O ex-ministro de Pedro Passos Coelho considera que o ambiente na União Europeia é de grande facilitismo. A ameaça de segundo resgate vem dos mercados, não da Europa.
A conversa nesta segunda parte da entrevista ao ECO de Miguel Poiares Maduro correu sobre a situação financeira portuguesa, as relações de Portugal a União Europeia, as políticas económicas e a estabilidade governativa. Para Miguel Poiares Maduro a estratégia económica do Governo de António Costa, de modelo “transacional” tem como limite este ano, a partir do qual terá de adotar medidas. Interessa, por isso, ao primeiro-ministro criar uma crise política para se libertar do PCP e do Bloco de Esquerda. Mas essa crise não pode ser percebida como tendo sido criada pelo próprio António Costa.
Neste momento, considera o ex-ministro de Pedro Passos Coelho, o Governo já está “a correr atrás do prejuízo”, depois do discurso confrontacional que teve. Na sua opinião, as mensagens iniciais foram de alguma forma mais penalizadoras que as próprias políticas.
Na frente europeia Miguel Poiares Maduro não espera exigência, considera que o clima é de permissividade. Os riscos de um segundo resgate vêm dos mercados que já dão pouca credibilidade às regras de disciplina financeira da União Europeia.
Sobre Pedro Passos Coelho, diz que o PSD não tem um melhor líder. O problema está no facto de o PS ter baixado muito as expectativas. Na sua opinião Portugal já deveria estar neste momento a crescer muito mais e essa é que deveria ser a comparação.
Há pouco disse que Portugal não corre o risco de um segundo resgate. Porquê?
Eu não disse isso. Disse que não é a minha preocupação imediata. E já digo isto há bastante tempo. A minha preocupação imediata é com o risco de estagnação económica e, sobretudo, de não tirarmos suficiente partido daquilo que é o potencial crescimento que qualquer país tem após um período de ajustamento forte como nós tivemos. Agora, não excluo a possibilidade de um segundo resgate vir a ocorrer. Porque é que eu acho que ele não é muito provável…
….Não é muito provável a curto prazo?
A curto prazo, acho que não é muito provável. Porque, neste momento, o clima na União Europeia é de grande facilitismo em relação a todas as situações nacionais. Ou seja, há uma preocupação muito grande — não é só com Portugal. Há países como a Hungria ou a Polónia em que a dificuldade é o cumprimento de direitos fundamentais. E também aí a Comissão não tem conseguido ser eficaz.
Há uma grande permissividade?
Há uma grande permissividade relativamente a um conjunto de matérias dos Estados-membros, porque se entende que a União tem um tal défice de popularidade, de apoio e legitimidade social e popular que a melhor forma de lidar com isso — não estou certo que seja necessariamente assim, mas é a forma que as instituições europeias neste momento estão a seguir — é a de não entrar em conflito com os seus Estados-membros. Por isso acho muito pouco provável que a União Europeia venha a tentar disciplinar um país como Portugal. E, nesse contexto, vai dar-lhe o máximo de margem possível. Ao mesmo tempo, vai procurar garantir que Portugal não esteja numa situação que obrigue ao aparecimento de uma nova crise com que a Europa tenha de lidar.
Eu discordo dessas declarações do ministro Schäuble. Pela mesma razão que discordo de posições muito agressivas que o Governo português por vezes adotou relativamente aos seus parceiros europeus e às instituições europeias.
É com base nessa sua leitura que olha para as declarações, por vezes frequentes, do ministro das Finanças alemão, quando periodicamente vem dizer “espero que Portugal não precise de um resgate”?
Eu discordo dessas declarações do ministro Schäuble. Pela mesma razão que discordo de posições muito agressivas que o Governo português por vezes adotou relativamente aos seus parceiros europeus e às instituições europeias. Eu não acho que sejam produtivas.
O ministro Schauble devia dizer isso no Eurogrupo e até há boas razões para o fazer. Mas não publicamente. Qual é a vantagem de o fazer publicamente? Acha que vai convencer os portugueses e o Governo português através de declarações públicas? Não acha. Além disso isso só ajuda a minar a confiança e a credibilidade num outro Estado-membro. A única razão que encontro para fazer essas declarações publicamente é a mesma, embora de sentido contrário, das declarações agressivas que também o Governo português por vezes também faz: satisfazer as suas clientelas políticas internas.
