruturas digitais levam os especialistas a prever que os casos de uso serão limitados na indústria portuguesa”, lê-se num artigo do regulador acerca do referido relatório.
A análise aos últimos dados da Anacom, o regulador do setor, permite concluir que, se vive numa zona mais urbanizada, provavelmente já pode experimentar os benefícios da quinta geração. Quase 90% dos concelhos do país já tinham antenas 5G – estações de base – no final de setembro. No entanto, menos de 40% das freguesias dispunham destas instalações. E, olhando só para as freguesias de baixa densidade, quase 75% ainda não tinham nenhuma antena 5G no final do terceiro trimestre.
“O que temos defendido é que a rede 5G deve vir para ficar, mas em todo o território nacional, e não apenas no litoral e nos grandes centros urbanos. Pensamos que esse é o caminho, no sentido de haver uma implementação com a mesma qualidade em todo o território nacional, não discriminando centros urbanos dos centros rurais”, alerta Luís Pisco, da Deco. Se assim for, a quinta geração pode ser um “fator diferenciador na coesão nacional” e uma importante tecnologia para “as populações nas regiões” mais remotas. Caso contrário, será mais um fator a contribuir para a desigualdade.
Gratuito, mas só com telemóvel novo
A cobertura, ou falta dela, não é a única barreira ao acesso à tecnologia. Mesmo que esteja numa zona com 5G, precisa de ter um telemóvel compatível. Com o tempo médio de vida útil de um smartphone a rondar os dois anos, as operadoras têm de esperar que os consumidores renovem os seus equipamentos.
Muitos modelos de média gama já oferecem 5G a preços relativamente acessíveis, e praticamente todos os modelos de gama alta estão preparados para esta tendência. Fonte oficial da Nos revela até que, “neste momento, três em cada quatro smartphones vendidos pela Nos já são 5G.” Fora das lojas das operadoras, a realidade pode ser outra. O ECO constatou numa conhecida loja de eletrónica online que vários dos modelos novos em destaque ainda não têm esta capacidade.
Para acelerar a renovação do parque de smartphones poderão ter contribuído a última Black Friday e a temporada de compras do Natal, ainda que a inflação elevada aplique um efeito de contrapeso. No mais recente estudo da Netsonda para a Worten, feito a propósito da campanha da “sexta-feira negra”, os produtos tecnológicos surgiam como a categoria mais procurada pelos consumidores, figurando nas intenções de compra de 51% dos inquiridos. Ao ECO, fonte oficial da Altice Portugal, dona da Meo, diz que “o número de clientes com terminais 5G situa-se na ordem das centenas de milhar” e que, “atualmente, 60% do parque de equipamentos Meo são 5G”.
Quanto mais telemóveis 5G estiverem nos bolsos dos portugueses, mais cedo as operadoras vão conseguir começar a rentabilizar os seus próprios investimentos. O que não é de somenos importância, dado que, nesta fase de transição, nenhuma das três principais empresas do setor está a cobrar diretamente aos consumidores pelo acesso à tecnologia.
Desde que lançaram ao público os primeiros tarifários, Meo, Nos e Vodafone tem protelado o fim da campanha que disponibiliza gratuitamente as funcionalidades da quinta geração à generalidade dos clientes móveis. A próxima data é 15 de janeiro, a mesma nas três principais operadoras. Mas não seria surpresa que as três companhias anunciassem uma nova extensão.
Pedro Tavares fala numa “política de terra queimada”, em que todo o setor foi forçado a seguir a estratégia de uma operadora. Alerta também que a gratuitidade prejudica a perceção de valor dos consumidores: “Se não pago, naturalmente, não lhe dou o devido valor.” Mostra-se, contudo, confiante de que os tarifários que não têm 5G integrado começarão a ser pagos durante o “primeiro trimestre de 2023”. E aponta que, indiretamente, as operadoras têm ganhado no 5G de uma forma menos óbvia: através do maior consumo de dados causado por esta tecnologia.
