Mais de uma centena de marcas portuguesas de cerveja artesanal já conquistaram quase 700 mil consumidores. Setor está a crescer com inovação, novas fábricas e mais empregos, à boleia do turismo.
O mercado da cerveja artesanal está em “forte crescimento” de norte a sul do país e a tendência é para continuar a evoluir favoravelmente, com mais de uma centena de marcas à venda sobretudo em cafés, bares, restaurantes e hotéis. Muitos destes negócios deram os primeiros passos em garagens para depois darem o salto para unidades fabris, com a criação de mais empregos e um contributo crescente para a economia nacional. Só em 2021 — de acordo com os dados mais recentes publicados pela Marktest –, conquistaram o palato de 686 mil consumidores.
Apoiado na recuperação no número de turistas na fase pós-pandemia, Bruno Aquino, organizador do Concurso Nacional de Cervejas Caseiras e Artesanais, estima ao ECO que a tendência de vendas para esta bebida alcoólica para 2022 e 2023 é de subida, precisamente por ser “muito consumida por turistas que frequentam bares, cafés ou restaurantes e hotéis”. Acredita mesmo existir uma correlação direta entre o turismo e o consumo das cervejas tradicionais, uma vez que se registaram quebras em ambos os setores, durante a pandemia.
Ainda assim, o mesmo estudo TGI (Target Group Index) dá conta de que 8,5% dos portugueses residentes em Portugal, com mais de 18 anos, beberam “com alguma regularidade” cerveja artesanal. Por tudo isto, o também coautor do livro “Uma viagem pelo mundo da cerveja artesanal portuguesa”, escrito com Domingos Quaresma, calcula que “o consumo certamente aumentou” em 2022.
O mercado da cerveja artesanal evoluiu imenso nos últimos anos. É muito fácil irmos a uma cadeia de supermercados e encontrar este produto.
Para Bruno Aquino, a cerveja artesanal não é um produto de massas. E diferencia-se das cervejas industriais pelos aromas e diferentes ingredientes que os cervejeiros incluem na receita e na confeção. E de tal forma, sublinha, que ” mercado da cerveja artesanal evoluiu imenso nos últimos anos. É muito fácil ir a uma cadeia de supermercados e encontrar este produto”. O especialista vê, assim, com bons olhos a dinâmica económica em torno deste produto, com cada vez mais cervejeiros a dar cartas dentro e fora de Portugal.
O facto desta bebida ser produzida em menor escala ou ter determinados ingredientes que introduzem alguma inovação no mercado — por exemplo, um café que veio propositadamente da Guatemala ou um cacau de São Tomé e Príncipe –, torna-a num produto com características únicas e, como tal, mais caro“, elucida. Uma garrafa destas cervejas pode custar, nas lojas de especialidade e em determinadas cadeias de supermercados, entre os dois e os três euros, no caso da Dois Corvos; ou entre os 2,5 e os 5 euros, no caso de uma HopSin.
Tivemos de provar que há um público para as cervejas artesanais, ou seja, um consumidor que está à procura de memoráveis experiências sensoriais de sabores e aromas.
Mesmo com preços mais elevados do que a cerveja industrial, existe muita procura por este tipo de produto. “É um mercado muito competitivo. Quando começámos a produzir, tivemos muito trabalho a explorar o valor comercial. Tivemos de provar que há um público para as cervejas artesanais, ou seja, um consumidor que está à procura de memoráveis experiências sensoriais de sabores e aromas”, resume Luís Figueira, embaixador da Dois Corvos, com fábrica em Marvila, Lisboa.
Bruno Aquino considera, por outro lado, que “existe uma cultura subjacente à cerveja” que tem ganho cada vez mais espaço no mercado. Até com copos específicos para cada tipo de produto e temperaturas para cada tipo de cerveja”, exemplifica o responsável.
De Norte a Sul do país, o processo de fabrico é que acaba por distinguir estas bebidas. Na produção da cerveja artesanal são usados quatro ingredientes essenciais: malte, lúpulo, água e levedura. Depois, existe uma panóplia de ingredientes que os cervejeiros adicionam e que resultam numa receita que guardam a sete chaves.
O organizador de eventos descreve cervejas artesanais com estilos diferentes e “características únicas”, seja pelos aromas ou pelos ingredientes originais que introduzem, como framboesa, canela, castanha ou cacau. Há produtores de cerveja a colocar a bebida a maturar em barricas de whisky e a estagiar durante um ano, antes de a disponibilizar no mercado. “É essa capacidade de inovação que distingue a cerveja artesanal da industrial que é mais massificada”, sublinha.
Ainda assim, frisa, “o mercado da cerveja tradicional é muito fragmentado, pois caracteriza-se pela produção em espaços próprios”. Muitas destas marcas começaram por ser produções caseiras que surgiram na garagem de casa, por exemplo, e que deram depois o salto para a produção artesanal em fábricas. Os pequenos empresários acabam, assim, por criar o seu próprio emprego e, por arrasto, outros postos de trabalho.
