As contribuições de solidariedade temporária obrigatórias (windfall profit taxes) em Portugal
Levantam-se, ainda, outras questões, nomeadamente relacionadas com o princípio da igualdade e com a retrospetividade da lei, e talvez com as regras da consignação e da especificação orçamentais.
Depois de muito se ter falado sobre a criação de um novo imposto sobre os lucros “extraordinários” ou “inesperados”, das empresas, comumente chamados de windfall (profit) taxes, a União Europeia avançou com o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de outubro de 2022, tornando obrigatória a criação deste tipo de imposto, exceto se os Estados-Membros tivessem já aprovado medidas nacionais equivalentes.
O Governo português – que tinha anunciado, publicamente, que apoiaria estas medidas e que tinha participado, ativamente, nos trabalhos da Comissão Europeia – avançou, então, com a Lei n.º 24-B/2022, de 30 de dezembro.
Esta lei veio criar, não uma, mas duas contribuições temporárias, previsivelmente apenas aplicáveis aos períodos de tributação que se iniciem nos anos de 2022 e 2023: a contribuição de solidariedade temporária sobre o setor da energia (CST Energia) e a contribuição de solidariedade temporária sobre o setor da distribuição alimentar (CST Distribuição Alimentar), tendo em vista fazer face aos elevados preços da energia e ao fenómeno inflacionista, respetivamente.
A taxa de ambas as contribuições é de 33% e recai sobre a parte dos lucros tributáveis, dos períodos de tributação de 2022 e 2023, que excedam o correspondente a 20% de aumento em relação à média dos lucros tributáveis nos quatro períodos de tributação com início nos anos de 2018 a 2021.
Releva, porém, que, no caso dos grupos de sociedades, o lucro tributável relevante é o apurado por cada sujeito passivo, mas assim não será, no âmbito da CST Distribuição Alimentar, para as micro ou pequenas empresas em que o volume de negócios do grupo por referência ao período de tributação em causa for superior a € 100.000.000.
Porém os setores de atividade agora sujeitos à CST Energia e à CST Distribuição Alimentar encontram-se, já, submetidos, em Portugal, a contribuições financeiras setoriais extraordinárias e que oneram a normal tributação sobre os lucros em sede de IRC, ainda que com base de incidência diversa. Concreta e respetivamente a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE), desde 2014, e a taxa de segurança alimentar “mais”, desde 2012.
O certo é, também, que, em Portugal, o IRC incide (mais do que proporcionalmente) sobre lucros “excessivos”, na justa medida em que há a acrescer-lhe uma derrama estadual que implica taxas adicionais (à taxa normal de 21%), de 3%, de 7% e de 9%, consoante o “escalão”, a que acresce, em alguns municípios, a derrama municipal, até 1,5% – o que sobe a taxa global do imposto para, em termos “grosseiros” 31,5%, a final, (tornando-o, assim, progressivo).
Isto significa que estes sujeitos passivos poderão ficar sujeitos a uma tributação dos lucros superior a 60%, a que acresce a taxa de IRS de 28%, em caso de distribuição aos sócios, o que suscita questões sobre os limites da criação, pelos governos, de impostos e novas contribuições.
Não está, para já, previsto que o Governo altere a CESE, nem o fez até ao momento, apesar de o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho prever que a nova contribuição poderá não acrescer aos impostos e taxas normais no caso em que os Estados-Membros aplicam, já, contribuições equivalentes, como parece poder considerar-se.
Levantam-se, ainda, outras questões, nomeadamente relacionadas com o princípio da igualdade e com a retrospetividade da lei, e talvez com as regras da consignação e da especificação orçamentais, e que podem, conjuntamente, determinar, mesmo, que o Estado venha a ser obrigado, pelos Tribunais, a devolver aos contribuintes o valor que assim venha a arrecadar.
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