IGF sugere ao Governo quatro alterações ao Sifide

IGF defende privilegiar PME que invistam mais em I&D e definir um limite de acesso ao financiamento das grandes empresas. Mas o Governo não está inclinado em adotar esta reflexão.

A Inspeção Geral de Finanças (IGF) sugere ao Executivo quatro alterações ao sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (Sifide) depois de ter identificado 3,19 milhões de euros de crédito fiscal indevido, tal como o ECO avançou. Para “melhorar o funcionamento do sistema”, a IGF defende que o conceito de empresa dedicada sobretudo a I&D seja alterado, de modo a incluir PME que invistam mais neste domínio e definir um limite de acesso ao financiamento das grandes empresas. Mas o Governo não está inclinado em adotar esta reflexão, sabe o ECO.

“Consideramos que a mitigação dos aspetos de maior risco poderá passar por alterações legislativas” como mudar “o conceito de empresa dedicada sobretudo a I&D”, nas quais a participação no capital e as contribuições para fundos de investimento, públicos ou privados, que realizem investimentos de capital próprio e de quase-capital, em empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento, reconhecidas pela Agência Nacional de Inovação (ANI) podem ser dedutíveis no IRC, defende a IGF.

Esta mudança visa “incluir as pequenas e médias empresas que apresentem um investimento em I&D equivalente a uma determinada percentagem dos seus gastos operacionais no ano anterior”, apesar de não terem efetuado um investimento em I&D equivalente a pelo menos 7,5% da sua faturação no ano anterior,e a definição de um limite de acesso ao financiamento a empresas cujo volume de negócio ultrapassasse determinado valor”.

Mas o Governo não considera benéfico excluir empresas cujo volume de negócios ultrapasse um determinado valor, porque são as empresas maiores que acabam por realizar mais avanços em termos de I&D, sabe o ECO.

Esta é, aliás, uma posição que divide os fiscalistas ouvidos pelo ECO. “A sugestão parece ser abrir para as PME e reduzir para as grandes empresas”, diz Renato Carreira. “Pode ser uma medida positiva no sentido de alargar significativamente o leque de empresas elegíveis, nomeadamente PME, mas o contraponto de limitar o investimento às grandes empresas, num contexto em que já não há muitas grandes empresas dedicadas maioritariamente a I&D, vai afetar muitas empresas”, sublinha o fiscalista da Deloitte, sublinhando que todas as alterações propostas “são medidas que pretendem torna os fundos muito menos atrativos”.

Francisco Hamilton Pereira lembra que, “no atual artigo do Sifide sobre aplicações relevantes do crédito fiscal, já se encontra previsto que as empresas PME e outras precisem de garantir que tem uma percentagem mínima de gastos em I&D sobre o total de receitas do ano anterior”. “Ora incluir mais uma condição, agora de gastos em I&D sobre total de gastos operacionais para as PME, parece-nos que poderia criar mais uma barreira ao financiamento das PME do setor da tecnologia. A menos que a proposta da IGF fosse mudar este critério para uma base de gastos em vez da atual base de total de receitas”, defende o fiscalista da EY.

Por outro lado, “a introdução de um limite de financiamento a empresas cujo volume de negócio ultrapasse determinado valor terá também como objetivo limitar o acesso ao regime pela redução das possibilidades de investimento dos fundos de investimento”, defende. “Com base na nossa experiência, se o limite for muito reduzido, esta limitação poderá limitar em demasia as possibilidades de aplicação dos montantes investidos nos fundos de investimento, levando-os a investir em empresas de menor dimensão e com maior risco. No limite, os fundos poderão não conseguir encontrar empresas alvo que verifiquem as condições de investimento ao abrigo Sifide, condições essas já bastante seletivas ao abrigo da atual legislação”, diz Francisco Hamilton Pereira corroborando, neste ponto, a posição de Renato Carreira.

