Nova Iorque, Virgílio e a felicidade
Diz um estudo de Harvard realizado durante 75 anos, que o fator mais determinante para a felicidade humana são... as relações. Podemos procurar ou escolher ser felizes?
Alguns dos momentos em que me senti mais plena durante a minha vida coincidem com instantes que recordo com saudades e com a sensação de estreia. De primeira vez.
Uma caminhada na praia, ao início da manhã, quando o mar é a banda sonora perfeita e uma espécie de búzio de bolso. O vento a entrar pela janela e a tocar-me na cara, de pé no corredor de um autocarro entre Mazunte e Puerto Escondido, no México. A brisa e a maresia num bote, à chegada a Santo António, a cidade mais pequena do mundo, em São Tomé. O cheiro a terra molhada depois de uma chuvada, em Porto Alegre, no Brasil, em que, sentada com uma amiga numa paragem de autocarro, vimos a estrada fumegar dada a amplitude térmica da estrada e da chuva fresca. Entrar num café no meio do nada, no Parque Nacional da Terra do Fogo, na Patagónia argentina, e ficar a apreciar o sabor do chocolate quente e da empanada mista enquanto o corpo parece desligar do mundo e conectar-se só com aquilo a que Gilberto Gil chama “o melhor lugar do mundo“, aqui e agora. Subir ao 70.º andar, ao topo do Rockefeller Center, e admirar os detalhes da paisagem urbana, onde os arranha-céus de Nova Iorque coloram o horizonte na perfeição. Contemplar.
Diz um dos mais citados estudos sobre felicidade, realizado por investigadores de Harvard durante 75 anos, e que analisou vários indicadores ligados a informação pessoal e de saúde de centenas de participantes, que o fator mais determinante para a felicidade humana são… as relações. Assim, o estado de felicidade dos humanos varia na relação direta da sua proximidade e satisfação com relações amorosas e emocionais, familiares e amigos, e em círculos sociais mais estreitos. Voltando aos momentos de plenitude, reparo agora, estava sempre bem acompanhada. Posso partilhar essas memórias.
Uma notícia chega dos Estados Unidos. O multimilionário Bryan Johnson, de 45 anos, e a sua equipa de 30 médicos especialistas garantem ter um plano que permite ao corpo rejuvenescer de forma a voltar a ter a resistência, a energia e a plenitude dos 18. A equipa de médicos, liderada pelo fisiologista de medicina regenerativa Oliver Zolman, está a trabalhar no sentido de reverter o processo de envelhecimento do empreendedor tecnológico, usando o milionário como cobaia para alguns dos mais recentes tratamentos de regeneração de órgãos, conta a Bloomberg, sobre o projeto a que os fundadores chamaram Blueprint, a pegada azul. O tom de azul que tinha o céu aos 18 é o mesmo que tem aos 45? De quantos tons de azul se faz a felicidade? E a juventude?
Sobre a felicidade, lia há uns dias Jenna Abdou, a autora do podcast 33voices, escrever num artigo publicado na Fast Company que deixou de ser “uma luta”. “Se genuína, uma busca é uma exploração sem preconceitos. Requer, primeiro e mais do que tudo, humildade: permitir, como dizia Sócrates, que podemos ainda não saber a resposta ou, ainda mais, que existe uma muito real possibilidade de que não tenhamos feito ainda as perguntas certas”, pode ler-se no texto escrito pela cicerone que costuma, no seu espaço de entrevistas, conversar com autores, médicos, e professores sobre estratégias de desenho de uma vida com propósito e sentido.
Escrevo esta crónica de Nova Iorque onde, pela primeira vez, visitei o memorial de tributo às vítimas do 11 de setembro. No museu, construído debaixo de terra — precisamente no terreno em que estiveram, antes de 2001, as torres gémeas –, uma frase de Virgílio enche de significado uma parede coberta de mosaicos pintados de dezenas de tons de azul, numa tentativa de não deixar esquecer a cor do céu daquele 11 de setembro. “No day shall erase you from the memory of time.“, lê-se na enorme parede, mesmo em frente aos degraus que ficaram conhecidos como “as escadas dos sobreviventes”. Nenhum dia deverá apagar-nos da memória do tempo.
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