Por sua vez, Luís Pisco acredita que, para se massificar, o 5G tem de deixar de ser “um capricho ou um luxo” de quem tem capacidade económica, mas “uma ferramenta que possa ser usada pela população” em geral.
Operadoras com metas para cumprir
Seja qual for a dimensão do mercado, há metas que vão ter de ser cumpridas em 2023, ano em que o desenvolvimento do 5G deverá entrar em velocidade de cruzeiro. Quando compraram as licenças no leilão da Anacom, as três principais operadoras sujeitaram-se a obrigações de cobertura que o Governo se recusou a adiar, mesmo após o início da guerra na Ucrânia (e não foi falta de pedidos).
Assim, até ao final do próximo ano, Nos e Vodafone têm de disponibilizar um serviço de banda larga móvel, com débito mínimo de 100 Mbps (megabits por segundo), a 75% da população de cada uma das freguesias consideradas de baixa densidade e a cada uma das freguesias da Madeira e dos Açores. No caso da Meo, o débito mínimo é de apenas 50 Mbps, porque a empresa comprou menos espetro na faixa dos 700 MHz do que as duas outras concorrentes.
“Se vamos ter 100% de cumprimento das obrigações? Acho que não”, vaticina Pedro Tavares. “Não acredito que os operadores consigam e tenham, sequer, interesse de cumprir o que estão sujeitos. É um caminho que se vai fazendo, em função do que é a obrigação”, diz. As operadoras têm reiterado a intenção de respeitar o calendário determinado pelo regulador, mas já alertaram para a dificuldade que é obter equipamentos perante os constrangimentos que têm gripado as engrenagens das cadeias de abastecimento.
Fonte oficial da Vodafone assegura que “tem estado a trabalhar para garantir o cumprimento das obrigações resultantes do leilão 5G, estando este plano a decorrer dentro do esperado”. Mas lembra: “O setor atravessa constrangimentos comuns, nomeadamente o impacto da inflação, sobretudo dos custos de energia (de que a Vodafone é grande consumidora) e dos combustíveis, os distúrbios das cadeias logísticas que aumentam os preços e os prazos de entrega dos equipamentos, além da falta de mão de obra qualificada nas equipas de terreno por parte dos nossos empreiteiros (com êxodo destes recursos para outras indústrias, como por exemplo as áreas de energia)”.
“Sem prejuízo do empenho e compromisso acima referidos, esta situação coloca grande pressão e tem impacto acrescido num momento em que a empresa está a desenvolver múltiplos planos de modernização da rede e a implementar o referido plano de obrigações de cobertura 5G”, reafirma a Vodafone.
Três mais dois, e no fim ficam quatro
No final de setembro, a Nos, que também foi a primeira a lançar o 5G em novembro de 2021, era a operadora com mais antenas 5G (1.974 estações, quase metade do total). A empresa anunciou em novembro que “cobre hoje mais de 85% da população portuguesa” e que investiu mais de 350 milhões de euros em 5G nos últimos dois anos (as licenças custaram-lhe pouco mais de 165 milhões). No comunicado em que anuncia os resultados financeiros e operacionais do terceiro trimestre, o grupo faz referência ao “programa acelerado de implementação do 5G, cujo término se aproxima”.
“Na área empresarial, temos à data de hoje mais de 250 projetos em curso em empresas e instituições das mais diversas áreas, desde a saúde ao retalho. Dos clientes elegíveis para utilizar 5G (que possuem equipamentos compatíveis), olhando para o último mês, a percentagem de utilizadores ativos ultrapassou os 70%, um valor que continua a crescer e que em muito tem beneficiado do período de experimentação gratuito que a Nos está a proporcionar”, comenta fonte oficial da operadora, acrescentando que a tecnologia em Portugal tem “uma cobertura bem acima da média da União Europeia” e que o país tem a sétima rede mais velo do bloco comunitário. “A avaliação é claramente positiva”, remata.
