Novo Banco: Ainda bem que se fez este péssimo negócio
O acordo de cedência do Novo Banco ao Lone Star é um péssimo negócio. É o possível, não há melhor, e poderia ser pior. Só falta que o expliquem de forma verdadeira e para que toda a gente o entenda.
A venda (?) do Novo Banco ao fundo Lone Star tem o mérito de resolver mais um problema do sistema financeiro português, mas os termos deste acordo – ainda condicionado à imposição de novas perdas a obrigacionistas seniores… outra vez – têm outro virtude: põem fim a um conjunto de mitos sobre a resolução do BES, a qualidade do balanço do Novo Banco, a ausência de garantias do Estado, as alternativas a uma venda e a força do governo, deste ou de outro, perante as instâncias europeias. Vamos falar em português corrente, para que todos possam entender um negócio em que o Lone Star fica com 75% do capital e injeta mil milhões no Novo Banco, o Estado com 25% através do Fundo de Resolução e, depois, presta uma garantia pública no valor de 3,9 mil milhões de euros para cobrir os riscos de créditos problemáticos.
Comecemos pela resolução do BES no dia 3 de agosto de 2014. A resolução foi uma experiência europeia imposta a Portugal, pela primeira vez num banco de caráter sistémico na zona euro. E o governo de Passos Coelho, porque tinha sido o campeão da saída limpa, alinhou na festa. Deixou o governador do Banco de Portugal à frente do carro, a conduzir sozinho, e depois daqueles prejuízos gigantescos – de 3,5 mil milhões – o BES estava à beira do precipício e deu um passo em frente. Resolvido num fim de semana, pré-anunciado por Marques Mendes, do BES, nasceu um Novo Banco e ficou um ‘BES mau’ para trás. Hoje, sabe-se, ‘para trás’ é uma força de expressão. Desde a sua criação e até setembro de 2016, últimos dados disponíveis, o Novo Banco acumulou prejuízos de 1.800 milhões de euros.
Depois, nesse fim de semana, foi decidido capitalizar o Novo Banco com 4,9 mil milhões de euros. Supunha-se, o capital suficiente para permitir uma nova vida ao Novo Banco. Mentira. Deveriam explicar-nos, hoje, o que justificou aquele balanço, aquela avaliação de ativos e passivos. Quase três anos depois, já se arranjaram várias soluções para ‘meter’ dinheiro no Novo Banco. Os lesados do Grupo Espírito Santo (GES) perderam a ‘almofada financeira’ que lhes tinha sido prometida, os obrigacionistas seniores perderam mais de dois mil milhões de euros e o Novo Banco foi fazendo, neste período, a venda de ativos problemáticos que ajudaram a ‘limpar’ um balanço de um Novo Banco com créditos velhos e de difícil cobrança. Sempre a somar.
Já tinha havido uma primeira tentativa de venda do Novo Banco. Falhou, e verdadeiramente não se sabem as razões. Mas uma coisa ficou clara, o Banco de Portugal não estava nem está talhado para vender bancos, coisa que lhe está cometida por ser (ainda) a entidade de resolução bancária em Portugal. Deve concentrar-se na supervisão, e como se percebe pelos sucessivos problemas de bancos em Portugal, não é coisa pouca, nem coisa fácil. Foi isso, aliás, que levou Carlos Costa a contratar Sérgio Monteiro para coordenar o segundo processo de venda do Novo Banco. Foi a melhor decisão.
Passados quase 15 meses sobre a abertura de um novo concurso, ficou um candidato firme à compra do Novo Banco. E não foi nenhum banco do sistema, nem sequer uma instituição financeira de outro país. Foi um fundo de private equity norte-americano especializado na gestão de ativos imobiliários. Este é o primeiro ponto relevante desta negociação e dá a ideia das condições desfavoráveis desta negociação. Do ponto de partida. Mostra, também, que o Novo Banco não era propriamente um tesouro, nem sequer escondido, mas um banco a tentar fazer pela vida, em circunstâncias muito difíceis, com um passado recente traumático, e não apenas financeiro.