Já Ana Castro Gonçalves considera positivas ambas as sugestões da IGF. “Ambas as alterações são, parece-me, positivas. A primeira porque permite, finalmente, o financiamento no contexto do benefício, a PME, que compõem grande parte do tecido empresarial português. Este ponto, aliás, já havia sido suscitado na auditoria da IGF e deve inclusive gerar um aumento do volume dos incentivos, o que vai de encontro ao objetivo extrafiscal de que o Sifide contribua para a meta de 2% do PIB em investimento privado em I&D até 2030″, diz a fiscalista da Caiado Guerreio. “Já a segunda parece assumir um pendor anti-abuso e de tentativa de travar uma certa “mercantilização” do benefício, ligada à sua vertente indireta. Neste caso, é previsível um decréscimo de volume“, acrescenta.

Um dos pontos que a IGF sublinha no seu relatório é precisamente a “tendência sustentada de aumento da despesa fiscal do Sifide” – entre 2017 e 2020 (passou de 137,2 milhões para 396,4 milhões) e estimando “um elevado impacto desta despesa durante o prazo legal de dedução (oito anos), face ao saldo de crédito fiscal transitado em 2020 (448,55 milhões) — por isso sugere “uma maior incidência do controlo tributário e a definição pela AT de metodologias de análise do benefício” e que sejam “assegurados mecanismos de monitorização para uma análise mais detalhada e uma avaliação mais sustentada do impacto do Sifide”.

Governo já contempla na sua proposta muitas das sugestões da IGF

Quanto às outras sugestões de alteração, avançadas pela IGF no relatório entregue na Assembleia da República, a maior parte já está de alguma forma vertida na proposta de alteração ao regime que o Executivo vai apresentar esta quarta-feira no Parlamento e que deverá ser votado na sexta. As alterações do Executivo pretendem tornar mais apertadas as regras de utilização deste incentivo, nomeadamente através do uso indireto.

O Sifide é um incentivo fiscal que permite deduzir no IRC uma percentagem das despesas de Investigação & Desenvolvimento, na parte não comparticipada a fundo perdido pelo Estado ou por fundos europeus. Desde 2011 passou a ser possível deduzir também as contribuições para um Fundo de Capital de Risco.

Em ambos os casos (via direta ou indireta), a dedução era feita através de uma taxa de base de 32,5% das despesas, realizadas no período em causa, e uma taxa incremental de 50% do acréscimo das despesas, realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de 1,5 milhões de euros.

Com as alterações propostas pelo Executivo, que tem obrigatoriamente de passar pelo Parlamento dada a natureza fiscal, as empresas passam a ser obrigadas a deter as unidades de participação no fundo durante dez anos e não cinco como até aqui. Aumenta a exigência da percentagem mínima do investimento do fundo em empresas dedicadas a I&D de 80% para 90%, reduz os prazos de investimento pelo fundo nestas empresas de cinco para três anos e o prazo de concretização de projetos pelas empresas passou também de cinco para três anos.

Estas mudanças que tornam o sistema mais restritivo acabam por responder a uma das recomendações da IGF: “Diminuição do período do investimento por parte dos fundos, reduzindo a atual percentagem de realização, sendo também reduzido o período de concretização dos projetos e definida uma percentagem mínima associada a período de concretização dos projetos de I&D”.

A IGF sugere ainda “a exclusão da elegibilidade das despesas realizadas pelas empresas dedicadas a I&D e previamente financiadas pelo capital realizado pelos fundos”. Na proposta do Executivo, as empresas dedicadas sobretudo a I&D não podem beneficiar do Sifide quando estão em causa aplicações relevantes financiadas por fundos de investimento no âmbito do mesmo, uma mudança que pretende assim eliminar as situações de dupla dedução que estiveram na génese do pedido em 2020, do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes à IGF e à Autoridade Tributária e Aduaneira para levarem a cabo um conjunto de auditorias específicas ao funcionamento do Sifide, tal como o ECO avançou.

Por outro lado, a IGF sugere também “a introdução de um valor limite de investimento para os participantes ou a fixação de um valor máximo para o crédito fiscal obtido por via das contribuições para fundos de investimento, designadamente, para sujeitos passivos tributados pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades”.

Também neste caso a proposta do Governo vai a encontro da sugestão ao excluir a taxa incremental para o investimento indireto, apesar de manter a taxa base de 32,5%. Esta opção limita o investimento indireto no Sifide, embora não através de tetos ou valores máximos, mas do incentivo económico. Por outro lado, o Executivo sugere que deixem de ser elegíveis os investimentos indiretos para operações entre entidades com relações especiais.

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