Administradores meramente nominais e responsabilidade

  • Maria de Fátima Ribeiro
  • 12 Janeiro 2023

Sempre que o administrador ou gerente de direito voluntariamente não exerce as funções correspondentes ao cargo para que foi designado ele estará a violar os deveres de cuidado e de lealdade.

A questão de saber se a responsabilidade do administrador de facto, por actos ou omissões próprios, afasta ou pode afastar a possibilidade de responsabilização do administrador meramente “de direito” de uma sociedade comercial é de importância basilar no contexto empresarial português. Na verdade, é frequente existirem gerentes ou administradores de sociedade que só “dão o nome”, legalmente nomeados, mas que não exercem de facto as funções que lhes são impostas por lei. E, quando são chamados a responder, pretendem defender-se com o não exercício efectivo das funções para que foram designados.

Trata-se de questão que merece especial atenção, até porque no âmbito do direito fiscal e penal se tem generalizado uma orientação específica que, se transposta para o âmbito jus-societário, pode conduzir a resultados incompatíveis com a ratio do regime dos deveres e responsabilidades dos administradores. Senão, vejamos.

Não pode negar-se, no âmbito jus-societário, que sempre que o administrador ou gerente de direito voluntariamente não exerce as funções correspondentes ao cargo para que foi designado, confiando esse exercício a terceiros (quer se trate de outros membros do órgão de administração quer de pessoas a ele estranhas), ele estará, inequivocamente, a violar os deveres de cuidado e de lealdade que para si decorrem do disposto no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

A sua omissão é potencialmente geradora de responsabilidade para com a sociedade, nos termos do artigo 72.º do CSC, levando a que o administrador meramente nominal seja chamado a indemnizar a sociedade, solidariamente com o administrador de facto, pelos prejuízos que lhe tenham sido causados pela omissão do primeiro e o acto ou omissão do segundo – sendo certo que os próprios credores sociais podem subrogar-se à sociedade no exercício desse direito, como permite o artigo 78.º, n.º 2, do CSC. O administrador responde pelo incumprimento da obrigação de administrar, quando o dano resulte de omissão ilícita e culposa do administrador de facto, ou tão somente pelo incumprimento do dever de vigilância e monitorização da actuação daquele que assume de facto as funções de administração, quando a responsabilidade do administrador de facto assente na prática de acto ilícito, culposo e danoso.

E pode ainda ser de afirmar, neste âmbito, a responsabilidade extracontratual do administrador de facto, decorrente do recurso à acção directa dos credores sociais, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do CSC (embora esta possibilidade se restrinja às situações em que tenha sido violada pelos administradores norma legal ou disposição contratual que possa ser qualificada como de protecção dos credores sociais, e em que estes credores façam prova de que em consequência dessa violação o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação dos seus créditos), com os fundamentos e limites a que está sujeita a responsabilidade extracontratual por omissão.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Maria de Fátima Ribeiro
  • Docente da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e coordenadora da Pós-Graduação em Sociedades Comerciais.

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