De estofador a programador. Eles (re)programaram as suas carreiras para a indústria tecnológica
O Tiago, a Joana, a Luísa e o Francisco decidiram mudar de carreira, enveredando pela indústria tecnológica. Nenhum se arrepende da mudança e todos garantem ter ganho salário e qualidade de vida.
Tiago era estofador de bancos e assentos para carros numa fábrica. Joana era psicóloga, membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Luísa estava a fazer um doutoramento em Estudos Artísticos e Francisco estudava Turismo e Hotelaria. Em comum têm a decisão de reconverter as suas carreiras. Hoje em dia, são os quatro programadores em empresas de diferentes setores. Ganharam em salário e qualidade de vida. São mais valorizados e respeitados profissionalmente do que nunca, dizem.
Foi nas viagens de autocarro que fazia para a fábrica que Tiago Santos acabou por descobrir aquele que viria a ser o seu futuro profissional. “Tinha 28 anos e estava num emprego no qual não me revia: estofava bancos e assentos para carros. Os meus amigos tinham concluído a universidade e seguiam para os seus empregos de sonho. Enquanto eu estava num emprego em que não via futuro. Comecei a ler sobre programação e fui ganhando interesse pela área. Mais tarde, após sair do meu emprego como estofador, surgiu a oportunidade de entrar para uma escola de programação”, conta em conversa com a ECO Pessoas.
A escola escolhida foi a 42 Lisboa, que promove uma formação 100% gratuita e sem necessidade de background académico ou experiência em programação. Embora não haja requisitos de entrada, a formação não é para todos. Para entrar na 42 é necessário completar dois testes online e a piscine, um bootcamp de 26 dias intensivos nas instalações da escola, em que os candidatos aprendem as bases de programação e descobrem se esta é a escola ideal para si. Tiago passou por todas estas fases e, nem mesmo depois de concluí-las com sucesso, o grau de exigência abrandou.
“O processo de aprendizagem para executar os projetos propostos pela escola foi um dos maiores desafios que enfrentei. Aprender de forma autónoma, trabalhar em equipa e a capacidade de filtrar a informação pesquisada são palavras-chave no processo de aprendizagem da 42”, recorda.
Hoje, no cargo de lifeguard da 42 Lisboa, onde acabou por ficar a trabalhar, tem a certeza que enveredar por uma carreira nas tech foi a melhor decisão que tomou. “Formar-me na 42 abriu-me novas portas para um mundo profissional com melhores condições e uma boa perspetiva de carreira. Antes da entrada na 42, só conseguia trabalhos temporários, não qualificados ou precários.”
Formar-me na 42 abriu-me novas portas para um mundo profissional com melhores condições e uma boa perspetiva de carreira. Antes da entrada na 42, só conseguia trabalhos temporários, não qualificados ou precários.
Apesar de vir de uma área bem distinta, a artística, Luísa Castro e Almeida também se fartou, a certa altura da sua vida, de trabalhos precários e com pouco retorno. “Sentia que, a nível financeiro, chegava mesmo a estar com a corda ao pescoço e sem perspetivas de melhoria”, admite.
Apesar de um percurso que muitos apelidavam de “brilhante” — é mestre no Iscte, em Empreendedorismo e Estudos da Cultura, recebeu uma bolsa para ir para Londres, onde também fez um mestrado em Painting & Research, na UA-London, e regressou a Portugal para ingressar num doutoramento na Universidade Nova de Lisboa, em Estudos Artísticos – Arte e Mediações — a profissional não encontrou a compensação financeira que pretendia. Entrar na Academia de Código passou assim a ser uma opção, ainda que o seu o único contacto com algo do género tivesse sido através do jogo Super Mário.
“Não foi uma decisão nada fácil, depois de tanto investimento na minha carreira em artes e investigação, mas era o momento de parar. Questionei o que poderia aprender para me dar uma melhor qualidade de vida e perspetivas de carreira. A tecnologia surgiu como resposta óbvia”, diz.
Aprender Java foi um autêntico desafio, mas que valeu totalmente a pena. “Foram muitos os momentos em que pensava ‘o que é que eu estou a fazer’, porque a mudança foi realmente um choque face ao que conhecia antes. Até ali, os meus pontos fortes, até ao momento, tinham sido competências muito diferentes como discussão de ideias ou pensamento crítico, e no bootcamp não eram essas as mais importantes. Por isso, toda a minha forma de pensar teve de ser alterada, obrigando-me a ter de ‘reprogramar’ o meu cérebro.”
Contudo, o que achava ser uma desvantagem face aos colegas, alguns já com algumas noções de programação, acabou por ser um fator diferenciador. “Fui-me apercebendo que as competências humanas que já tinha eram extremamente valorizadas pelas empresas tecnológicas, o que foi um ponto diferenciador no momento de procura de emprego pós bootcamp.”
Esta opção de carreira deu-me imensa liberdade, e não só a nível monetário e de perspetivas de carreira, mas também na relação entre a vida pessoal e profissional. Encontrei um ambiente tranquilo e positivo, onde tenho conhecido pessoas fantásticas.
Aliás, antes ainda de acabar o bootcamp, Luísa já tinha recebido (e aceite) uma proposta de trabalho na Capgemini Engineering como junior IT consultant, onde esteve durante cerca de um ano, até ingressar na Tyson Foods, onde trabalha atualmente, na função de microservices developer.