O acordo com o Lone Star é um péssimo negócio para o Estado. Mas não há melhor, e poderia ser pior. As alternativas também. Não é péssimo para todos, é bom para o Lone Star, mas por alguma razão o fundo ficou sozinho. Só quem estava iludido, pode estar desiludido. O que está implícito nos termos deste acordo é uma resolução do Novo Banco, uma nova divisão entre banco bom e banco mau, embora debaixo da mesma marca. Para falar em bom português, com este negócio, o governo deu a parte boa do Novo Banco ao Lone Star, contra uma capitalização de mil milhões de euros, e pôs o Estado, através do Fundo de Resolução, a assumir o risco financeiro e de gestão dos créditos problemáticos que o Novo Banco ainda tem. E são muitos.
Deu uma garantia de 3,9 mil milhões de euros – chamemos as coisas pelo seu nome próprio, mesmo com nome de família diferente – e vai ganhar tempo na gestão destes créditos, com a secreta esperança de que se recupere o valor desses empréstimos de forma a limitar as perdas desta garantia, que tem o nome pomposo de ‘mecanismo de capital contingente’. A diferença tem também a ver com a forma como esta garantia vai impactar as contas públicas. Ao longo do tempo, em função da sua utilização, e não já em 2017, quando é constituída.
Há alguma defesa do Estado? Há, e reforçada face às garantias clássicas. Os créditos que estão protegidos são decididos pelo Fundo de Resolução, que pode ceder a sua gestão a terceiros. Por outro lado, a utilização desta garantia, criativa e engenhosa – mérito de Sérgio Monteiro – tem um conjunto de regras que limita os riscos. Por exemplo, só pode ser usada se os rácios de capital do Novo Banco baixarem de um determinado nível e não em função de um crédito isolado. . O novo dono está proibido de distribuir dividendos durante oito anos, os mesmos da validade deste garantia, o mecanismo de capital contigente. Ou seja, os incentivos, do Estado e do Lone Star, estão alinhados no mesmo sentido. Dito isto, só existe porque existe risco e acreditar que o Estado se livrará deste contingente sem custos é uma ingenuidade. Ou outra coisa.
Sim, a garantia é do Estado através do Fundo de Resolução, que é financiado pelos bancos do sistema, mas como este fundo não tem dinheiro, serão os contribuintes a assumir o primeiro risco, o de emprestarem o dinheiro necessário para fazer face às perdas que aí vêm. O Estado, todos nós, vai endividar-se para o fazer, e vai fazê-lo agora, mas se os créditos se perderam ao ponto de ser necessária a utilização dos 3,9 mil milhões de euros, cenário mais do que possível, os bancos vão começar a devolver este empréstimo a partir de… 2046. Sim, leu bem, com um período de carência de 30 anos. Até lá, estão a pagar cerca de 200 milhões por ano do empréstimo anterior. A perpetuidade é o limite. É o equilíbrio possível para não não rebentar com os bancos e os respetivos acionistas.
É por estas razões, e por outras, que o primeiro-ministro deveria poupar-nos a afirmações que fez no anúncio do acordo. “Não há garantia, nem direta nem indireta”, diz Costa. Quer mesmo manter a afirmação!? É justo reconhecer-lhe, a ele e a Mário Centeno, a perseverança nos processos do sistema financeiro, com trambolhões aqui e ali pelo meio, nas negociações com Bruxelas. Mas também se exige respeito pelos contribuintes e pelos eleitores. A política não justifica tudo. Há dois anos, o uso do Fundo de Resolução tinha custos para os contribuintes, agora já não há riscos nenhuns. Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas cometem o mesmo pecado. A diferença? Mudaram de lado. (Mais) coerentes neste ponto são o BE e o PCP. Mas, também estes, falam muito, para os seus eleitores, mas não vão fazer nada. O poder é o que é… e é melhor tê-lo, não é?
