Cinco questões por esclarecer na saída de Alexandra Reis da TAP
O que levou a liderança da TAP a querer a saída da antiga administradora? Esta poderá ter de devolver a indemnização? O que sabiam os ministros? São algumas das dúvidas que ainda não têm resposta.
A divulgação dos esclarecimentos da TAP sobre a indemnização de 500 mil euros paga pela companhia aérea a Alexandra Reis ditou a demissão da secretária de Estado do Tesouro. Há, no entanto, algumas questões que continuam sem ter uma resposta cabal.
O que levou a liderança da TAP a querer a saída da antiga administradora executiva, depois de ter sido reconduzida no cargo poucos meses antes? A justificação legal apresentada pela companhia aérea para o acordo de rescisão e a indemnização paga é válida tratando-se de uma empresa pública? O que sabiam os ministros das Finanças e das Infraestruturas sobre o processo? São algumas das dívidas que subsistem sobre o caso.
Porque quis a TAP que Alexandra Reis saísse da administração?
Alexandra Reis entrou na TAP em setembro de 2017 como diretora de compras, vinda da empresa americana de jatos privados, a Netjets, onde também dirigiu aquela área na Europa. Três anos depois, foi nomeada para a comissão executiva, então liderada por Ramiro Sequeira, com os pelouros financeiro, recursos humanos, compras ou IT e Digital. O seu trabalho terá sido apreciado, tanto que foi reeleita para um novo mandato, de quatro anos, com início em janeiro de 2021 e mantendo-se na equipa executiva quando a nova CEO, Christine Ourmières-Widener, assumiu o cargo em junho de 2021. Na resposta enviada aos ministros das Finanças e Infraestruturas, a companhia aérea assume que foi por iniciativa do conselho de administração que foi iniciado o processo para a saída de Alexandra Reis, mas o motivo por trás dessa vontade continua a ser desconhecido.
Alexandra Reis vai ter de devolver a indemnização de 500 mil euros?
Nos esclarecimentos enviados aos ministérios das Finanças e Infraestruturas, a TAP defende a legalidade do acordo de rescisão e da indemnização de 500 mil euros. A companhia reconhece que, com algumas exceções, os membros dos órgãos de administração estão sujeitos ao Estatuto do Gestor Público (EGP). No entanto, sublinha que ele “não contempla expressamente o acordo como possível forma de cessação de funções de administração, mas também não a veda”. Sustenta ainda que, o artigo 40.º do EGP estabelece uma remissão legal para o Código das Sociedades Comerciais (CSC), prevendo que este se aplique em tudo o que não estiver especificamente previsto no Estatuto, e o CSC “consente o acordo de revogação pelas partes das funções de administração”. Sobre a indemnização de meio milhão de euros, em que cerca de um quinto diz respeito a férias não gozadas, a administração da TAP defende que o valor final negociado é inferior ao que resultaria se fossem aplicadas as regras previstas no EGP para os casos de demissão.
O Presidente da República considerou esta quarta-feira que continuam a existir dúvidas. “É uma interpretação sobre o Estatuto do Gestor Público. Vamos ver se se aplica a uma situação como esta. É possível ou não haver acordos em sociedades que são de capitais públicos, mas não entendidas até há pouco tempo como públicas, ou se em todas as empresas públicas deve haver um regime homogéneo? Para a TAP, o diploma exclui as remunerações. Cobre isso os acordos de remunerações devidas por cessação do cargo?”, questionou Marcelo Rebelo de Sousa em declarações transmitidas pelas televisões.
O Governo decidiu enviar a resposta da administração da TAP para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e para a Inspeção-Geral de Finanças. Se esta considerar que existiu alguma infração no processo, abre-se a possibilidade de existir uma devolução da indemnização, mesmo que só de parte do montante. Alexandra Reis afirmou na segunda-feira, em declarações à Lusa, que devolveria, “de imediato”, caso lhe tivesse sido paga, qualquer quantia que acreditasse não estar no “estrito cumprimento da lei” na sua saída da TAP.
O que sabiam Medina e Pedro Nuno Santos?
A notícia da indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis foi dada pelo Correio da Manhã no dia 24 de dezembro. Desde então, sucederam-se críticas de vários partidos ao Governo e pedidos de esclarecimento do Presidente da República. Os ministros das Finanças e das Infraestruturas, que tutelam a companhia aérea, alegaram desconhecimento do processo. Na segunda-feira, dia 26, Fernando Medina e Pedro Nuno Santos emitiram um despacho conjunto a solicitar esclarecimentos ao conselho de administração da TAP sobre o enquadramento jurídico do acordo celebrado, incluindo sobre o montante indemnizatório atribuído.
