Nuno Morgado, co-coordenador de Laboral da PLMJ, e Pedro Rosa, associado sénior, explicam a proposta do BE relativa à compensação de um trabalhador que avance para tribunal, num caso de despedimento.
Nuno Ferreira Morgado é sócio e co-coordenador da área de Laboral. Tem experiência de quase 20 anos de prática jurídica, com foco em direito do trabalho e questões de segurança social. O seu nome tem sido associado à estruturação laboral de operações de privatização e de concentrações importantes, tendo assessorado uma série de empresas nacionais e multinacionais.
Tem também experiência em contencioso laboral e estando regularmente envolvido em grandes processos de reestruturação. Presta assessoria a várias empresas multinacionais em todos os assuntos relacionados com direito do trabalho e segurança social, destacando-se em temas como remunerações e benefícios, corporate investigations e relações coletivas de trabalho. Antes de ingressar na PLMJ, foi, durante um ano, diretor do departamento jurídico do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais.
Já Pedro Rosa é associado sénior na área de Laboral, contando com 10 anos de experiência como advogado. Presta assessoria em questões relacionadas com direito laboral, segurança social e pensões.
Tem liderado equipas jurídicas responsáveis pela montagem, redação, negociação e renegociação do pacote contratual associado a diversas PPP’s no setor rodoviário, prestando também assessoria regular a clientes deste setor e do setor dos transportes em Portugal. Possui ainda experiência na assessoria de promotores e entidades financiadoras em diversas matérias de direito laboral.
Pedro é mestre em Direito e Gestão pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e pós-graduado em Direito do Trabalho e Segurança Social pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Antes de entrar na PLMJ, foi advogado na Garrigues.
Os especialistas em direito laboral falaram com a Advocatus sobre a proposta do Bloco de Esquerda (Projeto Lei 162/XV/1) para que deixe de ser obrigatório devolver a compensação legal pelo despedimento, caso o trabalhador queira avançar para tribunal contra o despedimento.
Como vêm a proposta do Bloco de Esquerda (Projeto Lei 162/XV/1) para que deixe de ser obrigatório devolver a compensação legal pelo despedimento, caso o trabalhador queira avançar para tribunal contra o despedimento?
Aparentemente seria uma solução óbvia porque as pessoas ficam chocadas quando lhes dizem que a lei manda devolver um valor que, mesmo que percam em Tribunal, terá que lhes ser entregue pelo empregador. Ou seja, é um valor mínimo a que teriam sempre direito mesmo no caso de um despedimento legal. Mas, na verdade, há vários argumentos que podem desaconselhar esta medida.
No entanto, não é só a necessidade de devolução que gera protestos. Segundo percebo, a lei também exige que o trabalhador devolva imediatamente a compensação assim que a receba. Não seria justo que ao menos tivesse mais tempo para ponderar?
Percebemos a questão, particularmente quando se pensa que esta é uma decisão importante na vida de qualquer pessoa, estamos a falar do seu trabalho e modo de vida.
Mas um processo de despedimento por causas objetivas tem uma duração de pelo menos um mês, e implica a observância de um período de aviso prévio mínimo entre 15 e 75 dias, durante o qual o trabalhador pode e deve reunir as condições para, na data em que recebe a compensação (o último momento do processo), estar já apto a decidir entre fazer sua a compensação ou devolvê-la com vista a avançar para tribunal.
Na verdade, a boa-fé ditaria e faz sentido que uma pessoa que pretende destruir os efeitos da mesma decisão que lhe atribui o direito à compensação, imediatamente a devolva.
Mas, ganhe ou perca, o trabalhador terá sempre direito àquele valor, no mínimo.
Não será bem assim.
Não é esse o principal argumento de quem propõe uma solução diferente da atual?
Esse é um dos argumentos, e há mesmo quem apelide a solução de “masoquista” ou mesmo a exponha como o cúmulo do absurdo. Aliás, acrescentam que esta obrigação de devolver o valor da compensação especialmente lesiva num período em que o trabalhador perdeu o emprego, pelo que se encontra economicamente vulnerável e acusam, até, esta obrigação de ter como único fim criar um dilema moral ao trabalhador para favorecer a redução do número de litígios.
Mas a discussão tem muito mais nuances do que querem fazer parecer.
Como por exemplo?
Ainda que alguns o digam, não é verdade que a compensação seja um direito do trabalhador em qualquer cenário. Ao impugnar o despedimento, o trabalhador manifesta a sua posição de que o despedimento de que foi alvo é ilícito e reclama, em primeiro plano, o direito legal à sua reintegração no posto de trabalho.