E alternativas, há? Há, mas são… inviáveis. Se os termos deste negócio são o que são, a nacionalização seria assumir estes riscos já à cabeça – o primeiro-ministro falou em 4,7 mil milhões de euros – e arriscar outros, pesados, no futuro. Alguém pode dizer que a fatura ficaria fechada aqui? Não nos esquecemos do que ainda há a pagar do BPN, um banco que tinha uma quota reduzida no mercado, incomparável com a posição do Novo Banco, que, nas empresas, domina cerca de 20% do mercado. E a CGD, que ainda agora recebeu mais 2,5 mil milhões em capital público.
Além disso, há outro ‘pormaior’: quem disse que a Comissão Europeia, e as Direção-Geral da Concorrência (DGComp) aceitaria tal decisão? Se impôs tantos entraves e limitações à posição de 25% no capital, isto é, sem votos e sem administradores, o que leva a considerar que aceitaria a nacionalização? Nada.
Se ninguém quer falar da liquidação, com data marcada a 3 de agosto, regra geral porque o país ainda não está preparado para isso e, com toda a certeza, seria feita à pressa, como sucedeu com a resolução do Banif, há quem defenda dois outros caminhos:
- O governo deveria ter vendido 100% e não deveria ter assumidos riscos e garantias;
- O governo deveria ter negociado um alargamento do prazo de venda do Novo Banco.
Quer uma, quer outra solução partem de pressupostos errados. Mas se só houve um candidato e com tantas garantias dadas, seria possível encontrar compradores sem o Estado assumir riscos e a parte má do Novo Banco? Não. E, quanto ao tempo, a história mostra-nos que o Novo Banco perderia valor se estivesse mais tempo numa situação de indefinição, os problemas que já tem agravar-se-iam, os que não tem apareceriam por falta de capital.
O governo de Costa fechou este negócio, Passos Coelho e Assunção Cristas não teriam feito melhor. Poderiam vender o negócio de outra forma, poderiam ter feito uma ou outra opção diferentes, mas no que é essencial, a última decisão não é portuguesa, é de Bruxelas. Foi o que se viu nos poderes conferidos ao Fundo de Resolução decorrentes da participação de 25%. Também seriam obrigados a dar garantias públicas através do Fundo de Resolução, porque, no essencial, o Novo Banco tem duas caras, a de uma equipa comercial junto das empresas do melhor que os bancos têm, uma carteira de empréstimos e de participações que são uma fonte de perdas, presentes e futuras. Parecem características contraditórias, não são.
O governo foi a jogo, já tinha ido com a CGD, foi outra vez com o Novo Banco. Cometeu erros, passou linhas que nos recordaram outro tipo de intervenções passadas com tão maus resultados, assumiu os resultados. Pedro Passos Coelho perdeu por falta de comparência no sistema financeiro. Não entrou sequer em campo, apostou tudo na saída limpa e no esforço, esse feito, nas contas públicas, deixou a banca para outras rondas, convencido de que o sistema teria capacidade para se regenerar à medida da economia. Não teve.
O que falta fazer para o acordo passar a negócio? Impor perdas a obrigacionistas que, de uma maneira ou de outra, resultem em 500 milhões de euros no rácio ‘common equity tier 1’. Uma troca de dívida que o Banco de Portugal e a gestão do Novo Banco puseram em cima da mesa, o Lone Star agradeceu e o BCE elogiou. Por redução dos prazos e dos juros, ou de ambos. É um modelo voluntário, ao contrário do que sucedeu no final de 2015. Os investidores, alguns, não vão gostar, vão desconfiar, e só não vão fugir se não puderem. Provavelmente, não vão ter alternativa, porque a alternativa é a liquidação. E aí, vão perder muito mais. Esta operação, aliás, tem de estar fechada para que o negócio com o Lone Star avance.
Finalmente, vamos saber com detalhe o que o Lone Star quer fazer do Novo Banco. O plano de reestruturação imposto por Bruxelas tem de passar para o business plan do Novo Banco, exatamente como aconteceu com a CGD. Para já há uma aprovação informal, a formal vai depender do plano que vier a ser feito. E, aqui, a exigência de Bruxelas e a agressividade do Lone Star vão no mesmo sentido. Uma reestruturação rápida e profunda.
Tudo somado, ainda bem que se fez este péssimo negócio. Amanhã, provavelmente, seria pior.
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