Os mercados hoje em dia já não fazem uma avaliação indiferenciada do risco na zona euro, nem dão já uma credibilidade muito grande às formas de disciplina que a União Europeia impõe aos Estados-membros.(…) O risco é serem os próprios mercados a penalizar-nos, ainda antes de sofrermos qualquer tipo de sanção ou penalização da parte de instituições europeias.
Em que condições é que considera então que pode ocorrer um segundo resgate?
Os mercados hoje em dia já não fazem uma avaliação indiferenciada do risco na zona euro, nem dão já uma credibilidade muito grande às formas de disciplina que a União Europeia impõe aos Estados-membros. E penso que as instituições europeias não estão a ponderar totalmente esses aspetos, nem o Governo português.
O risco é serem os próprios mercados a penalizar-nos, ainda antes de sofrermos qualquer tipo de sanção ou penalização da parte de instituições europeias.
"O Governo está agora a correr atrás do prejuízo.”
Pensa que a entrevista do ministro das Finanças ao Financial Times e à Bloomberg a dizer que não entendia os mercados uma vez que se atingiu o objetivo do défice, isso tem já a ver com esse risco?
O Governo está agora a correr atrás do prejuízo. Ou seja, o Governo, no seu primeiro ano, independentemente do resultado estatístico orçamental, deu alguns golpes fortes na nossa credibilidade e na confiança internacional do País. Fê-lo por razões de pura política interna.
Mais até do que as políticas concretas, esse discurso apresentado como combativo teve um custo muito grande. Um custo que não foi visível ao longo do último ano por causa das compras do BCE. Como essas compras estão a diminuir há um risco grande de os mercados começarem a penalizar mais o País. E o que o Governo está agora a tentar fazer, quer por via de um défice estatisticamente inferior ao que estava vinculado, quer com essas entrevistas, é correr atrás desse prejuízo. É voltar a reconquistar essa confiança e credibilidade dos mercados internacionais, antes de voltarmos a estar mais sujeitos a eles com base na diminuição das compras por parte do BCE.
E consegue ser eficaz?
Pode ou não ser eficaz. Não sei. As instituições europeias não querem que isso aconteça. Pelo menos este ano, vão agir no sentido de impedir que Portugal fique sujeito a esse risco, de um segundo resgate. Mas não acho que seja um risco displicente.
O que me está a dizer é que do lado das instituições europeias não há vontade e vão fechar os olhos tanto quanto for possível. Mas os mercados financeiros podem atirar o país para o precipício?
Podem. Essa possibilidade continua a existir. Os desequilíbrios fundamentais da nossa economia continuam a persistir. E enquanto continuarem a persistir, esse risco existe.
A leitura que faço é que a expectativa de António Costa é ter eleições a curto-médio prazo, depois de um conjunto de políticas destinadas a obter ganhos políticos mas que, do meu ponto de vista, não são sustentáveis a longo prazo. Chegou ao limite.
Surpreendeu-o o facto de esta aliança à esquerda ser tão estável? Conseguiu-se apesar de tudo aprovar dois orçamentos do Estado.
Na lógica de política transacional e de puro oportunismo, não me surpreendeu. Existiam interesses próprios, de cada um dos partidos, que tornavam possível uma governação à vista, com alguma estabilidade.
A questão está no que me parece ser hoje a divisão política fundamental no mundo. Mais do que a uma esquerda e direita, em sentido tradicional, assistimos a uma divisão entre aqueles que têm uma conceção aberta do mundo, não nacionalista, e os que têm uma conceção do mundo muito mais fechada, muito mais nacionalista. Isso exigirá, mais tarde ou mais cedo, que o Partido Socialista se defina, de que lado é que vai estar. Acho que o Dr. António Costa tem consciência disso. E por isso é que penso, desde o início, que a intenção dele é, a determinada altura, libertar-se dos seus colegas de coligação.
