O que querem as empreendedoras? Fundos específicos e mais mulheres a decidir investimento
É um setor que tem um problema de diversidade e representatividade de mulheres, o que se reflete na captação de investimento. O ECO Pessoas falou com mulheres empreendedoras sobre as suas prioridades.
Os números são claros e reveladores do longo caminho que o empreendedorismo feminino tem pela frente: 90 mil milhões de dólares foram injetados no ecossistema de startups europeu no ano passado e apenas 12,7 mil milhões foram investidos em startups fundadas por mulheres.
Uma gota de água reveladora do “desequilíbrio na paridade de género dentro do setor empreendedor”. Aumentar o número de mulheres nos fundos de capital de risco ou a criação de fundos específicos para financiar o empreendedorismo feminino são algumas das medidas defendidas pelas mulheres no ecossistema ouvidas pela ECO Pessoas. Mas não só.
“Poderá ser bastante importante o papel do Banco Português de Fomento no sentido do coinvestimento público para impulsionar ao cumprimento de metas relacionadas com este tópico”, aponta Lurdes Gramaxo, partner da Bynd Venture Capital e presidente da Investors Portugal.
Não é a única a destacar o papel que o Governo pode (e deve) ter, através dos seus mecanismos de financiamento ou legislativos, na promoção de um ecossistema mais diverso. “Os governos são obviamente players fundamentais para que esta mudança aconteça. Devem apoiar as mulheres e regular pela equidade de direitos e oportunidades encorajando o empreendedorismo feminino. Hoje é de conhecimento geral que mecanismos de discriminação positiva utilizados como política pública, como é o caso das quotas, são fundamentais para combater as desigualdades e a discriminação”, defende Inês Sequeira, diretora da Casa do Impacto.
“A igualdade de género é uma questão de direitos humanos, não faz sentido que em pleno século XXI continuem a existir ‘setores económicos’ praticamente vedados às mulheres à partida”, conclui a responsável da incubadora da Santa Casa da Misericórdia que acolhe mais de 60 startups de impacto.
Poderá ser bastante importante o papel do Banco Português de Fomento no sentido do coinvestimento público para impulsionar ao cumprimento de metas relacionadas com este tópico (o aumento do empreendedorismo feminino).
Fundos específicos para financiar o empreendedorismo feminino, atuando como uma espécie de mecanismos de discriminação positiva, poderiam dar assim uma nova energia ao surgimento de mais startups fundadas por mulheres.
“A criação de fundos específicos dedicados à promoção da diversidade e inclusão no ecossistema das startups pode ser uma forma eficaz de abordar as desigualdades sistémicas que impedem as fundadoras de terem acesso ao capital”, considera Milana Dovzhenko, cofundadora da Bairro, uma das oito scaleups que integram o Scaling Up Program da Fábrica de Unicórnios, lembrando que já existem diversos fundos e iniciativas focadas em promover diversidade e inclusão no ecossistema das startups, como é o caso do Fund F, fundo de capital de risco, que apoia e investe em startups cofundadas por mulheres em fase pre seed e seed.
A criação de fundos específicos dedicados à promoção da diversidade e inclusão no ecossistema das startups pode ser uma forma eficaz de abordar as desigualdades sistémicas que impedem as fundadoras de terem acesso ao capital.
Apesar disso, “neste momento, startups fundadas por homens recebem sete vezes mais dinheiro do que projetos liderados por mulheres”, lembra Mariama Injai. “Significa que ainda estamos numa fase de desigualdade exacerbada e vamos precisar de uma ‘discriminação positiva’ para equilibrar melhor o ecossistema de investimento”, considera a gestora de projetos no Impact Hub Lisbon, que dinamiza o programa BORA Mulher.
Em cinco anos este programa já recebeu 3.000 candidaturas e conta com 1.500 alummi formadas pelo percurso de capacitação, das quais 70% já tem um negócio com vendas, 25% encontra-se em consolidação e 54% está numa fase early-stage de incubação. Uma das três vencedoras da edição de 2022, a Inclita Sea-Weed, de Catarina Guedes, este ano recebeu financiamento da Índico Capital.