O conhecimento ou desconhecimento do processo por parte dos ministros é um dos pontos políticos que tem sido levantado. Sendo a TAP na altura já uma empresa totalmente pública, fica a questão de até que ponto os dois ministérios estariam cientes do processo que levou ao pagamento de meio milhão de euros a Alexandra Reis, que quatro meses depois de deixar a companhia aérea foi nomeada presidente executiva da NAV Portugal pelo Ministério das Infraestruturas e foi até terça-feira secretária de Estado do Tesouro? O Estado está formalmente representado na TAP através do presidente do conselho de administração, Manuel Beja, a quem compete fazer a ponte com o acionista.
Vários partidos anunciaram já o pedido para uma audição urgente no Parlamento de Fernando Medina, de Pedro Nuno Santos, da CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, e de Alexandra Reis.
A TAP mentiu à CMVM?
Mesmo depois do esclarecimento prestado pela TAP, continuam a surgir acusações de que a companhia aérea mentiu à CMVM, como fizeram esta quarta-feira Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, ou Tiago Faria Lopes, presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil. Em resposta enviada ao ECO na terça-feira, o supervisor entende que o comunicado divulgado pela TAP sobre a renúncia da antiga administradora executiva não tinha de prestar informação sobre a existência de um acordo de rescisão com o pagamento de uma indemnização, em virtude de as regras relativas aos emitentes de obrigações, que é o caso da transportadora, serem menos exigentes do que as aplicadas aos emitentes de ações.
A CMVM nota, ainda assim, que “os emitentes de obrigações cotadas têm o dever de divulgar as alterações que ocorram na composição dos seus órgãos sociais, com rigor e de forma tempestiva” e “acompanha e supervisiona a informação divulgada pelos emitentes, tendo em atenção os requisitos de qualidade de informação prestada aos investidores e de coerência desta última com os factos relevantes que venham ao seu conhecimento”. Resta agora saber se o envio pelo Governo dos esclarecimentos prestados pela administração da TAP levará o supervisor a tirar uma conclusão diferente sobre a informação prestada pela companhia no comunicado de 4 de fevereiro, em que dá conta da renúncia de Alexandra Leitão.
A administração da TAP mantém-se?
Além do Governo, também a administração da TAP tem estado debaixo de críticas devido ao elevado valor da indemnização paga para a saída de Alexandra Reis, tendo em conta que a companhia aérea continua a receber dinheiro dos contribuintes e os seus trabalhadores sujeitos a cortes salariais, a maioria de 25%.
“Tem de haver uma responsabilização a nível empresarial, não só da CEO, a engenheira Christine Ourmières-Widener, como também do chairman, o doutor Manuel Beja, porque é ele que reporta diretamente ao ministro das Infraestruturas”, afirmou esta sexta-feira o presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil. Tiago Faria Lopes acrescentou ainda que “Manuel Beja raramente aparece na TAP”.
A saída da antiga administradora executiva é mais um de vários casos a envolver a gestão da TAP este ano, como a alteração da frota de administradores e diretores de Peugeot para BMW, entretanto congelada, ou a alegada contratação de uma amiga da CEO para a direção de um dos departamento de Melhoria Contínua, Sustentabilidade e Real Estate, tendo Christine Ourmières-Widener recusado qualquer envolvimento. O ano foi ainda marcado por vários cancelamentos e atrasos no verão, um clima de elevada tensão com os pilotos e o regresso das greves à companhia aérea com a paralisação dos tripulantes a 8 e 9 de dezembro.
Por outro lado, os resultados da transportadora aérea registam uma forte recuperação, acima do previsto no plano de reestruturação acordado com a Comissão Europeia. O terceiro trimestre fechou com lucros de 111 milhões, permitindo reduzir para 91 milhões o prejuízo registado nos primeiros nove meses. O resultado operacional atingiu os 154 milhões neste período, um recorde para a TAP.
Para já, a única consequência do caso parece ser a saída de Alexandra Reis do Governo. Poderá não ser assim se a Inspeção-Geral de Finanças concluir que existiu alguma infração das regras por parte da administração da TAP na forma como acordou a saída da antiga administradora.
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