A leitura que faço é que a expectativa de António Costa é ter eleições a curto-médio prazo, depois de um conjunto de políticas destinadas a obter ganhos políticos mas que, do meu ponto de vista, não são sustentáveis a longo prazo. Chegou ao limite. Digamos que este será o último ano antes de terem de ser tomadas decisões importantes quanto a um conjunto de matérias. Sendo essa a circunstância, penso que quererá desencadear uma crise política, enquanto tem popularidade.
"A crise política está dependente de António Costa a conseguir sem ser visto como o responsável dessa crise política.”
Ainda este ano?
Não excluo que seja este ano. Acho que se ele pudesse seria ainda este ano. A crise política está dependente de António Costa a conseguir sem ser visto como o responsável dessa crise política. Porque o facto de não ter ganho as eleições tem um reflexo importante na forma como pode criar uma crise política. Se for percebido como tendo sido ele o responsável da crise política, toda a gente se vai voltar a recordar do António Costa que ascendeu ao poder daquela forma, um pouco matreira e não muito séria. E aí terá um custo a pagar.
E quem é que lhe vai oferecer essa crise política?
[António Costa] vai procurar criar condições para que o BE e o PCP lhe ofereçam essa crise política. Eu não sei é se o BE e o PCP, — nesta altura não me parece — , têm interesse em oferecer essa crise política.
Mas se a atual coligação parlamentar cair, também já o disse, não é facto assente que tenham de existir eleições antecipadas.
O Presidente deveria desafiar o partido mais votado: o PSD?
Eventualmente, penso que sim. Sobretudo, se for claro, como ainda é nesta fase, que das eleições não existiria uma outra maioria alternativa. Imagine o que é o Presidente da República convocar eleições, o PS ganhar mas com uma maioria relativa. E depois de ter tido uma crise com o PCP e o BE vai dizer ao PSD: “nós não quisemos fazer uma coligação convosco quando eram vocês que lideravam a coligação, mas agora queremos que o façam connosco”. Está a ver a crise política que isto ia criar no país.
Mas se o PS continuar a aprofundar a sua relação política com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista, isso vai criar-lhe um problema existencial.
Mas há sempre a possibilidade de o PS fazer Governo com o Bloco de Esquerda.
Essa possibilidade existe. E é uma possibilidade real, porque há uma componente do PS que, neste momento, se identifica muito com o BE. E o BE cada vez mais se sente atraído pelo exercício do poder. Mas se o PS continuar a aprofundar a sua relação política com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista, isso vai criar-lhe um problema existencial. Na grande divisão ideológica atual o Bloco está de um lado e o PS tradicional está do outro. Em temas como ser a favor ou contra a integração europeia, ser a favor ou não de uma economia aberta e de um mundo globalizado e interdependente. Estão profundamente divididos. E é isso que me diz que aquilo que é a cola desta coligação são razões de oportunismo político, não são verdadeiras razões estruturais. E por isso é que também não podem oferecer ao país uma verdadeira visão estratégica e estrutural para o futuro.
"Não vejo que o PSD tenha melhor candidato a primeiro-ministro do que Pedro Passos Coelho. (…) Não ignoro que Pedro Passos Coelho, até pela personalidade dele, não é tão eficaz em certas formas de fazer política como o Dr. António Costa.”
Acha que o PSD está a fazer uma oposição eficaz?
Acho que não é fácil fazer oposição nesta fase. O grande mérito do Dr. António Costa do ponto de vista político, da habilidade política — que não do ponto de vista das políticas públicas que não tem ou tem muito pouco — está no facto de ter conseguido colocar as expectativas muito baixas. E aí talvez o PSD nem sempre tenha conseguido ser totalmente eficaz a contrariar isso.
Ou seja, depois de termos tido a contração que tivemos, nós teríamos de estar a crescer muito mais do que estamos. Diria que as coisas só poderiam ter corrido melhor do que correram. Mas o Dr. António Costa conseguiu que os juízos sobre o Governo não sejam como as coisas podiam correr melhor, mas como elas podiam correr pior.
Com o PSD?
A comparação é com o risco do segundo resgate.