Karly Alves Ribeiro aponta no mesmo sentido. “As barreiras que enfrentamos são gigantes e as financeiras acrescentam o seu peso. Muitas mulheres veem suas carreiras interrompidas pela maternidade. Quando volta ao mercado de trabalho passa pela dificuldade de recuperar o tempo perdido”, diz a cofundadora da sheerMe. “Alguns incentivos financeiros específicos podiam ajudar a promover o empreendedorismo feminino.”
Os fundos poderiam ajudar a criar medidas e incentivos que visem reduzir as disparidades de género, tais como a promoção da igualdade salarial e a melhoria do equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, poderiam ajudar a aumentar a confiança das mulheres empreendedoras e a incentivá-las a começar suas próprias startups.
Com os fundos também a desempenhar o seu papel na melhoria do fosso de género do ecossistema. “Os fundos poderiam ajudar a criar medidas e incentivos que visem reduzir as disparidades de género, tais como a promoção da igualdade salarial e a melhoria do equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, poderiam ajudar a aumentar a confiança das mulheres empreendedoras e a incentivá-las a começar suas próprias startups”, considera a cofundadora da sheerMe.
Mais mulheres a decidir investimento
Aumentar o número de mulheres nos fundos de capital de risco com poder de decisão poderá ser fulcral para dinamizar uma maior diversidade. Os desafios do empreendedorismo feminino são muitos e exigem um novo olhar. O velho cliché de que os homens são de Marte e as mulheres de Vénus pode ser um fator na hora de decidir onde investir o capital de risco.
“Há um desafio imediato quando falamos com empreendedoras que desenvolvem negócios criados para resolver problemas específicos de mulheres com tecnologia (chamados femtech), como a menopausa ou a menstruação, por exemplo. Nestes casos, um investidor homem pode ter maior dificuldade em identificar a respetiva oportunidade económica por não estar familiarizado ou devidamente instruído acerca do problema”, comenta Cristina Almeida, diretora da Maze Impact.
Desafios que não se ficam por aqui. Há outros relacionados com “as circunstâncias pessoais de cada mulher empreendedora, e os seus planos de vida familiar, que podem implicar uma suspensão futura das suas funções executivas durante a experiência de maternidade e gerar incerteza por parte de investidores”, refere a responsável da Maze Impact. E explica porquê.
“Uma empresa em média levanta uma ronda de investimento a cada 18 meses. Uma ausência de seis meses pode ter um impacto grande na vida de uma startup em fase inicial. Felizmente, há já investidores com consciência desta desvantagem maternal. Que se focam mais na antecipação destas circunstâncias, em parceria com as empreendedoras, para que estas possam implementar estratégias eficazes de mitigar riscos e assegurar a longa e boa vida das empresas nestas circunstâncias. Infelizmente, continua a haver relatos de mulheres que são negativamente penalizadas”, lamenta.
Apenas 5% a 15% dos investidores europeus (angels e vcs) são mulheres. Assim, torna-se fundamental promover iniciativas que assegurem mais mulheres em comités de investimento.
Desafios que “carecem de correção do lado da oferta de financiamento, ou seja, das pessoas que compõe os comités de investimento de cada fundo”, diz Cristina Almeida. “Apenas 5% a 15% dos investidores europeus (angels e vcs) são mulheres. Assim, torna-se fundamental promover iniciativas que assegurem mais mulheres em comités de investimento”, refere, apontando que algo tem vindo a ser feito ao longo dos anos para apoiar e promover mulheres empreendedoras e/ou investidoras, como é o caso da femstreet ou European Women in VC, entre outros.
“Num tempo em que a diversidade é um tema cada vez mais atual, os fundos de investimento também devem ter atenção a estas questões a começar por terem equipas mais diversas, pois se assim o fizerem tenho a certeza que as suas decisões de investimento também vão ter como base menos ‘bios’ e, consequentemente, poderemos ver maior investimento em startups com founders mulheres”, refere Inês Sequeira, da Casa da Impacto.