Se for reintegrado, o trabalhador não tem, e na verdade tudo se passará como se nunca tivesse tido, qualquer direito à compensação pelo despedimento, pelo que faz todo sentido que não retenha uma quantia que lhe foi entregue exatamente para compensar o despedimento que ele visa reverter.
E a vulnerabilidade económica do trabalhador, não é por si argumento suficiente a favor da proposta do BE?
O argumento adicional relativo à especial vulnerabilidade económica do trabalhador também não contribui para reforçar o argumento dos críticos.
Esta perspetiva ignora que o regime legal está construído sob a tónica de que a assistência ao trabalhador nos seus compromissos económicos é respondida, antes de mais, pelo período razoavelmente longo que tem de se verificar entre a data em que aquele tem conhecimento da intenção do despedimento e a data dos seus efeitos, sendo que nessa fase mantém a retribuição e tem direito a crédito de tempo para, querendo, procurar novo emprego. Acrescerão a isto o pagamento de créditos finais e proporcionais a que o trabalhador terá direito por conta da cessação, e a qualificação para o subsídio no desemprego que é na verdade o sistema de seguro que foi criado para providenciar uma rede de segurança.
Ainda assim, não podem negar que a compensação legal pelo despedimento também contribui para melhorar a situação económica do trabalhador.
Certamente, mas se a compensação e pode ter uma parcial componente assistencial, parece-nos erigida essencialmente num âmbito da contrapartida ao trabalhador pelos serviços prestados à empresa e pelo seu contributo histórico para a empresa. Doutra forma, dificilmente se compreenderia o efeito multiplicador da antiguidade na empresa no valor da compensação.
Dito de outra forma, não nos parece que o legislador entendeu que quem trabalhou 20 anos na empresa que o despediu merece maior assistência do que aquele que, nesse mesmo período, trabalhou em diferentes empresas. No entanto, apesar de poderem ter a mesma idade, mesma fragilidade social etc… um poderá receber bem mais que o outro.
Em segundo lugar, se, como agora se diz, a compensação se destina a satisfazer compromissos económicos prementes do trabalhador, então a conservação da compensação será verdadeiramente desaconselhável. se o trabalhador gastar, total ou parcialmente, a compensação que recebeu, caso obtenha vencimento na ação judicial e seja consequentemente determinada a reintegração no seu posto, o mesmo terá certamente dificuldade em devolver essa quantia à empresa.
E se o trabalhador vencer a ação judicial mas não quiser regressar à empresa? Terá direito a uma indemnização superior ao valor que devolveu. Faz sentido ter devolvido aquele valor para agora o receber de volta e ter perdido a possibilidade de o utilizar entretanto, com a consequente desvalorização através da inflação?
É certo que o trabalhador pode optar por uma indemnização em substituição da reintegração até ao final do julgamento, mas então uma solução de Direito a constituir interessante e compromissória seria admitir-se a manutenção da compensação pelos trabalhadores que, aquando da interposição da ação de impugnação, aí exerçam logo a opção pela não reintegração.
Promover-se-ia, sem expor em demasia o trabalhador, certeza jurídica, apaziguamento social e estabilização da estrutura existente na empresa e das suas relações, ao invés de uma latente insegurança em ambas as Partes sobre um potencial regresso a uma estrutura que possivelmente já se modificou bastas vezes até ao final da ação judicial. Aliás, a certeza jurídica parece ser algo a que legislador e agentes da justiça delegam pouca atenção mas que os sujeitos – empresas e cidadãos – valorizariam.
Não se referiram, ainda, à ideia de que se pretende apenas criar um obstáculo aos trabalhadores em favor de menor litigiosidade. A solução atual não será esta solução meramente utilitária?
Não nos parece, a obrigação de devolução da compensação é coerente com o sistema global em vigor. A lei protege e preserva os direitos de ação e garantias dos trabalhadores no decurso da relação laboral, mas promove insistentemente a solução rápida de litígios em caso de rotura. Apontam neste sentido o prazo de prescrição dos créditos laborais (de um ano após o fim da relação), as limitações dos negócios jurídicos creditícios entre empregador e trabalhador no decurso da relação laboral que se tornam possíveis uma vez finda e a multiplicidade de soluções apaziguadoras dos conflitos que nasceram e algumas apenas subsistem na esfera laboral (audiências preliminares, mediação etc…).
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PLMJ: “Não é verdade que a compensação seja um direito do trabalhador em qualquer cenário”
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