E também com o PSD? Uma vez que António Costa tem sempre a possibilidade de dizer que se fosse com o PSD os funcionários públicos não teriam a recuperação por inteiro dos cortes salariais?
Aí é possível o PSD dizer que a economia já cresceu mais em 2015 do que em 2016. A expectativa é que a economia teria crescido muito mais em 2016. Se compararmos com situações históricas semelhantes, quer internacionais, quer mesmo em Portugal na nossa História, aquilo que devíamos estar a assistir era um crescimento muito maior. Já não digo como o da Irlanda.
Só que é sempre mais difícil fazer um discurso contra-factual, dizendo que devíamos estar a crescer muito mais e que o desemprego devia estar a cair muito mais, do que um discurso que diz apenas nós estamos a crescer.
É a mesma dificuldade que o Governo, em que estive, teve durante os três primeiros anos. Que é dizer: estamos a fazer estes sacrifícios todos, mas se não os fizermos será ainda pior. Isto é muito mais difícil de explicar às pessoas. No último ano de Governo já pudemos ter uma mensagem positiva. Porque a economia começou a recuperar e pudemos dizer que os esforços fizeram sentido. O que aconteceu agora é que o PSD voltou a estar na posição contrária.
Com outro líder no PSD seria mais fácil. Pensa que o PSD ganhava se Pedro Passos Coelho saísse da liderança?
Não vejo que o PSD tenha melhor candidato a primeiro-ministro do que Pedro Passos Coelho. E o PSD deve apresentar, aos portugueses, aquele que é o seu melhor candidato a primeiro-ministro. Não ignoro que Pedro Passos Coelho, até pela personalidade dele, não é tão eficaz em certas formas de fazer política como o Dr. António Costa. Mas é muito melhor para as políticas que o país necessitaria de empreender. E eu acho mais importante este segundo aspeto do que alguém que é habilidoso politicamente, mas não quanto aquilo que é realmente são importante para o país.
Mas o que as pessoas vêem é que com Pedro Passos Coelho perderam poder de compra, ficaram desempregadas e tiveram de emigrar. Com António Costa ganharam poder de compra, tiveram mais empregos…?
O Governo do Dr. Pedro Passos Coelho durante, pelo menos, três anos teve que fazer um ajustamento muito forte que permitiu ao país estar hoje em condições de, progressivamente, ir recuperando rendimentos. Mas boa parte desses efeitos já se estavam a manifestar no último ano de Governo e foi por isso que a coligação anterior conseguiu ganhar eleições. Mas ainda se vão manifestando mais. É como a questão do défice. Este Governo faz uma festa enorme com um défice de 2,1%. Lembra-me um pouco um jogador de futebol que entra no tempo extra do jogo, para lá dos 90 minutos, não chega a tocar na bola, a equipa ganha a Taça dos Campeões e ele levanta a taça e diz “o mérito é todo meu”. Este défice é possível sobretudo em virtude do esforço de consolidação orçamental que foi feito e das políticas que foram feitas anteriormente. E mesmo assim é uma redução do défice inferior à de anos anteriores. É que parece que os 2,1% foram atingidos tendo no ano anterior os 11% que o Governo anterior recebeu.
"Este Governo faz uma festa enorme com um défice de 2,1%. Lembra-me um pouco um jogador de futebol que entra no tempo extra do jogo, para lá dos 90 minutos, não chega a tocar na bola, a equipa ganha a Taça dos Campeões e ele levanta a taça e diz “o mérito é todo meu.”
António Costa está a recolher os louros que pertencem ainda a Pedro Passos Coelho?
Em boa medida sim. Penso que os portugueses, a pouco e pouco, irão aperceber-se disso. Mas não ignoro que a natureza da política, hoje em dia, de curto prazo e de imediatismo, torna muito difícil a avaliação política. O Dr. Pedro Passos Coelho é um político que pensa muito no longo prazo e por isso é que é muito resistente. Porque ele sabe que, a longo prazo, o deve e o haver das diferentes políticas se vai manifestar.
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Miguel Poiares Maduro: “O Governo está agora a correr atrás do prejuízo”
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