Uma visão partilhada por Pauline Foessel. “Acredito que os fundos que têm um objetivo específico, como promover a diversidade, são o caminho futuro. Para escolher mulheres founders, precisamos de mulheres VC para mudar o ecossistema, tal como nas artes, precisamos de mulheres curadoras para escolher mais mulheres artistas”, diz a fundadora e diretora da startup, sedeada em Lisboa, Artpool.
“As mulheres têm uma forma diferente de gerir startups, uma forma diferente de levantar capital, formas diferentes de gerir o risco, etc.”, continua. “O que pode ser feito é ter mais mulheres investidoras, mais VC fundados por mulheres, para termos frente a nós alguém que perceba que não levantamos dinheiro da mesma forma do que os homens, e que isso não é um problema”, diz. E deixa uma sugestão.
“Talvez mais do que ter programas para ajudar as mulheres a levantar capital, deveríamos ter um inquérito sério sobre como as mulheres levantam capital, e o que as motiva para dar a conhecer aos VC que isso não é ter falta de capacidades, e que não é por não agirmos da forma esperada, que não temos tudo o que é necessário para termos uma companhia bem sucedida. Estamos apenas a fazer as coisas de forma diferente, mas as hipóteses de sucesso são iguais às de empresas fundadas pelos homens”, aponta.
As mulheres têm uma forma diferente de gerir startups, uma forma diferente de levantar capital, formas diferentes de gerir o risco, etc. (…) O que pode ser feito é ter mais mulheres investidoras, mais VC fundados por mulheres, para termos frente a nós alguém que perceba que não levantamos dinheiro da mesma forma do que os homens, e que isso não é um problema.
Aliás, as hipóteses de sucesso podem até ser maiores. Um relatório da Boston Consulting Group (2018) indica que negócios liderados por mulheres devolvem melhor retorno aos investidores; e um estudo da Mckinsey (2020) aponta que as empresas com mulheres em cargos executivos têm 25% maior probabilidade de ser lucrativas.
“Se nos anos anteriores o foco era crescimento a qualquer custo, as condições atuais do mercado exigem um maior foco em receitas e fundamentos sólidos de negócio”, refere Cristina Almeida, logo, “seria expectável que as mulheres fossem pelo menos igualmente capazes a atrair investimento quando comparadas com homens”. Não é o caso.
“Na Europa, as empreendedoras recebem apenas 1,1% do capital investido. É importante reconhecer que em 2020, as empreendedoras compunham apenas 15,5% da população empreendedora europeia. Ainda assim, continua a não explicar o 1,1%.”
A razão pode ser outra. “Esta assimetria evidencia que as decisões de investimento são afetadas por enviesamentos inconscientes que favorecem mais homens que mulheres. Só conseguiremos assegurar que o efeito de desaceleração não é mais penalizador para as mulheres, se conseguirmos aumentar o número de negócios começados por mulheres e melhorarmos a composição dos comités de investimento para maior sensibilidade nestas matérias”, considera a responsável da Maze que, a partir desta quarta-feira, passa a ter um conselho de administração renovado, composto por três mulheres e um homem.
“Acreditamos que também desta forma seremos ainda melhores a endereçar as necessidades específicas de mulheres empreendedoras bem como identificar as inúmeras oportunidades económicas que residem nos problemas específicos de mulheres”, argumenta Cristina Almeida.
O tema da diversidade e inclusão, incluindo a diversidade de género, está a ficar cada vez mais importante. O facto de os fundos de investimentos terem de medir os indicadores ESG, faz-nos acreditar que, no futuro, a canalização de dinheiro para negócios liderados por mulheres venha a aumentar.
Apesar do atual momento de menor liquidez no mercado de capitais, com as rondas a abrandarem, com potencial impacto negativo na capacidade de levantar capital para as mulheres founders, Mariama Inja mostra-se otimista.
“As mulheres já estavam a sofrer desigualdade a nível de investimento e, na verdade, acreditamos que agora possa ser a oportunidade para os financiadores começarem a olhar para negócios liderados por mulheres como oportunidades: estes reduzem o risco para os investidores, geram mais lucro e abrem novas áreas de negócio normalmente inexploradas pelos homens”, considera.