Foi o caso de Sérgio Pardal, da marca HopSin, sediada em Sintra. Trabalhava há 30 anos na indústria farmacêutica quando este licenciado em gestão e marketing decidiu mudar de vida. Começou por investir 200 mil euros na aquisição de equipamento e na recuperação do espaço onde produz a cerveja artesanal. Mas não ficou por aqui.
“Agora, estamos a fazer uma renovação na fábrica“, conta Sérgio Pardal, adiantando que prevê, a partir de março, aumentar a produção dos atuais 50 mil litros para 120 mil litros de cerveja artesanal por ano, assim como criar mais postos de trabalho. “Somos um player do mercado local, pois vendemos as cervejas artesanais nalguns supermercados gourmet e pizzarias, em Sintra”, adianta. O empresário afirma, contudo, que não é fácil vingar neste mercado, principalmente porque “a cerveja paga 23% de IVA enquanto o vinho paga 13%, o que acaba por trazer dificuldades para o setor”.
A carga fiscal tem sido, aliás, uma das principais lutas do setor da cerveja que tem exigido uma uniformização do imposto sobre produtos de bebidas alcoólicas e do IVA, alegando o impacto que esta bebida alcoólica tem no mercado português, com a criação de valor e de postos de trabalho.
A APCV – Cervejeiros de Portugal, que existe desde 1986, tem vindo a com contestar o facto de “o setor cervejeiro nacional ser fortemente penalizado em termos fiscais quando comparado com outros setores de bebidas”. É o caso do imposto especial de consumo que é o dobro daquele que existe no resto da península ibérica, “agravado pelo facto de que o valor deste imposto em Espanha se encontrar congelado desde 2005”.
Somos um player do mercado local, pois vendemos as cervejas artesanais nalguns supermercados gourmet e pizzarias, em Sintra.
O contributo que a cerveja artesanal HopSin dá para a economia local é uma mais-valia desta marca, ao introduzir produtos autóctones na receita que confeciona. “Resultado da colaboração entre a HopSin Craft Beer e a Adega Regional de Colares, adicionámos 30% de mosto de uva a uma base de cerveja bem seca para fazer brilhar as características únicas da casta Malvasia de Colares”, descreve.
Outro exemplo de inovação na HopSin foi o acrescento da queijada de Sintra ou ainda de casca de laranja e de limão provenientes dos pomares de produtores locais. “Temos ainda outra cerveja frutada com notas de manga e maracujá. E, resultado da colaboração com um distribuidor de café local, adicionamos grão de café a uma receita desta bebida”, relata Sérgio Pardal.
Também a marca Dois Corvos, criada por Susana Cascais e pelo americano Scott Steffens, quis inovar com vários sabores, aromas e técnicas de fabrico, desde que começou a produzir em 2015, na fábrica em Marvila, Lisboa, uma panóplia de cervejas artesanais.
O casal tinha regressado de Seattle, nos EUA, e nem sonhava que iria arrecadar tantos prémios. A última distinção foi para a Murder, eleita a Melhor Cerveja Artesanal Portuguesa comercializada em 2022, no âmbito do concurso Nacional realizado no final do ano passado, nas instalações da Fábrica de Cervejas Portuense. “Esta bebida foi envelhecida em barricas de Bourbon durante dois anos. E vai buscar notas de café, chocolate e baunilha. É uma edição de 2022″, explica Luís Figueira, embaixador da marca que produziu 5.600 hectolitros (hl) em 2022.
A Dois Corvos tem atualmente uma unidade de produção de 20 hl por lote, com fermentadores de 20, 40 e 60 hl, linhas de engarrafamento e embarrilamento, bem como uma sala de provas aberta ao público com 17 torneiras“, avança Luís Figueira. O embaixador da marca adianta que uma particularidade da Dois Corvos consiste em colocar a cerveja a maturar nas barricas que acrescentam ao sabor da bebida a nota do carvalho francês, do moscatel ou até mesmo do vinho do Porto.
Já a Nortada, que nasceu em 2017, no Porto, vende anualmente 600 mil litros de cerveja artesanal, feita nos 14 tanques de fermentação de 6.000 litros e noutros dez de 1.500 litros, segundo Vítor Meireles, sommelier desta marca. “Temos oito referências de cerveja artesanal além das edições limitadas que são sazonais. Todas elas criadas num estilo americano, ou seja, com lúpulo americano, que se caracteriza por ter aromas que remetem para frutos cítricos e tropicais”, descreve Vítor Meireles. Já os lúpulos europeus têm aromas mais florais e ervas aromáticas.
As cervejas da Sovina são classificadas como as pioneiras no conceito de cerveja artesanal em Portugal. Entretanto, também as duas grandes cervejeiras nacionais — a Central de Cervejas, dona da Sagres, e o Super Bock Group –, têm vindo a apostar também nestes artigos “artesanais”, através da Hoppy House Brewing e da The Browers Company, respetivamente.
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Cerveja artesanal sai da garagem para dar de beber a turistas
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