A Meo era a operadora que, até ao final do trimestre, tinha menos estações 5G instaladas (739) no país, além de também ter sido, das três, a que menos investiu em frequências – 125,23 milhões, aquém dos 133,2 milhões da Vodafone. Segundo a empresa, a cobertura de 5G da Meo também atingia 85% da população no final de setembro, com a empresa a falar num investimento total de mais de 114 milhões de euros nesses três meses, isto é, incluindo, mas não só, o investimento em 5G.
“Em 2023 e nos anos seguintes, o 5G vai continuar a ser uma das nossas grandes apostas do ponto de vista de investimento, com o desenvolvimento de projetos e soluções que aportem mais valias ao dia a dia dos cidadãos e das empresas”, diz fonte oficial da Altice Portugal. A empresa “começou, desde muito cedo, a trabalhar no 5G, estando hoje destacada ao nível do mercado e do setor, com soluções que abrangem várias áreas da sociedade”.
Quanto à Vodafone, a empresa instalou 1.604 antenas. Fonte oficial diz que, “apesar do atraso no processo de concessão de licenças, a Vodafone – com o contributo do know-how internacional do grupo – tem estado empenhada em desenvolver, em parceria, provas de conceito de soluções 5G no tecido empresarial que abrem caminho para acelerar a digitalização do país”. E acrescenta: “Neste primeiro ano de operação, e a esta data, cerca de 15% da base de clientes da Vodafone Portugal já usa a rede 5G, percentagem que tem vindo a aumentar progressivamente nos últimos meses.”
Mas o caso da Vodafone é bastante mais complexo. A empresa nunca se convenceu de que o mercado português teria dimensão para abarcar as cinco operadoras que foram ao leilão para vender 5G aos consumidores (a sexta, Dense Air, tenciona vender os respetivos serviços às outras operadoras). Por isso, Portugal foi um dos países em que o grupo de raízes britânicas decidiu partir para a consolidação.
No dia 30 de setembro, a Vodafone anunciou a compra do veículo que detém a totalidade da concorrente Nowo, por uma quantia que recusou especificar. O CEO, Mário Vaz, alegou que o negócio vai permitir à empresa “aumentar a base de clientes” e a “cobertura de rede fixa”. A Nowo tem, atualmente, cerca de 250 mil clientes móveis e 140 mil clientes fixos, segundo números avançados pelas próprias empresas. Ora, no anúncio da operação, o grupo não menciona uma única vez o tema do 5G, mas é impossível de analisar esta fusão de outra perspetiva.
A bola está do lado da Autoridade da Concorrência (AdC), que, com uma presidente em fim de mandato, terá de aprovar ou chumbar definitivamente a consolidação. Para tal, Margarida Matos Rosa contará com o parecer não vinculativo de João Cadete de Matos, presidente da Anacom, que já alertou a colega para as dúvidas que o negócio suscita no que diz respeito às licenças.
A principal questão, mas não a única, tem a ver com o espetro que a Nowo pôde adquirir por ser considerada um “novo entrante” no negócio móvel (com rede própria). A Vodafone não tinha acesso a essas licenças, mas passaria a controlá-las no momento em que começasse a mandar na Nowo. Face a isto, a Anacom pediu à AdC que obrigue a Nowo a entregar essas licenças e identificou múltiplos riscos que terão de ser eliminados, caso a fusão vá adiante. O regulador teme, entre outras coisas, que a compra da Nowo pela Vodafone leve a subidas de preços para os clientes de ambas as empresas.
Nessa lógica de concorrência, a Anacom aguarda também o contributo dos romenos da Digi, uma marca desconhecida em Portugal, mas que deverá entrar no léxico das famílias a partir deste ano. O grupo investiu mais de 67 milhões de euros na compra de licenças no leilão e está a investir na construção da sua própria rede 5G e no desenho de ofertas comerciais em fibra ótica. A intenção inicial do novo player era anunciar-se ao mercado ainda em 2022, mas tal acabou por não ser possível. Se a Digi aplicar com sucesso em Portugal a mesma estratégia que tem aplicado em Espanha, onde tem conseguido conquistar quota de mercado, o setor pode levar um abanão.
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