“O tema da diversidade e inclusão, incluindo a diversidade de género, está a ficar cada vez mais importante. O facto de os fundos de investimentos terem de medir os indicadores ESG, faz-nos acreditar que, no futuro, a canalização de dinheiro para negócios liderados por mulheres venha a aumentar”, aponta ainda a gestora de projetos no Impact Hub Lisbon.
Ecossistema a lutar pela diversidade
Lurdes Gramaxo destaca igualmente os passos que têm vindo a ser dados no país para aumentar a participação das mulheres no ecossistema. “O nosso país, pelo espírito inovador que apresenta – e que é reconhecido lá fora – tem já vindo a lançar, muito por iniciativa privada, plataformas e programas que incentivam à captação de talento feminino para o ecossistema. Estes passam por programas de capacitação de diferentes competências de negócio e outras mais técnicas apenas para mulheres, e pela criação de redes compostas por empresárias mais experientes que partilham a sua experiência com aquelas que estão a dar os primeiros passos”, descreve a partner da Bynd VC que, no seu portefólio inclui cerca de 30% de startups que têm mulheres na equipa fundadora, como é o caso de Daniela Braga, da Defined.ai, Veronica Orvalho, da Didimo ou Cidália Pina Vaz, da FASTinov.
“Queremos melhorar esta representatividade, contudo é importante reforçar que na Bynd VC avaliamos a tecnologia, a solução e o seu potencial, e a capacidade da equipa fundadora acima de outros critérios que não refletem a oportunidade de negócio”, ressalva.
Um trabalho que está igualmente a ser desenvolvido pela Investors Portugal. A associação, que representa os investidores early-stage, “quer também liderar dando o exemplo com a implementação de práticas que conduzam a uma maior integração de mulheres fundadoras no setor”. Uma delas é o Women & Money, projeto com um parceiro italiano que visa à capacitação de mulheres para o empreendedorismo.
A Casa do Impacto também tem em marcha iniciativas. Um terço dos fundadores são mulheres. “Um número que nos orgulha, comparativamente ao restante ecossistema mas que não nos deixa de todo satisfeitos”, admite Inês Sequeira. “As mulheres foram um dos grupos mais afetados pela pandemia e estamos a procurar inverter esta tendência, o que passa, no nosso caso, por alavancar, apoiar e capacitar este público”, refere. Um exemplo de medidas concretas é que, “um dos critérios de admissão para o cohort de qualquer programa da Casa do Impacto (aceleração, investimento e incubação) é a diversidade não apenas ao nível dos fundadores, mas também das equipas.”
Desafiamos todo o ecossistema empreendedor a experimentar abrir mais espaço às mulheres e avaliar os resultados. E se ainda não há provas suficientes para os benefícios de uma maior diversidade e inclusão, aí estaremos em condições para podermos discutir o tema com toda a propriedade.
Mas há mais iniciativas que se pretendem (à semelhança da casa que os dinamiza) com impacto. “Estamos de momento a desenvolver um programa com um dos nossos parceiros internacionais, que ainda não posso adiantar muita informação, mas que será direcionado a mulheres founders da Casa do Impacto em startups de early stage para que possam ter acesso a um conjunto de ferramentas, desde mentoria a networking para aumentar as suas hipóteses de financiamento”, revela Inês Sequeira.
O programa, transversal a todos os programas da Casa de Impacto, irá também “proporcionar mais data e “testemunhos” de diversos players do ecossistema de empreendedorismo internacional (desde founders, a investidores), a exemplos de sucesso de negócios que criaram ambientes de diversidade e que foram muito bem sucedidos”, continua.
“O programa é ambicioso e tem como objetivo, num primeiro momento, dar ferramentas a mulheres empreendedoras para que aumentem as suas probabilidades de serem bem sucedidas mas, num segundo momento, de ‘influenciar’ todo o ecossistema a seguir estas boas práticas uma vez que já poderão ter acesso ao ‘impacto positivo’ que o programa irá certamente causar”, diz.
“Desafiamos todo o ecossistema empreendedor a experimentar abrir mais espaço às mulheres e avaliar os resultados. E se ainda não há provas suficientes para os benefícios de uma maior diversidade e inclusão, aí estaremos em condições para podermos discutir o tema com toda a propriedade”, conclui.
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