Os enxovalhos públicos pagam-se!
Da absurda demissão de Christine Ourmières-Widener vai sair dos cofres do Estado o pagamento de todas as remunerações e prémios devidos até ao fim do seu mandato, acrescido de uma indemnização.
A democracia representativa é um sistema muito complexo de mediação entre os cidadãos e o Estado. Existem dois agentes intermediários fundamentais, os partidos e a imprensa. Quando os partidos ascendem ao poder espera-se que agreguem, encaminhem e transformem em políticas públicas as preferências de quem neles votou. Os meios de comunicação social, por sua vez, ordenam e filtram a opinião dos cidadãos, ao mesmo tempo que monitorizam os governos. Nesta monitorização da ação governativa saltou para as primeiras páginas dos jornais e abriu os noticiários televisivos a TAP e as loucas indemnizações pagas pelas cessações de funções, que mais não são que «indemnizações para o silêncio», pagar comprometimentos amorais de toda a ordem, sendo, por isso, embrulhadas em múltiplas cláusulas de confidencialidade.
Quando a comunicação social agarra e não larga um escândalo, os decisores políticos têm de se virar e encontrar uma solução para, limpar as nódoas e continuarem «imaculados». E, qual benzina, nada melhor do que um parecer de um órgão do Estado para efetuar essa limpeza, já que os pareceres feitos pelas sociedades de advogados podem estar «envenenados». E assim temos a Inspeção-Geral de Finanças – Autoridade de Auditoria a analisar o processo de cessação de funções da eng.ª Alexandra Reis, com a finalidade de verificar se os procedimentos adotados e os valores pagos, a título de indemnização, estavam (ou não) em conformidade com as normas jurídicas. E, descobriu-se que não estavam! Afinal, como anteriormente havíamos defendido, o pagamento da indemnização pelo valor dos famosos 500 mil euros é ilegal, o gestor público tem direito a uma indemnização (se for demitido) correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de um ano (artigo 26.º do Decreto-Lei 71/2007, de 27 de março – Estatuto do Gestor Público). Se a referida eng.ª não foi demitida, mas sim uma decisão da própria em renunciar ao cargo, nunca poderá haver lugar a qualquer indemnização.
Desta confusão, mais política do que jurídica, o ministro das Finanças resolveu exonerar, por justa causa, a presidente executiva da TAP, eng.ª Christine Ourmiéres-Widener, e o presidente do Conselho de Administração, dr. Manuel Beja. Demissão absurda que afeta a segurança jurídica e a neutralidade que se exige aos decisores políticos.
Christine Ourmières-Widener foi afastada, num procedimento que dizia respeito a outra pessoa, sem ter sido ouvida. Não foi aberto nenhum procedimento administrativo autónomo contra ela, nem contra Manuel Beja (ordem formal). Foi, por conseguinte, infringido o direito de defesa em audiência prévia, previsto no Código de Procedimento Administrativo. Christine Ourmières-Widener não foi ouvida sobre a proposta de decisão (vício insuprível de forma grave), que leva à anulação do ato, por falta de audiência prévia e ausência de defesa).
Convém lembrar que Christine Ourmières-Widener foi selecionada por concurso internacional, e não tem a obrigação de saber de Direito Laboral, nem foi contratada como especialista em Direito. Como todo e qualquer presidente executivo procurou munir-se de aconselhamento jurídico, tendo um grupo de advogados apresentado um texto do acordo entre as partes.
A proposta apresentada foi previamente submetida à apreciação superior, aceite e homologada pelo acionista Estado, então representado pelos anteriores ministro e secretário de Estado das Infra-Estruturas e Habitação. Portanto, não se pode dizer que a presidente executiva foi negligente em tal matéria, tão específica, difícil e delicada. Atuou com a diligência que lhe era devida. Caso a tutela não tivesse aprovado a demissão, a mesma não ocorreria. Em termos substantivos, nada se pode assacar à presidente executiva. O acionista Estado quis a demissão, e Christine Ourmières-Widener limitou-se a cumprir a vontade da tutela, obedecendo a uma ordem superior (questão de fundo).
Agora chegou o momento do tribunal administrativo se pronunciar e espera-se anulação da exoneração por justa causa (porque é inexistente), e tudo se passará como se o ato nunca se tivesse verificado, Christine Ourmières-Widener será reintegrada, voltando tudo ao statu quo ante bellum.
Da absurda demissão de Christine Ourmières-Widener vai sair dos cofres do Estado o pagamento de todas as remunerações e prémios devidos até ao fim do seu mandato, acrescido de uma indemnização pelos danos morais e reputacionais causados. Os enxovalhos públicos pagam-se!
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