“Esta opção de carreira deu-me imensa liberdade, e não só a nível monetário e de perspetivas de carreira, mas também na relação entre a vida pessoal e profissional. Encontrei um ambiente tranquilo e positivo, onde tenho conhecido pessoas fantásticas”, reflete. E deixa ainda uma dica para quem está, agora, a passar pelo bootcampo ou a pensar ingressar: “Vão em frente, sempre com persistência e foco no objetivo, e aprendam a rir das vossas frustrações porque vão ser muitas.”
Luísa Castro e Almeida é, assim, uma das 1.674 pessoas a quem a Academia de Código já mudou a vida em apenas 14 semanas, ajudando-as a ingressar num mercado de trabalho altamente valorizado e cada vez mais carenciado de novos talentos.
Ainda esta semana, um novo estudo do ManpowerGroup concluiu que 84% dos empregadores nacionais estão a ser afetados pela escassez de talento, sendo que o setor das Tecnologias da Informação (TI) é um dos mais afetados, com 87% dos empregadores a admitirem que sentem dificuldades na contratação. Em termos de competências técnicas, 30% dos empregadores portugueses colocam as skills relacionadas com TI e Data no topo das suas necessidades, tendência que já se registava em 2022, mas que este ano cresce quatro pontos percentuais.
Qualquer pessoa, não sendo preciso conhecimento ou experiência prévia em tecnologia ou programação, ou um nível académico específico, pode ingressar no bootcamp da Academia de Código. Quem não tem a possibilidade de realizar o pagamento a pronto, pode recorrer à parceria com a Fundação José Neves e com o Banco Montepio, que permitem adiar o pagamento do curso para uma fase posterior à sua conclusão.
A valorização profissional (que não encontravam)
À semelhança de Luísa, Joana Cruz demorou algum tempo a decidir mudar de vida. “Andei a marinar a ideia durante cerca de ano e meio. Fui-me informando não só sobre programação, mas também sobre as oportunidades na área das tecnologias e as habituais condições de trabalho”, lembra.
A pesquisa e a reflexão levaram-na a demitir-se para aprender, a full time, a programar. E colocaram-na onde está hoje: Microsoft Power Platform e Dynamics 365 Associate, na área de Consulting Solutions, na PwC Portugal.
Formada em Psicologia, Joana Cruz trabalhava em Psicologia Clínica e Comunitária e também em áreas mais ligadas à formação em competências comportamentais e investigação. Sentia-se, contudo, insatisfeita com diversos aspetos dos trabalhos que ia desempenhando.
Hoje, depois de ter realizado o bootcamp de Web “Development na Le Wagon, acredita que foi uma escolha “feliz”. “Nesta indústria, os trabalhadores são mais valorizados e têm melhores condições laborais, mesmo quando ainda estão a começar. Acabei o bootcamp em meados de setembro e no final de novembro tinha duas propostas de trabalho em cima da mesa”, afirma.
De qualquer forma, Joana diz que não sente que tenha trocado uma área pela outra. Sente, antes, que adicionou novas competências ao seu reportório que a permitem movimentar-se numa indústria diferente. “A ciência psicológica é-me útil todos os dias e tem um contributo importante a dar ao mundo tecnológico. Afinal, são pessoas que criam produtos tecnológicos, que os vendem, que os compram e que os usam.”
Nesta indústria, os trabalhadores são mais valorizados e têm melhores condições laborais, mesmo quando ainda estão a começar. Acabei o bootcamp em meados de setembro e no final de novembro tinha duas propostas de trabalho em cima da mesa.
Apesar de ter recorrido a uma escola diferente, a Ironhack, Francisco Duarte, que estudava Turismo e Hotelaria, também encontrou a valorização profissional depois de concluir um bootcamp. Trocou aquela que poderia ter vindo a ser uma carreira num grupo hoteleiro pelo código. E não se arrepende, nem por um momento.
“A Ironhack abriu-me portas para hoje estar num trabalho a ganhar um salário acima da média em que consigo viver uma vida confortável a fazer algo que adoro e que me dá a flexibilidade de trabalhar onde quiser com o meu próprio horário“, diz.
“Há cerca de um ano e meio, estava na faculdade desmotivado e triste por me aperceber que o turismo não era o caminho que queria seguir. Hoje, trabalho numa startup chamada Sanjow como full stack engineer e em part-time na Ironhack como professor assistente do bootcamp de Web Development”, conta.
“Se tivesse de voltar atrás no tempo, faria tudo de novo sem qualquer hesitação.”
Desde o seu primeiro bootcamp, em 2019, a Ironhack já realizou mais de 60 cursos intensivos, tendo recebido mais de 800 alunos, de 25 nacionalidades diferentes, nas modalidades de presencial e remoto, a tempo inteiro ou em pós-laboral.
À semelhança da Academia de Código — apenas a 42 tem um modelo completamente diferente — os preços dos bootcamps na Ironhack e na Le Wagon variam entre os 6.500 e os 7.500 euros, e podem ser pagos através de diferentes planos de pagamento, com opções de financiamento. Os candidatos não precisam de experiência na área e os bootcamps podem ser realizados a tempo inteiro ou em pós-laboral.
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